Entrevista com Thiago Fabres, um dos autores de Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa no Capitalismo Periférico

03/09/2019

A entrevista de hoje é com o autor Thiago Fabres, autor de Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa no Capitalismo Periférico, junto com os autores Natiele Giorisatto de Angelo e Raphael Boldt.

A obra já está disponível para compra no nosso site.

 

1. Thiago Fabres, poderia falar um pouco sobre a proposta da obra “Criminologia Crítica e Justiça Restaurativa no Capitalismo Periférico”?

O objetivo básico deste trabalho é perceber, desde a realidade dos países periféricos, caracterizados pela naturalização da desigualdade e pelos fenômenos políticos da invisibilidade pública e humilhação social, a impossibilidade de superação dos elementos autoritários do processo penal contemporâneo, desenvolvido a partir de matrizes antidemocráticas, na expectativa de projetar um sistema penal que não constitua como um mecanismo perverso e violento de controle social das classes vulneráveis.

Se a expressão “justiça restaurativa” pode abarcar concepções teóricas e propostas práticas muito diversas, a elaboração de alternativas libertadoras pressupõe admitir a contradição dos mecanismos modernos da justiça criminal, abandonando a ideia de mera disfunção, subjacente à crença otimista de que, em algum momento, essa mesma abordagem destrutiva será contida. Alternativas mais democráticas e humanas para a gestão de conflitos em países violentos como o Brasil demandam uma autêntica transformação social, caso contrário, todas as propostas normativas supostamente emancipatórias podem acabar contribuindo para a perpetuação da violência e das desigualdades por meio da reprodução de antigos e nefastos valores que fomentam a promoção de novos mecanismos imunitários.

Frente a essa problemática, a obra desvela que a naturalização da desigualdade, cuja gênese está no processo de modernização seletiva e autoritária dos países periféricos, embora não impeça a implementação da justiça restaurativa, é uma condição que, à luz da criminologia da libertação, precisa ser enfrentada e ultrapassada para que as práticas restaurativas possam se fundar em um paradigma relacional, com foco na simetria dos envolvidos no conflito. As práticas restaurativas precisam ser construídas para cada sociedade, em uma conjuntura específica, a partir da teoria crítica e da revisão permanente, de modo a combater as formas ocultas da dominação.

 

2. Quais as motivações para publicar uma obra sobre este tema?

Promover um debate acerca das possibilidade de aplicação da justiça restaurativa em países marcados por profundas desigualdades sociais, por heranças perversas como a escravidão, a violência patriarcal, a violência contra os povos originários.

Por outro lado, suscitar a reflexão sobre as possibilidade de superação do modelo penal reativo e repressivo por modelo absolutamente distinto de solução de conflitos. Apontar definitivamente que o sistema de justiça penal aprofunda e amplifica as violências que afirma conter. Isto porque, a despeito de prometer "defender a sociedade" e "combater o crime", o sistema penal se afirma como um mecanismo de controle social violento, desigual, perverso, abertamente violador da legalidade, cuja a principal função consiste na reprodução e conservação das desigualdades. Funciona, portanto, essencialmente como um mecanismo de controle brutal das classes vulneráveis.

 

3. De que maneira a temática abordada contribui com a área jurídica?

A sua principal contribuição reside exatamente na reflexão de temáticas fundamentais da sociedade brasileira atual, profundamente marcada por violências de diversos matizes, em especial refletir sobre a incapacidade do modelo atual de justiça penal de oferecer respostas satisfatórias para minimizar tais violências.

Ademais, pretende finalmente debater as condições de possibilidade da aplicação dos modelos restaurativos em sociedades violentas e desiguais como a brasileira, na medida em que as principais experiências bem sucedidas de justiça restaurativa emergem de países com níveis muito elevados cidadania, de igualdade e respeito aos direitos fundamentais

 

4. O que a obra deseja passar ao leitor sobre a importância desse assunto?

A obra pretende oferecer ao leitor uma reflexão sobre a importância e a urgência de uma mudança de paradigma na justiça penal, sob pena de continuarmos a reproduzir incessantemente um clico funesto de violências intermináveis e que vitimam largas parcelas de nossa sociedade, na medida em que os mecanismos institucionais de controle social operam à margem da legalidade, acentuando ainda mais os níveis de violência letal das populações pobres. Os níveis de violência institucional nos países periféricos são tão insuportavelmente elevados, que refletem uma espécie de eterno retorno do estado de exceção, uma ditadura permanente sobre os segmentos marginalizados.

 

5. Qual é a maior dificuldade de falar sobre esse tema? 

A dificuldade reside na profunda herança autoritária de nossa sociedade, que constantemente se recusa a encara-se de frente no espelho e enxergar as chagas sociais abertas do racismo, da desigualdade, da tortura, da violência policial e carcerária, do poder compulsivamente abusivo, arrogante e ilegal que constitui a realidade do funcionamento concreto das instituições responsáveis pelo exercício do poder punitivo e da cultura dominante de seus operadores.

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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