Entrevista com Rodrigo Leite Ferreira Cabral, autor de Dolo e Linguagem

15/11/2019

1. Dr. Rodrigo, poderia falar um pouco sobre a proposta do livro “Dolo e Linguagem”?

A ideia do livro foi a de abordar um tema central da teoria do delito, como é o dolo, a partir da instigante perspectiva da filosofia da linguagem. Isso porque, tanto o Direito Penal, quanto a Filosofia da Mente, compartilham o desafio de buscar compreender como funcionam as intenções humanas e os estados mentais. Assim, no trabalho, foram utilizadas tanto as contribuições da filosofia da linguagem, especialmente aquela propugnada por Wittgenstein, quanto as da Teoria da Ação Significativa, do professor Vives Antón, como forma de descortinar um novo horizonte para o início do desenvolvimento de uma nova gramática para o dolo. Nesse sentido, atacou-se, também desde uma perspectiva do Direito Penal, o denominado dualismo cartesiano, que influencia e prejudica grande parte das teorias do dolo (especialmente, as teorias volitivas). Em seu lugar, propugnou-se a compreensão dessa modalidade de imputação subjetiva a partir da linguagem, que passa a ser o eixo em torno do qual deve girar todo o debate sobre o dolo.

 

2. Poderia falar um pouco sobre o que é a Filosofia da Linguagem e como poderíamos aplicar em um caso concreto?

Na verdade, o mais correto é falar-se em “Filosofias da Linguagem”, uma vez que há um grande número de propostas – dos mais distintos matizes – que podem ser identificadas como tributárias dessa concepção filosófica. No livro, seguiu-se a filosofia da linguagem propugnada pelo filósofo vianês Ludwig Wittgenstein. A sua filosofia tardia é bastante complexa, mas propõe, dentre outras ideias, que o significado das palavras não tem uma essência, mas se dá com os seus usos; que nossas ações significativas são constituídas por regras, como se fossem uma espécie de jogos (os denominados jogos de linguagem); que é inadequado dizer que o pensamento ou a intenção ocorrem no cérebro, uma vez que eles não têm existência física, não fazem parte do mobiliário físico do mundo, de modo que algo que não tem existência física não pode estar em lugar algum. Assim, é tão arbitrário dizer que o pensamento está no cérebro, como dizer que está em nossos pés. Wittgenstein sustenta, também, que as intenções se dão num contexto linguístico e são compreendidas a partir de um sistema linguístico de referência, que nós herdamos, construímos e desenvolvemos com nossas práticas quotidianas. Essas e muitas outras propostas são apresentadas por Wittgenstein e muitas delas tornam muito mais fácil entender como se dão as nossas intenções e, consequentemente, como o dolo deve ser compreendido.

 

3. O que a obra deseja passar ao leitor sobre a importância desse assunto?

A obra, obviamente, não pretende apresentar resultados ou conclusões fechadas. Ela apenas propõe que, quem sabe, exista um caminho mais promissor para compreender o dolo e a forma como as pessoas manifestam suas intenções num mundo intersubjetivo. O livro propõe que abandonemos a ideia de que – para provar o dolo – o juiz deve inferir ou imaginar aquilo que passou – muitas vezes em pequenas frações de segundo -  na cabeça do agente, na  muitas vezes longínqua data do crime. Esse é um grande erro e acreditar nisso permite que conceitos como dolo e culpa possam ser manipulados, o que é muito grave, dadas as severas consequências que podem advir disso. Ora, o dolo não está na cabeça do agente, como propõem os psicologistas. O dolo não está na cabeça do juiz, como propõem alguns normativistas. O dolo está na linguagem. O dolo é manifestado em uma ação significativa. Chamar a atenção para esses erros, talvez, seja um aspecto importante do livro.

 

4. Qual é a maior dificuldade de falar sobre esse tema? 

Sem dúvida, a maior dificuldade está na própria complexidade da filosofia da linguagem. Como ela propõe uma forma completamente distinta de pensar nossos problemas, há uma séria dificuldade em realizarmos essa verdadeira “transformação kuhniana”, ou seja, uma mudança completa do paradigma que nos ajuda a compreender o mundo. Mas, uma vez que se leve a efeito essa nova forma de pensar, parece que muitos problemas linguísticos do Direito Penal ficam mais claros e nos habilitamos a enfrentá-los de forma mais adequada.

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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