Enunciados do CNJ sobre saúde pública (Parte II) – Por Clenio Jair Schulze

29/02/2016

 Leia também a Parte I, a Parte III, a Parte IV e a Parte V.

No presente texto propõe-se a continuação dos comentários aos enunciados sobre saúde pública aprovados na I Jornada da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (maio de 2014).

No último texto foram comentados os sete primeiros enunciados. Aqui são abordados os enunciados 8 a 13. 

ENUNCIADO N.º 8

Nas condenações judiciais sobre ações e serviços de saúde devem ser observadas, quando possível, as regras administrativas de repartição de competência entre os gestores.

Comentário: O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça aplicam o princípio da solidariedade na judicialização da saúde, ou seja, o autor pode escolher se ajuíza a ação em face da União e/ou Estado e/ou Município, individualmente ou concomitantemente, e a condenação também pode alcançar todos os entes demandados.

É o entendimento que prevaleceu a partir da leitura do artigo 196 da Constituição e também para facilitar ao autor a obtenção de uma sentença de mérito.

Contudo, a Lei 8080/90 estabelece atribuições separadas aos três entes da federação, fixando competências à União (art. 16), aos Estados (art. 17) e aos Municípios (art. 18).

O tema tornou-se importante nos últimos tempos porque vários Municípios receberam contra si condenações para fornecimento de tratamentos de alto custo e que inviabilizaram a execução de outras políticas de saúde na localidade, já que a demanda não fora proposta em face da União e do Estado, apenas em face do Município, que possui menor arrecadação.

Assim, o propósito do enunciado do CNJ é conferir eficácia aos artigos da Lei 8080/90, em especial os artigos 16, 17 e 18 e também permitir o regular andamento do planejamento e gestão no respectivo ente público com menor capacidade financeira.

ENUNCIADO N.º 9

As ações que versem sobre medicamentos e tratamentos experimentais devem observar as normas emitidas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não se podendo impor aos entes federados provimento e custeio de medicamento e tratamentos experimentais.

Comentário: O presente enunciado contém dois comandos principais. O primeiro trata da necessidade de observância das regras da CONEP e da ANVISA para tratamentos experimentais, pois são os órgãos responsáveis pelas pesquisas e análise de segurança de novas tecnologias. Além disso, regulam a relação entre pesquisadores, indústria farmacêutica e usuários.

O segundo comando estabelece vedação de condenação aos entes públicos (União, Estados e Municípios) ao fornecimento de produtos e tratamentos experimentais. É que tal obrigação é da própria indústria farmacêutica, em relação ao seus pesquisados - ônus decorrente da pesquisa científica. Há polêmica decorrente da condenação ao fornecimento de tratamento a outras pessoas, que não fazem parte da pesquisa científica. Neste caso, a orientação do enunciado é pela negativa ao tratamento, especialmente porque inexiste - em razão de ser experimental - comprovação da eficácia, da eficiência e do custo-efetividade do produto ou medicamento, exigência que se faz necessária por força do artigo art. 19-Q, § 2º, I da Lei 8080/90. 

ENUNCIADO N.º 10

O cumprimento de pleitos judiciais que visem à prestação de ações ou serviços exclusivos da assistência social não devem ser impostos ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Comentário: O propósito do enunciado é separar o SUS da assistência social. É que a seguridade social, conforme previsto no artigo 194 da Constituição da República Federativa do Brasil, é composta por Assistência social, Previdência Social e pelo Sistema Único de Saúde.

O enunciado, portanto, ratifica tal disposição normativa, a fim de evitar que haja transferência de encargos de uma área para outra, em razão de decisão judicial condenatória, o que poderia afetar negativamente a administração, a organização e o planejamento do respectivo ente público.

ENUNCIADO N.º 11

Nos casos em que o pedido em ação judicial seja de medicamento, produto ou procedimento já previsto nas listas oficiais do SUS ou em Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PDCT), recomenda-se que seja determinada pelo Poder Judiciário a inclusão do demandante em serviço ou programa já existentes no Sistema Único de Saúde (SUS), para fins de acompanhamento e controle clínico.

Comentário: Muitas vezes os autores dos processos judiciais são usuários de planos de saúde, razão pela qual as prescrições médicas que embasam as ações judiciais são subscritas apenas por médicos particulares. A proposta do enunciado é permitir que o SUS (1) tenha conhecimento do sujeito e do seu caso clínico (2) avalie os tratamentos disponíveis para o caso, (3) promova o encaminhamento necessário, à luz do princípio da integralidade e (4) evite a desorganização do sistema público de saúde.

ENUNCIADO N.º 12

A inefetividade do tratamento oferecido pelo SUS, no caso concreto, deve ser demonstrada por relatório médico que a indique e descreva as normas éticas, sanitárias, farmacológicas (princípio ativo segundo a Denominação Comum Brasileira) e que estabeleça o diagnóstico da doença (Classificação Internacional de Doenças), tratamento e periodicidade, medicamentos, doses e fazendo referência ainda sobre a situação do registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Comentário: O enunciado apresenta sugestões ao regime probatório dos processos judiciais, indicando o caminho a ser seguido para demonstração da ausência de efetividade do tratamento disponibilizado no Sistema Único de Saúde - SUS, recaindo tal encargo ao autor do processo. Trata-se de importante manual aos atores do sistema de Justiça. A tese veiculada na petição inicial deve apontar que o tratamento disponibilizado no SUS não trouxe os resultados esperados. Assim, cabe ao autor da ação judicial anexar ao processo relatório médico nos termos do enunciado 12 da I Jornada do CNJ. Alguns juízes também designam perícias, cabendo ao médico perito judicial, neste caso, indicar no seu trabalho o cumprimento do aludido enunciado, concordando ou refutando os argumentos veiculados na petição inicial.

ENUNCIADO N.º 13

Nas ações de saúde, que pleiteiam do poder público o fornecimento de medicamentos, produtos ou tratamentos, recomenda-se, sempre que possível, a prévia oitiva do gestor do Sistema Único de Saúde (SUS), com vistas a, inclusive, identificar solicitação prévia do requerente à Administração, competência do ente federado e alternativas terapêuticas.

Comentário: O enunciado 13 da I Jornada da Saúde do CNJ materializa a teoria dos diálogos institucionais[1], que preconiza aproximação contínua e permanente entre os atores do sistema de Justiça e os atores do sistema de saúde[2]. Neste caso, recomenda-se ao juiz do processo a oitiva do gestor para (a) permitir que conheça da existência do processo, (b) identifique o diagnóstico do sujeito/autor do processo, (c) apresente a solução prevista no âmbito do SUS e, (d) colabore com o magistrado na melhor resolução do caso. Vale dizer, a oitiva prévia do gestor - inclusive e, em especial, nas medidas de urgência - permite otimizar a decisão do juiz, pois deve receber informações técnicas - prestadas pelo gestor - da área da saúde e de equipe eventual multidisciplinar.


Notas e Referências:

[1] SCHULZE, Clenio Jair. Diálogos constitucionais na saúde. In: Empório do Direito. Acesso em 28/02/2016. Disponível em http://emporiododireito.com.br/dialogos-constitucionais-na-saude-por-clenio-jair-schulze/

[2] NETO, João Pedro Gebran e SCHULZE, Clenio Jair. Direito à Saúde. Análise à luz da judicialização. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2015.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Flu vaccinations make their way to U.S. Army in Europe // Foto de: U.S. Army Corps of Engineers Europe District // Sem alterações

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