Enunciados do CNJ sobre saúde suplementar (Parte I) – Por Clenio Jair Schulze

11/04/2016

 Leia também a Parte II.

A saúde suplementar é responsável por aproximadamente 50 milhões de usuários. Isso representa um quarto da população brasileira.

Ao mesmo tempo, é extremamente alto o número de processos judiciais envolvendo a discussão sobre validade de cláusulas dos contratos de plano de saúde e, principalmente, a definição da extensão da cobertura, ou seja, o que o usuário pode ou não exigir da operadora de plano de saúde.

Em razão disso, nas Jornadas de Direito à Saúde promovidas pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ em maio de 2014 (I Jornada) e em maio de 2015 (II Jornada) também foram apresentados, discutidos, votados e aprovados Enunciados sobre saúde suplementar, a fim de auxiliar os atores do sistema de Justiça e os atores do Sistema de Saúde no enfrentamento da Judicialização da saúde.

Neste texto são comentados alguns Enunciados aprovados na I Jornada. 

ENUNCIADO N.º 20

A inseminação artificial e a fertilização “in vitro” não são procedimentos de cobertura obrigatória pelas empresas operadoras de planos de saúde, salvo por expressa iniciativa prevista no contrato de assistência à saúde.

Comentário: Os planos de saúde estão regulados pela Lei 9.656/1998 e são fiscalizados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. E cabe a esta entidade fixar o rol de procedimentos que as operadoras estão obrigadas a fornecer para seus usuários. No presente Enunciado, sugere-se que não possível exigir dos planos de saúde a inseminação artificial e a fertilização in vitro, por não terem previsão naquele rol da ANS, salvo se o contrato expressamente autorizar.

Não obstante, há decisões judiciais que conferem aos usuários – mesmo sem previsão no contrato – a possibilidade de exigir da operadora a prestação dos aludidos procedimentos. Estas decisões, geralmente, estão fundamentadas nas normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que também é aplicável à relação entre operadora e usuário. 

ENUNCIADO N.º 21

Nos contratos celebrados ou adaptados na forma da Lei n.º 9.656/98, recomenda-se considerar o rol de procedimentos de cobertura obrigatória elencados nas Resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ressalvadas as coberturas adicionais contratadas.

Comentário: Tal qual mencionado no comentário ao Enunciado 20, a ANS é agência reguladora das operadoras de planos de saúde. O presente Enunciado sugere que haja, sempre que possível, observância às regras fixadas pela ANS. Tal previsão tem por finalidade evitar a fixação de outras obrigações não previstas no rol de procedimentos da ANS ou no contrato celebrado entre o usuário e a operação. Isso é a explicitação da regra pacta sunt servanda, ao determinar que os contratos devem ser cumpridos nos limites fixados pelas partes. Evitam-se, assim, privilégios em favor de um lado e em detrimento do outro contratante. Além disso, permite-se manter o equilíbrio financeiro e contratual da avença. 

ENUNCIADO N.º 22

Nos planos coletivos deve ser respeitada a aplicação dos índices e/ou fórmulas de reajuste pactuados, não incidindo, nestes casos, o índice da Agência Nacional de Saúde Suplementar editados para os planos individuais/familiares.

Comentário: Duas são as modalidades de planos coletivos. O primeiro é empresarial, em que a assistência à saúde dos funcionários da empresa contratante decorre do vínculo empregatício ou estatutário. Além disso, há os planos coletivos por adesão, em que há contratação por pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial (conselhos, associações profissionais e sindicatos, por exemplo).

O Enunciado menciona que a forma de reajuste geralmente é distinta para os planos coletivos e paras os planos individuais/familiares. Esta duplicidade de índices existe exatamente para manter as diferenças entre as duas modalidades, especialmente porque os custos e os preços de cada um também são fixados observando as suas características individuais.

ENUNCIADO N.º 23

Nas demandas judiciais em que se discutir qualquer questão relacionada à cobertura contratual vinculada ao rol de procedimentos e eventos em saúde editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, recomenda-se a consulta, pela via eletrônica e/ou expedição de ofício, a esta agência Reguladora para os esclarecimentos necessários sobre a questão em litígio.

Comentário: O Enunciado explica uma importante ferramenta disponível às partes do processo judicial e, principalmente, aos juízes do Brasil. Trata-se da possibilidade de obter informações da ANS sobre a questão objeto da discussão. A Agência de Saúde Suplementar pode contribuir para qualificar o processo e permitir que a decisão judicial seja a mais adequada possível. Além disso, permite-se trazer informações sobre evidências científicas, quando a lide envolver a eficácia, a eficiência e a segurança de algum produto, procedimento ou tecnologia postulado pelo usuário do plano de saúde.

ENUNCIADO N.º 24

Cabe ao médico assistente, a prescrição terapêutica a ser adotada. Havendo divergência entre o plano de saúde contratado e o profissional responsável pelo procedimento médico, odontológico e/ou cirúrgico, é garantida a definição do impasse através de junta constituída pelo profissional solicitante ou nomeado pelo consumidor, por médico da operadora e por um terceiro, escolhido de comum acordo pelos dois profissionais, cuja remuneração ficará a cargo da operadora.

Comentário: É muito comum o procedimento indicado pelo médico assistente não ter cobertura pelo plano de saúde. Nestes casos, havendo o litígio, o Enunciado ora mencionado permite que haja a definição da questão por uma junta de médicos composta de três profissionais. O médico assistente, o médico indiciado pela operadora e um terceiro profissional nomeado conjuntamente pelo usuário e pelo plano de saúde, que também custeará as despesas da junta médica.

Neste caso, as partes devem respeitar a decisão fixada pela junta médica. 

ENUNCIADO N.º 25

É abusiva a negativa de cobertura de procedimentos cirúrgicos de alta complexidade relacionados à doença e lesão preexistente, quando o usuário não tinha conhecimento ou não foi submetido a prévio exame médico ou perícia, salvo comprovada má-fé.

Comentário: O Enunciado deixa claro que as operadoras de plano de saúde devem fazer exame médico ou pericial no usuário antes mesmo da celebração do contrato. Com isso, a operadora já fica sabendo, de plano, se é portador de alguma doença. Entretanto, geralmente não há a adoção deste procedimento, razão pela qual o plano de saúde não pode negar procedimentos alegando tratar-se de doença ou lesão preexistente, pois violaria a boa-fé contratual, principalmente se o próprio usuário não tinha conhecimento.

De outro lado, a presunção pode ser afastada se existir má-fé do usuário, permitindo que a operadora negue o procedimento e aplique eventual sanção ao consumidor.


 

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