Enunciados do CNJ sobre saúde suplementar (Parte II) – Por Clenio Jair Schulze

25/04/2016

Leia também a Parte I.

Este texto retoma os comentários aos Enunciados sobre saúde suplementar aprovados na I Jornada de Direito à Saúde promovida pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ em maio de 2014. 

ENUNCIADO N.º 26

É lícita a exclusão de cobertura de produto, tecnologia e medicamento importado não nacionalizado, bem como tratamento clínico ou cirúrgico experimental.

Comentário: O Enunciado repete o conteúdo do art. 19 - T, ao estabelecer que "são vedados, em todas as esferas de gestão do SUS: I - o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento, produto e procedimento clínico ou cirúrgico experimental, ou de uso não autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA; II - a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa.”

Não obstante a previsão normativa, o Enunciado foi necessário para reafirmar a posição diante das decisões judiciais que concedem tecnologias em desacordo com a aludida regulamentação, deixando, inclusive, de declarar a inconstitucionalidade na norma, para o caso.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a repercussão geral do tema, que trata da possibilidade ou não de conceder medicamento não registrado na ANVISA, inexistindo, ainda, posição definitiva da Corte (RE 657718 RG/MG). 

ENUNCIADO N.º 27

As Resoluções n.º 1956/2010 Conselho Federal de Medicina e n.º 115/2012 do Conselho Federal de Odontologia e o rol de procedimentos e eventos em saúde vigentes na Agência Nacional de Saúde Suplementar, e suas alterações, são de observância obrigatória.

Comentário: As duas Resoluções mencionadas são importantes para o tema da judicialização da saúde, pois disciplinam a prescrição de materiais implantáveis, órteses e próteses e determina arbitragem de especialista quando houver conflito.

Geralmente os juízes do Brasil não conhecem as normas específicas que tratam de próteses, órteses e materiais especiais e, diante da sua não observância pelos médicos e odontólogos prescritores, cabe ao magistrado regular de forma adequada a questão.

O tema é objeto de inúmeras investigações no Judiciário nacional, diante das fraudes encontradas na prescrição inadequada de próteses e órteses.

ENUNCIADO N.º 28

Nas decisões liminares para o fornecimento de órteses, próteses e materiais especiais – OPME, o juiz deve exigir a descrição técnica e não a marca específica e/ou o fornecedor, em consonância com o rol de procedimentos e eventos em saúde vigentes na ANS e na Resolução n. 1956/2010 do CFM, bem como a lista de verificação prévia sugerida pelo CNJ.

Comentário: A orientação fixada no Enunciado é para que os Juízes mencionem apenas a descrição técnica das próteses, órteses e materiais especiais, evitando menção a marca ou fornecedor. Isso evita fraudes e permite que a administração pública forneça o equipamento de acordo com a economicidade, sem prejuízos aos cofres públicos. O site do CNJ também apresenta lista de verificação em relação ao tema (http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/forum-da-saude).

ENUNCIADO N.º 29

Na análise de pedido para concessão de tratamento, medicamento, prótese, órtese e materiais especiais, os juízes deverão considerar se os médicos ou os odontólogos assistentes observaram a eficácia, a efetividade, a segurança e os melhores níveis de evidências científicas existentes. Havendo indício de ilícito civil, criminal ou ético, deverá o juiz oficiar ao Ministério Público e a respectiva entidade de classe do profissional.

Comentário: O Enunciado exige que os médicos e odontólogos observem a legislação de regência - conforme já mencionado no comentário aos Enunciados anteriores. O controle dos profissionais também passa a ser realizado pelos juízes do Brasil, em razão da judicialização do tema. Vale dizer, são várias as frentes de atuação para evitar fraudes na prescrição de tecnologias. E a Medicina Baseada em Evidências - MBE é um poderoso instrumento, porquanto exige a comprovação da eficiência, da eficácia e do custo-efetividade dos produtos prescritos pelos profissionais da área da saúde. Esta exigência também está prevista nos artigos 19-O e 19-Q, ambos da Lei 8080/1990.

Na hipótese de indícios de prática criminosa, especialmente fraude na prescrição ou atuação de organização criminosa, cabe ao juiz - ou qualquer outro profissional - noticiar aos órgãos de investigação - Ministério Público ou polícia.

ENUNCIADO N.º 30

É recomendável a designação de audiência para ouvir o médico ou o odontólogo assistente quando houver dúvida sobre a eficiência, a eficácia, a segurança e o custo efetividade da prescrição.

Comentário: O Enunciado recomenda aos Juízes designar audiência para ouvir os médicos ou odontólogos que prescrevem os produtos ou tecnologias, na hipótese de dúvida sobre o conteúdo e a finalidade da prescrição. Isso é importante para verificar se o profissional possui conhecimento acerca da eficácia, eficiência, segurança e custo-efetividade do material prescrito (muitas vezes os pacientes são iludidos, geralmente frustração no tratamento). Além disso, preconiza-se evitar atuações indevidas dos profissionais da área da saúde.

ENUNCIADO N.º 31

Recomenda-se ao Juiz a obtenção de informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias, associações profissionais, etc.

Comentário: Os Juízes do Brasil devem observar em suas decisões a Medicina Baseada em Evidências - MBE, conforme determinado pelos artigos 19-O e 19-Q, ambos da Lei 8080/1990. Assim, é importante que se utilizem dos diversos instrumentos disponíveis para auxiliar na prolatação de decisões sobre direito à saúde.

Os NATs - Núcleos de Apoio Técnico (ou Câmaras Técnicas) exercem o papel de apresentar pareceres aos juízes. Geralmente eles são criados por iniciativa dos ComitÊs de Saúde do CNJ.

A CONITEC - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias também presta informações técnicas por email (conitec@saúde.gov.br), geralmente em 48 horas após a consulta.

O Comitê de Saúde de Minas Gerais possui um site (http://www.comitesaudemg.com.br/www/) em que são disponibilizados várias notas técnicas e pareceres sobre medicamentos, próteses e dezenas de outros produtos judicializados.

Assim, há vários instrumentos à disposição dos Juízes do Brasil para o enfrentamento da judicialização da saúde.


 

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