Esboço de um «modelo naturalista» para o Direito (Parte 6)

28/09/2018

 

“Toda filosofía política debe empezar con una teoría de la naturaleza humana”. Richard Lewontin 

Naturalmente que na filosofia sempre se tratou, em todo caso, do problema da natureza humana, ainda quando dito tema não era o núcleo central. Mas, existe de fato uma natureza humana tal e como propõe a ciência atual? E, de ser assim, em que consiste aos efeitos da maneira como cabe entender a moral e o direito? Não poderia ser que fosse indiferente, que qualquer programa filosófico, inclusive de cariz religioso, bastasse para estabelecer o fundamento último ou as bases do fenômeno jurídico e do comportamento moral?

A resposta é negativa. Qualquer concessão ideológica ou meramente especulativa está ameaçada dos erros produzidos pelo desconhecimento e/ou a despreocupada ignorância pela natureza humana. A história recente indica bem que a condição humana, e seus atributos ligados à possessão de valores, deve ser definida em termos antropológicos e científicos e não políticos, especulativos ou religiosos. O que nos faz ser o que somos? Como nossa natureza possibilita nossos comportamentos ético-jurídicos? Que abanicos nas análises evolutivas e neurobiológicas nos falam do sentido do direito e da justiça? A origem e a função do direito requerem um estudo renovado ante os resultados das investigações acerca da evolução e da natureza humana? De que maneira cambiará nossa concepção acerca do homem como causa, fundamento, fim e sujeito de todo ordenamento jurídico, político e moral?

As respostas menos arriscadas são as que podem oferecer-nos os enunciados descritivos procedentes das ciências que a falácia naturalista pretendeu desqualificar, ainda que surpreenda a muitos o argumento de que, nos dias que correm, resulte pouco confiável qualquer ciência social normativa que não tenha em conta o estudo de nossa natureza neurobiológica (e a partir dela a cultura) à luz dos princípios da seleção natural.

Sabemos, por exemplo, que descendemos daqueles primeiros símios que começaram a andar sobre duas patas e que somos essencialmente animais com qualidades físicas e uma série de predisposições genéticas e psicológicas para desenvolver-nos adequadamente em nosso entorno. Sabemos que algumas propriedades fixas da mente são inatas, que todos os seres humanos possuem certas destrezas e habilidades das que carecem outros animais, e que tudo isso conforma a condição humana. Sabemos que a matéria prima da cultura são representações mentais, pessoais e compartidas e que toda representação é, em última instância, obra de nosso cérebro, quer dizer, que nada ocorre, nem nada existe no mundo humano que não tenha sido percebido, filtrado, elaborado e construído pelo cérebro (o que inclui como pensamos, interpretamos, sentimos, criamos e modificamos nossas representações ético-jurídicas). Em realidade, começa a acumular-se evidências, desenvolvidas em campos disciplinares muito variados, sugerindo a existência de um “instinto moral”, uma faculdade moral equipada com propriedades universais da mente humana que restringe o âmbito da variação cultural, que guia inconscientemente nossos juízos de valor e que permite desenvolver uma reduzida gama de sistemas morais concretos [13].

Assim que a dimensão natural do ser humano, sua natureza biológica e sua origem evolutiva, passou a constituir uma dessas incômodas evidências empíricas que todo mundo aceita, mas que ninguém sabe, realmente, como administrar. Que o homem é um animal, uma parte indistinguível da natureza orgânica, edificado de acordo com os mesmos princípios genéticos que qualquer outro ser vivo, não é somente uma evidência científica indiscutível, senão também um lugar comum na literatura científico-social e humanística. Basta, para isto, entender que:

parte de nossa natureza — o que caberia chamar em termos técnicos “traços primitivos” — apareceu graças à evolução por seleção natural milhões de anos antes de que aparecera nossa espécie;

outras características exclusivas dos humanos — os “traços derivados” — se acrescentaram ou aperfeiçoaram ao longo de nossa história evolutiva separada, dentro da linhagem em que nos incluímos e a nossos antecessores não compartidos com nenhum símio;

a hipótese mais razoável sustenta que as condições que correspondem a nossa psicologia moral, aquelas que sustentam a natureza humana, devem dar-se por moldadas como traços ou bem primitivos ou derivados. Em caso de negar-se tal evidência, é preciso oferecer explicações plausíveis, afastadas da invocação de valores supremos, acerca de como poderiam haver aparecido;

só a comparação com as atitudes e valorações morais de outros seres podem dar pistas do caráter primitivo ou derivado da condição moral.

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: O Espelho // Foto de: Ana Patícia Almeida // Sem alterações

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