Esboço de um «modelo naturalista» para o Direito (Parte 15)

07/12/2018

 

“Moralidad: las decisiones de un grupo de gente acerca de lo que hay que castigar.” Robert Kurzban

As normas e os valores produzidos e assumidos pelos seres humanos aparecem dentro de um processo de adaptação (darwiniana) de grande complexidade à dinâmica fluida do mundo cotidiano. A menos, pois, que aceitemos algumas propostas teológicas ou transcendentais acerca da origem sobrenatural da axiologia, qualquer teoria social normativa (jurídica) que pretenda ser digna de crédito na atualidade deveria distanciar-se das inferências estúpidas e buscar as raizes de nosso comportamento ético-jurídico em como somos, no que nos ocupa e o que nos preocupa; quero dizer, em nossa natureza [44].

Por outro lado, as regras destinadas a controlar, predizer e castigar o comportamento humano não se deram à humanidade desde cima. Evolucionaram ao longo de muitos anos porque resolviam problemas adaptativos recorrentes relativos à vida comunitária. As leis não são simplesmente um conjunto de regras faladas, escritas ou formalizadas que as pessoas seguem. Representam a formalização de regras comportamentais, sobre as quais uma alta percentagem de pessoas concorda. Parecem constituir o melhor mecanismo de organização social em grande escala  que nossa espécie descobriu até o presente e que podem ser adaptadas às peculiares características da psicologia humana. Refletem as inclinações do comportamento, regulam vínculos sociais e oferecem benefícios potenciais àqueles que às seguem.

Quando as pessoas não reconhecem ou não acreditam nesses benefícios potenciais ou nos castigos eficazes, as normas são, com frequência, não somente ignoradas ou desobedecidas – pois carecem de legitimidade e de contornos culturalmente  aceitáveis em termos de uma comum, consensual e intuitiva concepção de justiça -, senão que seu cumprimento fica condicionado a um critério de autoridade que se lhes impõem de forma desagradável, brutal e descontrolada. E uma vez que a sociedade usa leis para encorajar as  pessoas a se comportar diferentemente do que elas se comportariam na falta de normas, esse propósito fundamental não somente torna o direito altamente dependente da compreensão das múltiplas causas do comportamento humano como, e na mesma medida, faz com que quanto melhor for esse entendimento da natureza humana, melhor o direito poderá atingir seus propósitos [45].

Da mesma forma, formulamos juízos de valor sobre o justo e o injusto não somente por motivos racionais, como expressam a teoria dos jogos e as teorias jurídicas, senão porque também estamos dotados de certas intuições morais inatas e de determinados estímulos emocionais que caracterizam a sensibilidade humana e que permitem que nos conectemos potencialmente com todos os demais seres humanos. Essas estratégias, se plasmam grande parte de nossas intuições e emoções morais, não são construções arbitrárias, senão que servem ao importante propósito de, por meio de juízos de valor, tornar a ação coletiva possível – e parece razoável admitir que os seres humanos encontram satisfação no fato de que  as normas sejam compartidas pelos membros da comunidade.

As virtudes da tolerância, da compaixão e da justiça não são fórmulas jurídicas que nos esforçamos para alcançar de forma puramente racional, sabendo das dificuldades do caminho, mas compromissos que assumimos e esperamos que outros assumam. O direito, se o entendemos mais além da expressão formal dos códigos de conduta, não é um simples constructo intelectual. Apareceu e evoluiu como parte de nossa natureza a partir de um largo e tortuoso processo coevolutivo e, para compreendê-lo adequadamente, devemos entender a forma como o conjunto mente/cérebro processa os instintos e as predisposições que permitem criar e explorar nossos vínculos sociais relacionais e a normas que criamos para controlar nossa conduta em sociedade.

Desse modo, se era inevitável que Hobbes e Rousseau carecessem de uma perspectiva evolucionista, é menos perdoável que alguns dos seus descendentes intelectuais também careçam. O filósofo John Rawls – ainda que para o problema da estabilidade dos princípios de justiça parta do suposto de que certos princípios psicológicos e evolucionistas são verdadeiros ou que o são de forma aproximada – nos pede que imaginemos seres racionais se juntando para criar uma sociedade a partir do nada, tal e como Rousseau imaginou um proto-humano solitário e autossuficiente.

 

Imagem Ilustrativa do Post: O Espelho // Foto de: Ana Patícia Almeida // Sem alterações

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