Entrevista do dia: Iuri Bolesina, autor do livro “O direito à extimidade: as inter-relações entre identidade, ciberespaço e privacidade”

22/08/2017

Por Redação – 22/08/2017

O entrevistado de hoje é Iuri Bolesina, Doutor e Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em Direito Civil pela Faculdade Meridional – IMED. Coordenador da Escola de Direito e Professor da faculdade de Direito da Faculdade Meridional – IMED. Advogado e autor da obra “O direito à extimidade: as inter-relações entre identidade, ciberespaço e privacidade”, recentemente lançada pela Editora Empório do Direito.

Por que começou escrever?

Brinco que, por ser das áreas das humanas, sempre contei com inúmeras reflexões. Achei que seria pertinente anotá-las para não esquecer. Tecnicamente falando, porém, escrever mostrou-se como uma demanda e uma necessidade de excelência profissional. Não apenas enquanto advogado, mas, sobretudo, na condição de professor e pesquisador.

Qual é a importância do livro na vida das pessoas?

De um modo geral os livros têm um potencial transformativo ínsito. Dizem que o mesmo homem não se banha duas vezes no mesmo rio e em relação aos livros é o mesmo: cada leitura é única e gera resultados próprios. Atualmente, com a difusão do audiovisual no entretenimento e nos estudos técnicos, o livro passa a ser algo mais sofisticado e profundo; um prazer saboreado por alguns.

Sentiu diferença em sua produção após o "boom" da internet e de arquivos digitais?

A democratização da internet (que ainda segue em expansão no Brasil) trouxe resultados positivos em termos de reconhecimento profissional. Não poderia afirmar como era antes desse “Boom” – pois, enquanto professor e pesquisador, sou nativo do ciberespaço. Contudo, tenha a certeza de que, a partir do momento em que minha produção começou a ser exposta na internet, em especial em redes sociais e sites voltados para a divulgação acadêmica, o número de contatos e de referenciamentos aumentou significativamente. No primeiro encontro, o livro físico tem seus encantos e charmes, mas não consegue ser tão eficiente quanto sua versão digital em termos de alcance e intimidade da exploração superficial do seu conteúdo. Não à toa algumas editoras estão adotando a estratégia de colocar o sumário da obra ou parte dela na página em que se anuncia o livro físico.

Qual é o diferencial do livro físico?

O livro físico tem um charme e um encanto muito próprio. Seu formato é clássico, mas sua arte e seu conteúdo podem ser contemporâneos. Neste sentido, particularmente adoro a possibilidade de tocar e revirar o livro físico, especialmente quando ele é novo: com cheiro de novo e com as páginas – de preferência aquelas “amarelinhas” – ainda inexploradas. O livro físico também é um presente sofisticado que inspira carinho e cuidado: presentear um amigo(a) com um ebook em um pendrive ou lhe enviando um link, não parecer ter o mesmo efeito simbólico de lhe presentear com um livro físico. Por fim, algumas pessoas ainda preferem o físico argumentando que lhes é mais fácil e confortável a leitura e manuseio.

Qual é o foco do seu(s) livro(s)?

É o debate acerca de um direito à extimidade, propondo-se uma releitura da ideia de intimidade, especialmente no ciberespaço. Avaliam-se criticamente as colonialidades sociojurídicas que acabem gerando, de fato, um dever de intimidade. Para ilustrar, gosto de trazer o exemplo, julgado pelo Poder Judiciário, de uma jovem que enviou fotos íntimas para o namorado e este, após o término do relacionamento, publicizou as imagens. O Judiciário disse que se tratava de “culpa” da moça, pois deliberadamente expôs sua intimidade. Algo semelhante com a bombeira que fez um book fotográfico e acabou sofrendo punições da corporação por expor a intimidade.

De que maneira a temática que você aborda contribui com a área jurídica?

Contribui no sentido de questionar ranços sociohistóricos que transformaram o direito à intimidade em um dever de intimidade. Isto é, traços advindos de práticas machistas, higienistas, religiosos, homofóbicas, racistas, que dizem que intimidade só pode ser fruída de um modo “correto” e não de outros, que seriam “errados”. O direito à extimidade aparece, assim, como uma perspectiva de contestação e ruptura da ordem estabelecida naquilo em que ela é opressora em relação à fruição da própria intimidade. O direito à extimidade enquanto a possibilidade de usufruir de certos conteúdos da intimidade em ambientes de sociabilidade, sem que eles sejam tomados como algo “público”.

Quanto tempo leva para escrever um livro?

Sei de livros que foram escritos em dias e de outros que levaram muitos anos. Sinceramente não sei dizer um termo médio. Na área jurídica, porém, muitos livros são frutos de mestrado, doutorado ou pós-doutorado. Neste contexto, o trabalho varia de 6 meses a 5 anos. Brinca-se neste mesmo ambiente que o trabalho acadêmico (eventual futuro livro) é como um filho(a) que está sendo gestado, tendo sua publicação o equivalente ao seu nascimento.

Qual é a sensação de saber que alguém aprendeu sobre determinado assunto através do seu livro?

Saber que alguém elaborou críticas – positivas ou negativas – já é algo muito agradável, pois indica que a pessoa dedicou seu tempo para ler as ideias do autor. Agora, quando alguém diz ter aprendido algo a partir da leitura do livro é muito mais satisfatório, já que além de tudo o livro cumpriu com o seu potencial transformador – aquele que antes citei.

Se já publicou mais de um, qual é o livro preferido que publicou? Por que?

Já publiquei outros livros. Hoje são três autorais e alguns como (co)organizador. Qual meu preferido? Essa é uma pergunta ingrata. É algo como: qual seu filho preferido? Cada uma das obras foi escrita com um grau de amadurecimento pessoal e acadêmico diferente. Então, obviamente, as ideias e a forma de abordá-las também se transformaram. Além disso, os temas das obras são diferentes, apesar de interconectados. Atualmente gosto de enaltecer dois livros: “O direito à extimidade”, pois é o mais recente e, assim, conta com um grau de análise mais maduro; bem como o “Dipop – o direito na cultura pop” que é uma iniciativa voltada para a diversão (e não tem pretensões eruditas), elaborada em conjunto com as professoras(es) Tássia Gervasoni, Tamiris Gervasoni e Felipe da Veiga Dias. Há um diálogo simples e divertido com temas do direito e a cultura pop contemporânea (filmes, animes, desenhos, vídeo-game, quadrinhos, música, canais do youtube, etc).

Qual é o ônus e o bônus de ser autor(a)?

De modo muito próprio acredito que o maior bônus seja o poder de dar vida as ideias e, eventualmente, incitar transformações nos leitores. Quanto ao ônus, o trabalho por vezes é solitário e frustrante. Não é raro gastar muitas horas e avançar-se muito pouco. Em termos acadêmicos, atualmente, o Brasil, por opções políticas, optou por reduzir os valores destinados à pesquisa. Como efeito direito, tem-se, desde então, a falta de efetivo incentivo nesta área, o que afeta, especialmente, pessoas de baixa renda que não tem como custear um mestrado ou doutorado, apesar de suas boas e pertinentes ideias. A academia volta(rá) a ser elitizada. Sei que existem outros bônus e ônus, mas vou ficar com estes.

Já escreveu sobre algum tema, na qual não tinha muito conhecimento? Se sim, como foi?

Todas as obras que publiquei advieram de profunda e séria pesquisa. Logo, dominava os principais tópicos da discussão daquele tema. Agora, as primeiras linhas de um estudo geralmente são marcadas por insegurança, em virtude da falta de intimidade com o tema. Como regra, quando não se tem conteúdo e maturidade em um assunto você nem consegue escrever: a tela com a página em branco olha pra você e você olha para ela sem sair do lugar. Escrever sobre algo que não se tem conhecimento, ao menos no Direito – e imagino que seja o mesmo em todas as áreas técnicas – é uma aventura, senão algo temerário. Corre-se o risco de “achismos” e afirmações levianas que podem induzir o leitor a percepções incorretas.

Pra quem tem medo de escrever, qual é o conselho?

Escreva, apenas escreva. Escrever não significa publicar. É possível escrever e deixar guardado, mas, em certos casos, isso é como esconder algo que pode ser muito bom para todos. Seria egoísta. Geralmente somos nossos maiores e mais ácidos críticos, por isso, um plano razoável é escrever e entregar para alguém de sua confiança ler. O resultado pode ser surpreendente.

Qual é a situação atual do Brasil na literatura jurídica?

A literatura jurídica no Brasil passa por transformações qualitativas e quantitativas. Ao mesmo tempo que ela é democratizada pela facilidade de acesso e publicação, também passa por uma massificação e simplificação das leituras. Em certos ramos tem-se apostado em “quantidade acima da qualidade”, bem como em leituras rasas voltadas para a criação de atalhos aos “concurseiros” e não à formação crítica de juristas. Não obstante, há uma resistência acadêmica que não se rende as tentações puramente mercadológicas e que está focada em produzir textos com resultados efetivamente úteis à sociedade.

Qual é a importância de pensarmos em nossa intimidade e, principalmente, em nossa exposição?

Considero a intimidade como o conjunto de informações pessoais que cabe exclusivamente ao seu titular, de modo discricionário, decidir “se”, “quando” e “com quem” compartilha. Neste sentido, não são informações que se encaixam na dicotomia público-privado. Não são privadas ou públicas exclusivamente, mas sim pessoais. Atualmente a intimidade é vista como uma visão majoritariamente defensiva-passiva-patrimonializada ou, em outros termos, interiorista. Essa visão interiorista faz com que a intimidade somente seja considerada como “corretamente” fruída quando no isolamento e predominantemente de modo individual. Logo, a intimidade (e o direito à intimidade) não é vista plenamente como um “direito”, mas sim como um “dever”; menos emancipadora e mais opressora em certos sentidos. Interpretações da intimidade como “dever” ao invés de se pensarem em mecanismos e formas de conscientização para evitar e reparar eventuais danos à personalidade causados pela apropriação/uso indevido da intimidade alheia, preferem culpabilizar, senão punir, quem auto-expõe a sua intimidade. O direito à extimidade visa dessacralizadar a intimidade. Retirá-la do calabouço burguês e conduzi-la para os ambientes de sociabilidade, mas não como pecado e sim como fruição da própria existência humana. Atualmente os ambientes sociais, especialmente na internet (redes e mídias sociais), abriram espaço destacado para a exposição voluntária da intimidade. Da “morte do cachorro da família” até o “nascimento do filho” tem-se uma miríade de fatos da intimidade potencialmente veiculáveis em ambientes sociais e revelados à terceiros não-íntimos. Este tipo de comportamento denominou-se “extimidade” – a revelação voluntária de informações da intimidade pessoal.

Qual era o seu objetivo com o livro?

O livro nasceu de minha tese de doutoramento. Porém, para além deste aspecto formal, materialmente o objetivo sempre foi a crítica ao padrão estabelecido de intimidade no direito civil-constitucional brasileiro, em especial algumas leituras advindas do Poder Judiciário. O direito à extimidade surge como uma proposta de ruptura das colonialidades herdadas e das práticas opressoras plasmadas em comportamentos machistas, racistas, homofóbicos, higienistas que atrofiam a fruição condigna da própria intimidade.

Como os Direitos Humanos ficam em relação ao uso de informações pessoais roubadas?

É um reducionismo pensar “direitos humanos” meramente como previsões legais. Direitos humanos são, na verdade, pautas de emancipação e busca por dignidade humana que podem concretizar-se diariamente no social, no político, na família e em outros tantos âmbitos. Logo, apesar do furto de informações pessoais ser algo extremamente grave, o Brasil tem um desafio cultural muito maior que é o “uso” incontrolado de informações pessoais de terceiros e uma visão patrimonializada do consentimento e dos dados pessoais. Logo, o furto e o uso de dados pessoais podem atingir diretamente os direitos humanos no exato momento em que se percebe que “não se tem dados pessoais, se é dados pessoais”, bem como de que certas oportunidades e serviços são mais ou menos acessíveis a partir da análise e controle destes dados. Um crediário, um financiamento, uma viagem e até mesmo um emprego, por exemplo, podem ter sucesso ou não dependendo como os dados pessoais são manejados. Atualmente discute-se o projeto de lei de proteção de dados pessoais, o qual espera-se possa trazer uma regulamentação de resultados efeitos ao seu desiderato.


Confira aqui a obra O direito à extimidade : as inter-relações entre identidade, ciberespaço e privacidade

O direito à extimidade

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