“La justicia no es un invento de la revolución francesa, como aseguran algunos filósofos, sino que arraiga en una historia profunda… Los orígenes de la prosocialidad humana se encuentran en el linaje compartido de los mamíferos.” F. De Waal
A origem e evolução de nosso “comportamento contratual”, quer dizer, do direito como artefato da cultura, não é um produto cultural que responde muito direta e racionalmente às condições totalmente recentes, senão um aspecto intrinsecamente humano e tão próprio de nossa espécie que, expandidos múltiplas vezes a uma dimensão coletiva, evolucionaram em preceitos morais e normas jurídicas. Isto permite entender que os preceitos morais e as normas jurídicas são o resultado de um longo caminho de adaptação ao largo do tempo transcorrido desde o aparecimento de nossa espécie. Como a acumulação e a transmissão cultural são adaptativas desde sua própria origem ao permitir que os indivíduos diminuam o tempo e os custos necessários para o aprendizado (individual e social) de uma conduta em termos de eficácia evolutiva [41], respeito do artefato cultural denominado direito cabe dizer o mesmo.
Nesse sentido, o direito representa o desenvolvimento de um conjunto de estratégias normativas resultantes de um processo histórico-evolutivo como qualquer outro, que foi criando, através da interação da cultura com a biologia, um complexo desenho de normas de conduta para solucionar problemas recorrentes relacionados com a crescente complexidade da vida em grupo. Tais estratégias supõem a possibilidade de oferecer soluções a problemas adaptativos práticos, delimitando, modelando e separando por uma via não conflituosa os campos em que os interesses individuais podem (ou devem) ser válida e socialmente exercidos [42]; isto é, plasmam publicamente não somente nossa capacidade (e necessidade) de predizer e controlar o comportamento dos demais senão também o de justificar e coordenar recíproca e mutuamente, em um determinado entorno sócio-cultural, nossas ações e interações sociais. De fato, a denominada “certeza jurídica” pode ser entendida muito bem como solução sócio-cultural aos problemas adaptativos relacionados com a capacidade e necessidade de inferir e antecipar as ações dos membros do grupo e suas conseqüências.
Esta forma de explicar o aparecimento do fenômeno jurídico sustenta que dispor de normas de conduta supõe uma vantagem adaptativa, com o qual a pergunta sobre por que criamos o direito, transforma-se na de que constituiu (ou que constitui) a vantagem seletiva ou adaptativa do direito. De não ser possível responder a esta questão, a presença do direito no universo do existir humano seguirá sendo um enigma, sempre aberto as mais disparatadas suposições acadêmicas.
Bem é verdade que um enfoque assim poderia ser qualificado de adaptacionista extremo. Talvez as normas do direito sejam, em sua origem, um subproduto de outras funções adaptativas desconhecidas sobre as que se apoiaram. Mas o certo é que, se as teorias, princípios, valores e normas jurídicas necessitam de determinados mecanismos cerebrais para ser processadas, elaboradas, compreendidas, obedecidas, seguidas e aplicadas, é preciso explicar qual é a razão da existência de ditos mecanismos.
Como dito antes, o comportamento ético-jurídico e normativo está guiado, em termos profundos, por nossa arquitetura cognitiva, sempre que entendamos estes como redes neuronais que enlaçam zonas diversas do cérebro. Em grande medida dita arquitetura é inata, mas necessita dos estímulos ambientais – procedentes em primeiro termo do entorno social e lingüístico – para completar-se durante o amadurecimento ontogenético do indivíduo.
De tal modo, somente um modelo integrador entre substrato inato e meio ambiente parece descrever de maneira adequada o fenômeno da obtenção das estruturas neurológicas cujo comportamento funcional se traduz em fatos como os juízos morais, as normas de conduta, os vínculos sociais, os valores assumidos pelo indivíduo, a tomada de decisões, etc. De fato, se se borrasse o conjunto de cérebros humanos da face da terra, a moral, o direito, as normas de conduta (morais ou jurídicas) e as teorias jurídicas desapareceriam ao mesmo tempo.
Se nossa evolução como espécie teve lugar, pelo que sabemos, mediante mecanismos darwinianos e de acordo com limitações darwinianas, podemos considerar o direito e a moral como um fenômeno natural, limitado pelas forças da seleção natural, arraigado na neurobiologia, moldado pela ecologia local e modificado pelos avanços culturais [43]. Como consequência, a natureza do ser humano não somente gera, restringe e circunscreve as condições de possibilidade de nossas sociedades; também guia e põe limites ao conjunto institucional e normativo que regula as relações sociais.
Imagem Ilustrativa do Post: O Espelho // Foto de: Ana Patícia Almeida // Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/anap/12612437785/
Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/