Entrevista de lançamento com o autor Saulo Murilo de Oliveira Mattos

23/10/2019

A entrevista hoje é com Saulo Murilo de Oliveira Mattos, autor da obra "Ministério Público, Persecução Penal e Tráfico de Drogas (Achados Empíricos)". Dr. Saulo é atualmente promotor de justiça da Bahia, pós-graduado em Ciências Criminais (Unyahna). Mestre em Segurança Pública, Justiça e Cidadania (UFBA) e associado do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).

1. Dr. Saulo poderia falar um pouco sobre a proposta do livro “Ministério Público, Persecução Penal e Tráfico de Drogas (Achados Empíricos)”?

Há muitos livros e pesquisas no cenário nacional e internacional sobre a temática drogas. Vários com enfoque dogmático, em que se comenta artigo por artigo da Lei n. 11.343/2006, outros numa perspectiva criminológica crítica ou até mesmo pós-crítica, e alguns dentro do campo empírico, que se preocupam em observar a realidade e os processos de criminalização secundária desenvolvidos pela atuação supostamente igualitária daqueles que integram o sistema de justiça criminal (Polícia, Ministério Público, Defensoria Pública, Poder Judiciário etc). Nesse sentido, o livro preenche uma lacuna bibliográfica, porque, segundo o nosso conhecimento, ainda não tinha sido verificada no Brasil uma pesquisa voltada especificamente para as formas de pensar e de atuação do Ministério Público na persecução penal dos crimes de tráfico de drogas.  Aí está o toque de originalidade do livro. Em regra, as pesquisas empíricas sobre drogas focam seus olhares nas atividades policial e judicante. Só que é preciso perceber que, entre a produção de informação investigativa e a sentença, há o Ministério Público, que estabelece o marco narrativo sobre o qual se desenrolará a atividade probatória, narração esta que deve ser analisada quanto à carga argumentativa e probatória que lhe cabe e quanto aos critérios efetivos usados para se estabelecer a diferenciação entre tráfico de drogas e porte para consumo. A atividade de acusação é, enquanto poder persecutório, uma forte interferência na liberdade do cidadão, principalmente em um país cuja jurisprudência maior (STF e STJ) admite o recebimento implícito da peça acusatória. A expectativa democrática no processo penal é de que haja um respeito mínimo à cidadania prevista na Constituição, porque na prática o sistema continua atuando sobre os mesmos de sempre. Frequentem as audiências de custódia e as audiências de instrução. Perceberão, se ainda houver sensibilidade, que as estruturas sociais e psíquicas que compõem a ambiência gélida das salas de justiça são reminiscências e atualizações históricas do no passado escravocrata. Percentual mínimo de negros e pardos no Ministério Público, Poder Judiciário e Defensoria Pública, enquanto os acusados representam um oceano de corpos negros submetidos à persecução penal. Há uma nítida separação social e racial sem data para terminar. Por isso, o processo penal também deve ser pensado sob os influxos de uma política criminal estruturalmente antirracista (teoria crítica racial). Que não se engane o leitor, o livro é de índole libertária e propositiva.

2. Quais as motivações para publicar uma obra sobre este tema?

Contribuir para um debate jurídico vivo, que considere o eixo sociopolítico e racial em que reverbera a força estruturante e excludente do sistema de justiça criminal brasileiro. Produzir uma obra jurídica com atenção ao que acontece na prática   judiciária. Propor alternativas para a redução de danos penais irracionais. Costumo dizer que o processo penal está envolvido num espaço de dores humanas. Não há nada de novo nessa afirmação. A questão que me toca é a dor inútil produzida pela investigação mal elaborada, a acusação precipitada, a prisão preventiva “automática” no tráfico de drogas, o esquecimento proposital das fases procedimentais e a sentença condenatória previamente antecipada. No livro, abordo o momento complexo que envolve o ato de acusar alguém que se envolve com drogas classificadas como ilícitas. São 10 anos de Ministério Público. Já vi um tantinho bom dessas coisas. Quero dizer também que, no Ministério Público que vivencio (ex-promotor do MP/PR e atualmente promotor do MP/BA), há muita gente qualificada e sensivelmente comprometida com o processo penal democrático. Percebo uma certa onda de críticas exacerbadas ao Ministério Público por pessoas que não conhecem o dia a dia forense, tampouco o regime jurídico processual penal do Ministério Público. Ninguém escapa da tragédia processual penal. Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e inclusive a Defesa estão sujeitos a ausências e excessos que comprometem a realização de um sistema acusatório.

3. De que maneira a temática abordada contribui com a área jurídica?

Aposto na pesquisa empírica como o espaço adequado para responder a questão se Criminologia, Política Criminal e Dogmática Penal podem estabelecer relações de saber em que esta última não subalternize as duas primeiras. A empiria tem esse potencial de subsidiar a modificação de legislações, apontar as inconsistências entre a positividade regrada do direito penal e processual penal e a realidade. A empiria é capaz de proporcionar uma inflamação na densa pele dos discursos jurídicos abstratos, formulados de costas para a realidade. Não é que a dogmática não preste e deva ser esquecida. Não é isso. A proposta é de arejamento da dogmática processual penal. Está marcado para 6 de novembro de 2019 o julgamento do RE n. 635.659, em que se discute a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei n. 11.343/2006. Se declarada a inconstitucionalidade, estaria resolvido o problema? Não necessariamente, porque as situações que eram tratadas como porte de drogas poderão ser deslocadas, na prática do sistema penal, para a classificação delitiva de tráfico. A questão é bem complexa mesmo. Por outro lado, se declarada a inconstitucionalidade, simbolicamente será sim uma vitória e uma resposta positiva para movimentos sociais que clamam por uma política de drogas menos opressiva. Temos que ficar atentos, porém. Há iniciativas legislativas que  preveem um sancionamento administrativo para o porte de drogas que pode ser mais severo do que as atuais sanções previstas no art. 28 da Lei n. 11.343/2006. Teríamos um Poder Administrativo Sancionador mais forte do que o Direito Penal.

 

3. O que a obra deseja passar ao leitor sobre a importância desse assunto?

A essa altura o leitor deve estar cansado do meu “palavratório”.  Quero poupá-lo para a leitura do livro. Quero ouvir e ler as críticas desse leitor. Respondi essa pergunta nos itens anteriores.

 

4. Qual é a maior dificuldade de falar sobre esse tema?

Exercer rigorosamente a autocrítica e ter a disposição para falar de uma estrutura institucional secular da qual sou funcionalmente parte encarnada. Colocar diariamente em prática as ideias que defendo. Pensar a reestruturação da política processual penal persecutória sem que o Ministério Público deixe de exercer seu papel constitucional no processo penal. O Ministério Público não pode ser um colecionador de ossos dos cadáveres adiados que figuram como réus. Mas não deve deixar de acusar quando há justa causa para isso, só porque esse criticismo desmedido, ao qual me refiro na pergunta anterior, acha que tudo o que vem do Ministério Público não presta. Teria algo a dizer sobre isso. Sinto que começo a fugir do tema proposto nessa entrevista. É melhor parar. Obrigado pela oportunidade. Estou muito feliz com a publicação da obra e registro a  atenção e rapidez da editora Tirant Lo Blanch na confecção dos exemplares impressos. Até o próximo livro. Que novas ideias possam me visitar nesses tempos de confirmação de um Estado Democrático Ficcional!

 

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