Enunciados do CNJ sobre saúde pública (Parte IV) – Por Clenio Jair Schulze

29/03/2016

Leia também a Parte I, a Parte II, a Parte III e a Parte V.

São apresentados, neste momento, os comentários aos enunciados sobre saúde pública aprovados na II Jornada de Direito à Saúde do Conselho Nacional de Justiça (maio de 2015).

Nos artigos anteriores foram comentados os enunciados sobre saúde pública da I Jornada de Direito à Saúde do Conselho Nacional de Justiça (maio de 2014). 

ENUNCIADO N.º 46

As ações judiciais para as transferências hospitalares devem ser precedidas de cadastro do paciente no serviço de regulação de acordo com o regramento de referência de cada Município, Região ou do Estado.

Comentário: A finalidade do aludido enunciado é evitar que as decisões judiciais que determinam eventual transferência hospitalar sejam proferidas após o prévio conhecimento da situação do respectivo nosocômio. Tal providência não causa surpresa ao gestor que recebe o novo paciente e permite que o hospital prepare local adequado e, principalmente, tenha conhecimento antecipado do seu quadro clínico.

Por fim, um aspecto importante a destacar é que as regras de internação são fixadas pelos entes públicos (União, Estados, DF e Municípios) e o teor do enunciado também tem em mira evitar que haja ‘fura fila’ na ordem de antecedência na internação, especialmente quando se trata de terapia intensiva, evitando, assim, violação ao princípio da isonomia.

ENUNCIADO N.º 47

Não estão incluídos na competência dos juizados especiais da fazenda pública os casos em que se pretende o fornecimento de medicamento e/ou tratamento cujo custo anual superar o limite da competência dos referidos juizados.

Comentário: Trata-se de enunciado que se coaduna com o teor do artigo 3º da Lei 9099/90 e com o artigo 3º da Lei 10.259/2001, que fixam o valor de alçada para ajuizamento e processamento das ações nos Juizados Especiais na Justiça Estadual (40 salários mínimos) e nos Juizados Especiais da Justiça Federal (60 salários mínimos). Considera-se, assim, o valor do custo anual do tratamento ou do medicamento. Havendo superação do valor, os Juizados Especiais não terão competência para analisar o processo.

ENUNCIADO N.º 48

As altas de internação hospitalar de paciente, inclusive de idosos e toxicômanos, independem de novo pronunciamento judicial, prevalecendo o critério técnico profissional do médico.

Comentário: A recomendação do presente enunciado é que a alta hospitalar não está condicionada a provimento judicial, pois a autoridade legitimada para tal decisão é o responsável médico ou gestor do nosocômio. Isso evita, assim, a manutenção da internação mesmo diante de alta hospitalar. Deve-se ressaltar, ainda, que a teoria jurídica não pode sobrepor-se à ciência médica, razão pela qual na colisão entre as duas deve prevalecer a segunda, ressalvadas situações excepcionais devidamente justificadas.

ENUNCIADO N.º 49

Para que a prova pericial seja mais fidedigna com a situação do paciente, recomenda-se a requisição do prontuário médico.

Comentário: O prontuário médico é o documento em que são registrados todos os acontecimentos com o paciente. Assim, diante de processo judicial, recomenda-se aos juízes a requisição do aludido instrumento, com as devidas cautelas, a fim de auxiliar na produção das provas e permitir que a decisão judicial seja a mais adequada possível diante da realidade dos fatos. 

ENUNCIADO N.º 50

Salvo prova da evidência científica e necessidade preemente, não devem ser deferidas medidas judiciais de acesso a medicamentos e materiais não registrados pela ANVISA ou para uso off label. Não podem ser deferidas medidas judiciais que assegurem o acesso a produtos ou procedimentos experimentais.

Comentário: O enunciado materializada a regra estampada no artigo 19-T, inciso II, da Lei 8080/1990 (atualizado pela Lei 12.401/2011), que estabelece vedação, em todas as esferas do SUS, para “a dispensação, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento e produto, nacional ou importado, sem registro na Anvisa".

O papel da ANVISA é avaliar a segurança das tecnologias (medicamentos, próteses e outros produtos), por isso a importância da sua atividade. O Brasil enfrenta o enfraquecimento das agências reguladoras e o fortalecimento da ANVISA é indispensável para melhoria do SUS e da saúde suplementar.

O tem deste enunciado também é objeto de repercussão geral ainda não decidida pelo Supremo Tribunal Federal  - STF[1].

Em relação aos produtos ou procedimentos experimentais, além da ausência de segurança, a vedação ao fornecimento também está prevista no artigo 19-T, inciso I, da Lei 8080/90 (atualizado pela Lei 12.401/2011).

Portanto, para a concessão de medicamentos ou procedimentos fora das regras acima citadas, torna-se indispensável a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei 8080/1990.

ENUNCIADO N.º 51

Nos processos judiciais, a caracterização da urgência/emergência requer relatório médico circunstanciado, com expressa menção do quadro clínico de risco imediato.

Comentário: Os conceitos de urgência/emergência não são jurídicos. Assim, é indispensável, em processo judicial, que haja relatório médico preciso indicando a ocorrência do quadro clínico. Vale dizer, não cabe ao profissional da área jurídica (advogado, magistrado, membros de Ministério Público ou de Defensoria Pública, etc) definir tal situação, sob pena de violação, inclusive, de regras e da legislação médica.

Isto é importante para evitar que situações inexistentes de urgência/emergência demandem indevida decisão judicial de internação ou de fornecimento de tratamentos, causando desajustes nos sistemas de saúde e prejuízo aos seus usuários.

ENUNCIADO N.º 52

Nas ações reiteradas na mesma Comarca que apresentem pedidos de medicamentos, produtos ou procedimentos já previstos nas listas oficiais, como medida de eficácia da atuação jurisdicional, é pertinente o magistrado dar ciência dos fatos aos Conselhos Municipal e Estadual de Saúde.

Comentário: O enunciado recomenda aos juízes que informem os respectivos Conselhos Municipal e Estadual de Saúde com a finalidade de legitimar a atuação das aludidas instituições e, principalmente, fortalecer seu funcionamento na perspectiva das suas atividades (fomento à melhoria do sistema de saúde, incorporação de novas tecnologias, participação popular, etc).


Notas e Referências:

[1] SAÚDE – MEDICAMENTO – FALTA DE REGISTRO NA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – AUSÊNCIA DO DIREITO ASSENTADA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL – CONFIGURAÇÃO. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da obrigatoriedade, ou não, de o Estado, ante o direito à saúde constitucionalmente garantido, fornecer medicamento não registrado na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. (STF, RE 657718 RG/MG, Relator Min. MARCO AURÉLIO, j. 17/11/2011, DJe 09-03-2012)


 

Imagem Ilustrativa do Post: Flu vaccinations make their way to U.S. Army in Europe // Foto de: U.S. Army Corps of Engineers Europe District // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/europedistrict/4092914530

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura