Entrevista com Tomás Grings Machado, autor de Harm Principle e Direito Penal

02/02/2021

A entrevista de hoje é com Tomás Grings Machado, autor da obra Harm Principle e Direito Penal. O título já está disponível para compra no nosso site e no site da Tirant.

 

1) Tomás, poderia falar um pouco sobre o tema do livro?

O tema central do livro envolve uma análise a respeito do crime de lavagem de dinheiro e a problematização quanto aos seus fundamento e limites legais. Ou seja, o livro desenvolve uma análise a respeito dos limites da atuação do legislador em matéria de leis penais criminalizadoras de comportamentos. Nesse sentido, busca-se analisar o fundamento daquilo que o legislador poderá utilizar como justificativa válida a legitimar para esta criminalização. Neste ponto, o livro também analisa o fundamento reconhecido pela doutrina de matriz continental que é a teoria do bem jurídico e sua correspondente ofensa e que seriam os critérios que o legislador deveria levar em conta no processo de criminalização de um comportamento. Além disso, avança no sentido de compreender a lógica e fundamentos da criminalização desde a perspectiva do common law, que é o harm principle e que foi pouco explorado entre nós aqui no Brasil e que permite uma interessante leitura do direito penal e do crime de lavagem de dinheiro.

A ideia de aproximar a leitura do harm principle e do crime de lavagem de dinheiro acabou decorrendo muito em razão do reconhecimento deste tipo de comportamento enquanto fenônomeno de dimensões internacionais e que encontra no modelo e nas orientações, especialmente norte-americanas, do processo de prevenção, repressão e combate a este crime a sua principal força, muito embora a discussão quanto aos limites e fundamentos da criminalização no contexto do common law ainda seja algo pouco explorado em publicações nacionais.

 

2) Como foi o processo de criação da obra?

O processo de criação e desenvolvimento do livro é  o resultado das pesquisas realizadas durante o Doutorado em Ciências Criminais realizado na PUCRS, mas trouxe também muito da formação acadêmica desenvolvida desde o período de graduação, especialização e mestrado.

Em alguma medida os problemas presentes no crime de lavagem de dinheiro acabaram por gerar a curiosidade e a ideia de realizar esta pesquisa inicial. Isso ocorreu sobretudo pelo fato de que temos como seguro a premissa de que não há crime sem a ofensa a um bem jurídico-penal e assim reconhecemos como indispensável a importância do bem jurídico-penal para a construção do direito penal. Esta é uma ideia que tem uma grande importância para todos nós e que segue sendo repetida, sem nos darmos conta dos problemas que ela pode gerar. E tais problemas se fazem presentes especialmente no crime de lavagem de dinheiro, sobretudo quando, por exemplo, identificamos a incerteza sobre qual seria o bem jurídico protegido neste crime e, por força disso, qual seria a ofensa descrita pelo legislador. Ou seja, diante da imprecisão quanto ao bem jurídico-penal protegido e a correspondente ofensa estabelecida pelo legislador no momento da criminalização da lavagem de dinheiro, acabamos por ter um crime que poderá, em última análise, ser determinado pelo juiz que poderá, dependendo do caso, reconhecer um ou outro bem jurídico-penal. Em síntese, esta imprecisão determina que o legislador acabe por criar uma criminalização excessivamente vaga, imprecisa e que deixa de lado os fundamentos da legitimidade da criminalização de comportamentos.

Como alternativa desenvolvida no livro, foi feita uma análise do harm principle, dos seus fundamentos e em que medida seria possível valer-se desta perspectiva de fundamentação da limitação do legislador para encontrar algum limite na atuação do legislador em matéria penal. Ou seja, pode o legislador criminalizar a lavagem de dinheiro e assim sacrificar a liberdade individual (proibindo pessoas de agir desta forma sob ameaça de uma pena)? Toda a ideia de criminalização aqui presente parte da análise do valor e da importância da liberdade e de quais seriam os limites que o legislador deveria observar, sob pena de sacrificar a liberdade injustificadamente. É dizer, segundo o harm principle, apenas seria legítimo o sacrifício da liberdade individual se desta criminalização fosse possível identificar alguma prevenção de danos a terceiros e que, no caso do crime de lavagem de dinheiro passou a demandar uma análise mais apurada de quais seriam estes possíveis danos que se pretenderia evitar por meio da criminalização e que passam assim a demandar uma análise do crime de lavagem e do contexto em que ele se encontra inserido.

 

3) Como a obra pode contribuir para o meio jurídico?

Penso que o livro pode vir a contribuir para uma atuação mais responsável do legislador, permitindo um controle mais efetivo das leis em matéria penal e desta forma permitir que se retire a discricionariedade que muitas vezes encontramos nas decisões judiciais. Ou seja, com limites mais claros para a decisão de quando e que comportamentos criminalizar, ficaria mais fácil compreender a criminalização e não manter o direito penal como resposta a todos os problemas, o que reforçaria a ideia de um direito penal como ultima ratio e subsidiário aos demais mecanismos de controle social. Além disso, o resultado prático acabaria sendo um fortalecimento da separação de poderes, reservando  a função de definir os limites e contornos do comportamento criminoso ao legislador e ao judiciário apenas a função de julgar e não tentar corrigir problemas ou mesmo avançar em relação aos limites propostos na lei penal pelo legislador.

Além disso, penso que livros e pesquisas que procurem apresentar os fundamentos e problematizar questões fundamentais do direito penal sempre tem o importante papel de promover o debate e o enfrentamento de novos problemas. Quando tratamos do direito penal sempre devemos estar atentos aos movimentos de expansão e de restrição da liberdade individual realizada pelo Estado, que muitas vezes comete excessos e abusos. Não por outro motivo, sempre deve-se buscar identificar e problematizar quais são os fundamentos apresentados pelo Estado para justificar esta restrição da liberdade e é isso que o livro procura fazer.

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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