Erro grosseiro e a pandemia  

22/02/2021

O Supremo Tribunal Federal decidiu que a gestão da pandemia da Covid-19 deve observar critérios científicos.

Tal entendimento foi manifestado no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ADIs 6421, 6422, 6424, 6425, 6427, 6428 e 6431[1].

Ou seja, a aludida Corte assentou que não aplicar a ciência configura erro grosseiro.

Assim, gestores públicos que insistem em descumprir estudos científicos possivelmente serão responsabilizados pelos seus atos.

Ou seja, eventual investimento de verba pública em tratamentos precoces no início de pandemia não pode, em princípio, ensejar condenação por gestão temerária, salvo se o dispêndio de dinheiro aconteceu depois da publicação dos estudos demonstrando ausência de evidências científicas sobre a eficácia, segurança e efetividade dos tratamentos. Nesta linha é interpretação da Recomendação 66 do Conselho Nacional de Justiça[2].

O mesmo raciocínio se aplica aos profissionais de saúde. Uma coisa é prescrever ivermectina no início da pandemia para tratamento contra a Covid-19, pois ainda não havia comprovação científica da sua ineficácia. Outra coisa é insistir na sua aplicação após a divulgação de estudos indicando ausência de segurança e eficácia no uso da substância. Nesta hipótese, em tese, é possível responsabilizar os profissionais pela prescrição quando ficar demonstrado, por exemplo, que houve efeitos adversos ou problemas no fígado[3].

O ponto principal é indicar que existe uma reserva de ciência. Segundo Servetti existe a incidência de uma valoração técnico-científica sanitária sobre as atividades humanas, porquanto não é possível alterar a natureza das coisas[4].

Portanto, não há liberdade (ou autonomia) absoluta dos agentes públicos e dos profissionais de saúde, razão pela qual a transparência e a responsabilidade são importantes balizadores das suas condutas durante a pandemia.

 

Notas e Referências

[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=443888&ori=1. Acesso em: 20 Fev. 2021.

[2] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Recomendação 66, de 13/05/2020. Recomenda aos Juízos com competência para o julgamento dasações que versem sobre o direito à saúde a adoção de medidas para garantir os melhores resultados à sociedade durante o períodoexcepcional de pandemia da Covid-19. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3318#:~:text=Recomenda%20aos%20Ju%C3%ADzos%20com%20compet%C3%AAncia,de%20pandemia%20da%20Covid%2D19.. Acesso em: 20 Fev. 2021.

[3] O laboratório Merck reconheceu a ausência de eficácia no uso da ivermectina para combater a Covid-19. Neste sentido: https://www.merck.com/news/merck-statement-on-ivermectin-use-during-the-covid-19-pandemic/

[4] SERVETTI, Davide. Riserva di scienza e tutela della salute. L’incidenza delle valutazioni tecnico-scientifiche di ambito sanitario sulle attività legislativa e giurisdizionale. Pisa: Pacini Editore Srl, 2019.

 

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