“¿Hay algún conocimiento en el mundo que sea tan seguro que ninguna persona razonable pueda dudar de él?”. B. Russell
Uma compreensão mais comprometida com as causas últimas, radicadas em nossa natureza, do comportamento moral e jurídico humano, pode ser muito importante para reconstruir ou reinventar, a partir da compreensão de “quem somos” e da maneira em que funcionamos enquanto criaturas neurobiológicas e sociais, as melhores e mais profundas teorias sobre o direito e a justiça, potencialmente unificadas com o lugar que ocupamos na natureza e com suas respectivas funções na dinâmica social. É muito provável, por que não dizer, que a maior parte das propostas de fundamentação do direito que já se formularam ao longo da história peque por sua inviabilidade em função dessa desatenção com relação à realidade biológica que nos constitui, ou seja, pela falta de precisão de sua adesão à natureza humana.
Enquanto a filosofia e a ciência do direito continuem abstraindo-se da natureza humana, obcecadas na análise profundamente formalizada e puramente cultural, seguirão não somente perdendo a credibilidade do todo, senão que também acabarão marginadas do resto das ciências em melhores condições de abordar as consequências jurídicas, sociais e morais da natureza humana.
Ademais, as boas teorias baseadas exclusivamente na mera contemplação especulativa indicam de maneira muito clara os riscos que se corre quando se utilizam critérios de abstração e/ou universalização que não procedam de uma consideração contrastada da natureza biológica humana. A História nos mostra o fato desgraçado de que os intentos morais mais fortes de melhorar a sociedade humana e executados em nome da preservação de uma humanidade abstrata - todo um catálogo de propostas que já levaram a situações monstruosas – conduziram em ocasiões à perversa incapacidade de indignar-se ante a injustiça e a comover-se ante o sofrimento desnecessário.
Já é hora de reconhecer o inútil, deficiente e esclerosado que resulta insistir em “uma mentalidade dogmática” que recusa metodicamente a ideia de que qualquer câmbio em nossa maneira de entender a natureza humana afeta por força nossa concepção do direito, da moral e da justiça. É de fundamental importância assumir, com a necessária humildade intelectual, que a partir do momento em que a filosofia e a ciência jurídica não são capazes de advertir (e superar) os signos de suas próprias crises, porque suas ideologias e discursos parecem ser um mito continuo de justiça e ordem, o direito se separa da realidade e se corrompe em uma ilusão, custodiada pela moldura conceitual de concepções dogmáticas e abstratas completamente alheias às implicações reais e factíveis da natureza humana.
Chegou o momento de aprender que todo debate filosófico, moral ou jurídico deve partir de dados científicos e, desde aí, transladar o problema do direito a um plano distinto e mais frutífero. E ainda que uma perspectiva naturalista e neurobiológica não possa determinar se o caminho elegido é o adequado nem que medidas devem ser adotadas para realizar, em caso de se optar por ela, um necessário câmbio de paradigma, seguramente poderá servir para informar sobre uma questão de fundamental relevância prático-concreta: quem teoriza sobre a justiça e o direito pode atuar em consonância com a natureza humana ou bem em contra dela; mas é mais provável que alcance teorias consentidas, eficazes e controláveis modificando o ambiente em que se desenvolve a natureza humana do que se empenhando na impossível tarefa de alterar por essa via nossa natureza.
Imagem Ilustrativa do Post: O Espelho // Foto de: Ana Patícia Almeida // Sem alterações
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