Entrevista com Rodrigo Murad Do Prado, autor da obra Direito Penal do Inimigo: Uma perspectiva latino-americana

04/06/2022

A entrevista de hoje é com Rodrigo Murad Do Prado, autor da obra Direito Penal do Inimigo: Uma perspectiva latino-americana.

Para adquirir a obra, clique aqui!

 

1. Rodrigo, poderia falar um pouco sobre o tema do livro?

Resposta: Este livro discute a legitimidade do Direito Penal do inimigo, de acordo com os princípios do Direito Constitucional de um Estado Democrático de Direito e do Direito Internacional dos Direitos Humanos, tudo sob uma perspectiva latino-americana. Para isso, estudamos a relação que o Direito Penal do inimigo pode ter com o autoritarismo de Carl Schmitt e sua dicotomia amigo-inimigo, bem como a relação do Direito Penal do inimigo com o tratamento dos inimigos no regime nazista. Analisamos as semelhanças e diferenças entre a dicotomia Direito Penal do inimigo e Direito Penal do cidadão, elaborada por Günther Jakobs, e a dicotomia amigo-inimigo de Carl Schmitt e o regime nazista e trazemos isso sob a perspectiva latino-americana ou seja, tendo como paradigma as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A herança do Direito Penal do inimigo no perigosismo preventivista próprio do positivismo criminológico também é analisada. Tratamos de demonstrar o caráter autoritário do conceito de Direito Penal do inimigo e os problemas que apresenta sua admissão ao Estado de Direito. Trouxemos uma visão atual sobre a vigência do Direito Penal do inimigo e da regulamentação de um Direito Penal de diversas velocidades, dentro do qual o Direito Penal do inimigo configuraria uma delas, levando a uma redução das garantias, com aplicação de graves penalidades, tudo no âmbito de uma lei da guerra contra os sujeitos taxados da pecha de “perigosos”, onde se destaca a luta contra o terrorismo.

2. Como foi o processo de criação da obra?

Resposta: Nosso trabalho partiu dos estudos realizados pelo professor Javier LLobet Rodríguez sobre a utilização da prisão preventiva como um mecanismo de inocuização do indivíduo indesejado ao convívio social, como uma antecipação de pena sob o manto da função da prevenção especial negativa da pena, tudo fundamentado no funcionalismo sistêmico proposto por Günther Jakobs. O uso indiscriminado da prisão preventiva na américa-latina é uma manifestação nefasta desse capitalismo bulímico e anorexo que rejeita os seres humanos que não conseguem se manter no sistema ou que não possuem condições de consumirem no sistema. Nessa esteira, resolvemos publicar o estudo aprofundado sobre as ideias de Jakobs que são também expressão do expansionismo penal.

3. Como a obra pode contribuir para o meio jurídico?

Resposta: A obra contribuiu para o meio jurídico ao dar resposta à pergunta: Qual é a função do Direito Penal? Quando analisamos o funcionalismo sistêmico proposto por Günther Jakobs e seu direito penal do inimigo, criticamos essa ideia de que o direito penal é o mecanismo adequado para a manutenção da ordem, do sistema social. Desmistificamos as propostas de que as penas devem cumprir um papel preventivo social geral e especial positiva e negativa. O sistema penal não consegue evitar o crime; ele não regenera o criminoso;  faz em muitos casos mais mal à sociedade e ao imputado do que o próprio crime; a inocuização do imputado, seja preventivamente ou repressivamente, é uma violência pois uma das características do cárcere na América latina é sua aparência com a de uma masmorra medieval e, por fim, as prisões se converteram em um depósito de excluídos do sistema social. Essas ideias, embora não sejam novas, são trabalhadas no livro de forma aprofundada.

4. Qual aprendizado o Doutor teve ao estudar, escrever e analisar o tema?

Resposta:  Analisando a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, verificamos a violação de direitos humanos existente na América Latina, na luta contra o inimigo interno, ou seja, aquele classificado como subversivo ou terrorista, ou como criminoso. Numerosas sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos fizeram referência à existência de uma prática sistemática de detenções arbitrárias, torturas, desaparecimentos forçados e execuções extrajudiciais, realizadas contra aqueles que são classificados como inimigos internos. São atos de fato, sem qualquer fundamento legal e contra a própria regulamentação, que não encontrou a possibilidade de qualquer reclamação judicial. Ocorreram, fundamentalmente, no contexto das ditaduras da "doutrina da segurança nacional". Vimos que ao lado do controle punitivo formal há controle paralelo (privação arbitrária da liberdade a pretexto de emergências, como estado de sítio, lei marcial) e também um outro subterrâneo (desaparecimentos, execuções forçadas sem julgamento, centros de detenção clandestinos, campos de concentração, tortura, etc). Isso fez parte do que se chamou de “guerra suja”, que levou à luta contra aqueles que eram rotulados de “subversivos” e, portanto, de inimigos, agindo sem limites. Além disso, o controle paralelo e clandestino foi dado sob a justificativa da luta contra o crime.  A denominada “doutrina da segurança cidadã” parafraseia a “doutrina da segurança nacional”.  O direito penal do inimigo também teve expressão na América Latina nas últimas décadas, no controle punitivo formal, a partir do surgimento do populismo punitivo. Diante dos problemas do número de homicídios por 100.000 habitantes, existentes em vários países da América Latina, tem-se demandado a necessidade de um endurecimento do sistema penal, sob a influência do realismo da direita norte-americana e de seu discurso de lei e ordem. Verifica-se um aumento vertiginoso do número de pessoas privadas de liberdade por 100.000 habitantes, em condições carcerárias superlotadas, que violam o princípio da dignidade da pessoa humana. É utilizada uma série de slogans, que visam evidenciar o caráter do inimigo, daqueles que são rotulados de criminosos, que devem ser combatidos sem contemplação, numa linguagem de guerra, típica do Direito Penal do inimigo. Afirma-se que os direitos de quem se enquadra no estereótipo do delinquente, que corresponde aos grupos em situação social mais vulnerável e relacionados ao crime tradicional, por exemplo, o crime de rua, devem ser restringidos. Afirma-se, por exemplo, que “os direitos humanos dos criminosos estão garantidos, em detrimento dos direitos humanos das vítimas”, “os criminosos estão fora e as pessoas honestas estão sob as grades”, “a prisão funciona como uma porta giratória para os detidos”, deve haver “total comprimento das penas”, “para crimes de adultos, penas de adultos”.[1] A prisão preventiva tem por objetivo funcionar como uma pena, de modo que, se uma medida substitutiva for adotada, ela seja apresentada como um sinal de impunidade. É importante frisar que essa redução das garantias e da dureza do sistema penal visa um determinado tipo de crime, associado aos socialmente excluídos, que fazem parte do estereótipo do infrator, em relação ao qual o vestuário é de grande valor. importância, que reflete o pertencimento a uma classe social desfavorecida, bem como critérios discriminatórios, por exemplo xenófobos, devido à natureza do imigrante, aos quais se juntam critérios de discriminação racial, por exemplo, a cor escura da pele. Tudo leva a uma Lei Criminal de Direitos Autorais, baseada no estereótipo das autoridades policiais de quem são os sujeitos a serem rotulados de criminosos. Eugenio Raúl Zaffaroni criticou a seletividade social do sistema penal, que usa preconceitos discriminatórios para rotulá-los de criminosos, enquanto aqueles que não concordam com esse estereótipo geralmente não são criminalizados e a investigação de seus atos apresenta muitas dificuldades.  A esse respeito, cabe destacar que justamente o Direito Penal do inimigo é um Direito Penal do autor, que atua antes mesmo da prática do ato criminoso, no que diz respeito a sujeitos considerados fonte de perigo. Isso leva a critérios de periculosidade social e positivismo criminológico perigoso, há muito estabelecido na América Latina.

 

Notas e Referências

[1] Sobre o populismo punitivo: Llobet Rodríguez, Javier 2015), pp. 443-491; Llobet Rodríguez, Javier (2016); Pratt, J. (2007), Larrauri, Elena (2006), p. 9 e segs.; Gutiérrez, Mariano (compilador) (2011); Elbert, Carlos (2011).

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura