Esboço de um «modelo naturalista» para o Direito (Parte 1)

24/08/2018

“Sin Darwin, la moral humana no sólo no se entiende, sino que ni siquiera se puede justificar.” Camilo José Cela Conde

Introito: Quando os interesses do Direito não são os mesmos que os interesses dos que fazem o Direito – (I)

No âmbito das ciências sociais a quase totalidade das crenças e teorias que seguimos vivendo hoje em dia continuam estancadas entre a negação e/ou a evitação da revolução e o perigo que supõe Darwin para a moralidade humana. Nem Copérnico, que nos apartou do centro do Universo, nem Freud, que mostrou que não somos os donos de nossa própria mente, nem nenhum outro ramo da ciência representa um corte tão profundo na jugular da compreensão de nossa própria natureza.

Ainda que a importância de conhecer como evolucionamos resulte transcendental para a compreensão da natureza humana (para entender e buscar as raízes de nossa moralidade em como somos, no que nos ocupa e o que nos preocupa) e de nosso comportamento passado, presente e futuro, a Filosofia e o Direito continuam sendo um exemplo claro dessa “política de avestruz” relativa às implicações morais e jurídicas do darwinismo. Basta com ler aos grandes filósofos e juristas do século XX para constatar que praticamente ninguém menciona a Darwin. Decerto que existe uma divisão entre o objetivo e o subjetivo e que essa fronteira é subjetiva, mas este tipo de insolente indiferença não deixa de ser francamente surpreendente.

Mirando as coisas tal como são - e correndo o risco de parecer repetitivo (repetita iuvant) -, dá a impressão de que o problema está em que aceitar a Darwin implica admitir que nossas faculdades/comportamentos morais não são um invento da razão humana, como asseguram alguns filósofos, senão que arraigam em uma história profunda e se foram desenvolvendo de maneira gradual: a igualdade tem uma história, o altruísmo tem uma história, a cooperação tem uma história, a moral tem uma história, a justiça tem uma história, etc...etc. Nada disso aparece de golpe ou por intervenção de alguma força sobrenatural em nossa espécie, senão que tem precursores em outras espécies, uma história evolutiva.

E o Direito, tem uma história? (quero dizer, diversos estágios conhecidos do processo evolutivo da espécie humana que deu origem ao que conhecemos como fenômeno jurídico). A resposta é um “Sim!” rotundo e categórico.

Então, por que não deveríamos fazer caso a Darwin em relação com o estudo e as bases do Direito? Por que não reconstruir ou renovar o Direito a partir de conceitos e fatos admitidos – ou, ao menos, admissíveis - pelas ciências empíricas ao invés de continuar sustentando ideias sobre fenômenos jurídicos que não são simplesmente incorretas, senão sistemática e cientificamente equivocadas? Poderão as ciências dedicadas a proporcionar uma explicação científica da mente, do cérebro e da natureza humana vir a servir de fonte de informação para a elaboração de discursos e/ou teorias jurídicas que se distanciem das falsidades subjacentes às atuais concepções comuns da condição humana? Por que as teorias jurídicas não necessitam afiançar-se em «quem» e «que» somos, quero dizer, por que não têm que ajustar-se à «razão de ser» de nossa espécie? Por que os juristas, “cientistas” e/ou filósofos do direito de uma maneira geral continuam ilhados das demais ciências e se resistem a “evolucionar” ou, se o fazem, seus câmbios não provêm de nenhuma investigação científica séria sobre as implicações morais e jurídicas da natureza humana? Por que fogem dos fatos, rechaçam as evidências, ignoram as provas e descuidam dos melhores argumentos quando desafiam “paradigmas” e interesses estabelecidos?

 

Imagem Ilustrativa do Post: O Espelho // Foto de: Ana Patícia Almeida // Sem alterações

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