Entrevista com Sergio Valladão, autor da obra Cegueira Deliberada!

27/04/2022

A entrevista de hoje é com o autor Sergio Valladão, autor da obra Cegueira Deliberada, que foi recentemente lançanda na editora Tirant Lo Blanch!

 

1. Sergio, poderia falar um pouco sobre o tema do livro?

A cegueira deliberada é um instituto de origem anglo-saxã e é muito aplicada nos Estados Unidos da América. Em função da importância dos EUA no contexto mundial e da progressiva implementação de standards internacionais na persecução penal nos diversos países, inclusive no Brasil, a cegueira deliberada passou a ser tema de importância central no entendimento do direito penal atual. Os tribunais passaram a aplicar a cegueira deliberada no Brasil, muitas vezes sem a necessária reflexão. Além disso, muitas questões relacionadas à imputação subjetiva estão entre as mais difíceis em direito penal, e a cegueira deliberada se insere nesse contexto. Por isso, senti que era necessário se compreender esse instituto oriundo de uma outra tradição jurídica, diferente da nossa, para que se possa construir um entendimento dogmático adequado à teoria do delito, isto é, para se aplicar a cegueira deliberada de maneira justa conforme o direito brasileiro.

 

2. O senhor pode explicar brevemente o termo "Cegueira Deliberada"?

A cegueira deliberada acontece quando a pessoa intencionalmente deixa de obter o conhecimento necessário sobre os elementos que configuram o crime, de maneira a poder depois se desculpar alegando que não sabia que estava cometendo um crime. A cegueira só pode ser deliberada se a pessoa já tiver alguma suspeita de que sua conduta possa ser criminosa e, mesmo com essa suspeita, ela resolve agir criminosamente.

 

3. Qual a importância de debater esse tema?

A cegueira deliberada muitas vezes está no centro da discussão da imputação subjetiva em um caso concreto. Isso é especialmente importante na criminalidade empresarial e econômica, mas também é frequente na criminalidade em geral. A esmagadora maioria dos crimes admite apenas a modalidade dolosa, e se o agente agiu sem o conhecimento suficiente de que estava a cometer um crime, ele ficará impune, mesmo tendo cometido o crime objetivamente, causando dano ou perigo de dano. Quando se trata de um crime que admite a modalidade culposa, esse agente será punido de maneira muito mais branda do que em um crime doloso. Por isso, é muito importante compreender a estrutura e os limites da cegueira deliberada para não se cometerem injustiças: não queremos condenar indevidamente pessoas que agiram sem conhecimento (o que seria uma banalização da cegueira deliberada), mas também não se deve absolver inadequadamente aqueles que se utilizaram da cegueira deliberada para tentar se esquivar da responsabilidade penal.

 

4. Como a obra pode contribuir para o meio jurídico?

Penso que o livro vem a preencher uma lacuna na doutrina brasileira sobre o tema. Eu busco desenvolver uma construção que seja ao mesmo tempo tecnicamente rigorosa e eticamente justa e equilibrada sobre o tema “cegueira deliberada”. Não devemos banalizar a aplicação da cegueira deliberada, assim como não podemos prescindir de atribui-la quando for dogmaticamente pertinente e juridicamente justo. Nesse tema, creio que estão equivocadas as visões extremadas que apregoam que a cegueira deliberada não tem lugar algum no direito brasileiro, assim como as que a utilizam como muleta para imputar subjetivamente condutas que não deveriam ser atribuídas ao agente.

 

5. Como foi o processo de criação da obra?

O livro é basicamente a minha tese de doutorado, enriquecida com algumas observações feitas pela banca examinadora, além de algumas alterações que fiz para tornar o texto ainda mais didático. O doutorado foi feito na Universidade Federal do Paraná sob a orientação do Prof. Dr. Paulo César Busato, que faz a apresentação do livro. Boa parte da pesquisa foi feita num período de um ano e quatro meses que passei na Alemanha, primeiro na Universidade de Augsburg, onde fiz estágio doutoral sob a orientação do Prof. Dr. Luís Greco, e depois como pesquisador visitante no Instituto Max Planck de Direito Penal em Freiburg. Mas o processo de escrever o livro ainda durou mais um ano após eu voltar ao Brasil. Isso sem contar o período de dois anos no início do doutorado, em que fiz um mergulho aprofundado na filosofia da linguagem e na concepção significativa de ação. Foi um período muito intenso e árduo, mas o resultado foi bastante gratificante.

 

6. Qual aprendizado o Doutor teve ao estudar, escrever e analisar o tema? Foram inúmeros os aprendizados, o processo de fazer um doutorado e de escrever um trabalho monográfico com temática inovadora é bem desafiante. Pra mim, essa caminhada ainda envolveu aperfeiçoar meus conhecimentos da língua alemã e residir na Alemanha por um tempo, o que certamente me deu um novo olhar sobre a experiência jurídica. Foi muito gratificante entender os meandros da filosofia da linguagem, por meio do estudo de Wittgenstein e da viragem linguístico-pragmática, e de sua aplicação específica no direito penal, nomeadamente a “concepção significativa da ação”, desenvolvida por Vives Antón, e que tem como um dos seus maiores expoentes no mundo o meu orientador, o Prof. Paulo Busato. Ter tido a oportunidade de aprender com o Prof. Luís Greco, um dos maiores penalistas da nossa geração, não tem preço.

 

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