Entrevista com Prof. Pietro Alárcon e convidados Tatiana Stroppa, Rogerio Barba Alvarez, Silvio Leon e Alejandro Sahui, autores da obra COVID-10: Crise sanitária e crise de Direitos?

09/03/2021

Entrevista Professor Dr. Pietro Alarcón e convidados: Prof. Dr. Alejandro Sahui da Universidade de Campeche (México); Prof. Dr. Silvio León Castaño da Universidade Gran Colombia (Colombia); Profa. Dra. Tatiana Stroppa, do Centro Universitário de Bauru -CEUB –(Brasil) e Dr. Rogelio Barba Àlvarez, da Universidade de Guadalajara (México)

O livro “Covid-19: Crise Sanitária e Crise de Direitos?”, já está disponível para download no nosso site!

 

TLBlanch: Muito boa tarde.

Dr. Pietro Alarcón, o senhor nasceu na Colômbia, mas já tem muito anos de residência aqui no Brasil, homologou seu diploma na USP e é hoje professor da PUC de São Paulo e do Centro Universitário de Bauru. É autor da Tirant lo Blanch e sua obra Ciência Política, Estado e Direito Público já está na 4ª edição. Hoje, o professor coordena esta obra, “Covid19: Crise sanitária e Crise de Direitos? Perspectivas jurídicas sobre a pandemia no Brasil, México e Colômbia”. Que pode nos dizer para começar esta entrevista com os nossos convidados?  

Pietro Alarcón:  Bom, em primeiro lugar eu agradeço à Editora Tiran Lo Blanch, especialmente a sua Diretora Aline Gostinski, por desde o início confiar na confecção do projeto. E logo também às instituições de ensino superior que estão envolvidas. O livro surgiu da necessidade de examinar a situação dos direitos fundamentais na América Latina no marco da crise sanitária ocasionada pelo Covid-19. E o que mais chamou a atenção para este projeto é que a crise geral evidente, estrutural, sistémica, que se reflete na incapacidade de que a partir do modelo econômico em funcionamento sejam construídas saídas para satisfazer os direitos mais elementares, como a saúde, a educação, a moradia, foi agravada pela pandemia. Na verdade, a pandemia escancarou, deixou à mostra a profunda desigualdade social.  E no Brasil algumas medidas como a reforma laboral e o cerceamento dos recursos para educação e saúde tiveram um impacto desastroso no momento em que se deflagra a pandemia. Ou seja, a precariedade dos investimentos estatais em saúde e as dificuldades para gerar condições de proteção especialmente aos mais vulneráveis criou um panorama lamentável. Eu ressaltaria isso: que não podemos esquecer que a maior parte dos Estados do continente sofreram ou sofrem as consequências de um projeto econômico que parte, precisamente, da redução da presença estatal no terreno da prestação de serviços públicos e que isso se converte numa ausência de atenção que repercute na inefetividade dos direitos sociais, neste caso, especialmente a saúde.

TLBlanch: O livro é resultado de projetos de pesquisa. Há várias instituições envolvidas e o Sr. já comentou à Tirant lo Blanch que se trata de um primeiro volume, um piloto, para logo fazer algo mais ousado.  

Pietro Alarcón: Sim. Existe um convenio para realização de pesquisas entre o Curso de pós-graduação do Centro Universitário de Bauru, a Universidade de Guadalajara e a Universidade Gran Colombia. Igualmente desde o CEUB de Bauru há um projeto encaminhado com a Universidade Libre de Colômbia Seccional Atlântico. Também a PUC de São Paulo mantém laços com a faculdade de Direito da Universidade Libre na qual eu formei. A obra inclui alguns dos professores pesquisadores dessas instituições que desenvolveram trabalhos sobre o tema.  E se trata de um primeiro volume porque aqui realmente temos apenas alguns destes professores. As pesquisas continuam em andamento. A ideia foi fazer um ebook, gratuito, mas que mostrasse a situação de cada país para ter uma referencia imediata. O segundo volume deve sair no final deste ano ou começos de 2022 e deve ser uma versão ampliada, com maior número de temas, novos níveis de pesquisa, outros professores da PUC e da USP.

Tirant lo Blanch: também está conosco o Dr. Alejandro Sahui, da Universidade de Campeche, no México, que vejo deseja expor sua opinião sobre o tema.

Prof. AS: Sim, eu queria fazer um breve apontamento sobre a primeira questão tratada pelo professor Alarcón. No meu artigo eu me refiro à grave crise de legitimidade das democracias constitucionais no mundo e particularmente na América Latina, que também traz consigo a pandemia. Eu acho que essa crise de legitimidade dificulta a adequada gestão da doença por parte dos governos. E considero que são vários os traços que hoje mostram essa crise: desigualdade, captura do Estado por poderes fáticos, invasão da privacidade, elitismo, exclusões, tecnocracias, intolerâncias, xenofobia, racismos em complexos de pluralidade e complexidade social, populismos.  

Então, em relação com estes problemas, a motivação, ou o que eu chamaria o transfundo da análise, é a necessidade de impulsionar uma participação cidadã reflexiva e crítica. Esse é o motor de uma democracia viva, que não coincide necessariamente com uma série de discursos demagógicos muito em voga. Se trata de pensar, julgar e atuar.

 

TLBlanch: Também está conosco o Professor Silvio León Castaño, da Universidade Gran Colombia. Muito obrigado por aceitar o convite. Nos conte de que trata sua contribuição, o que se pretende demonstrar

 

Prof. SLC: No sentido que os professores estavam expondo. Eu posso dizer que no texto eu me reporto às revoluções liberais. Porque com elas a racionalidade permite confeccionar princípios que garantem a autonomia privada, mas também o egoísmo, a dominação social a través da lei. O homem econômico e o mercado exigem liberdades negativas e, ante tudo, que os propósitos do Estado sejam colocados a serviço do capital. Então, o aparecimento da pandemia parece facilitar aos libertários e utilitaristas a justificativa do controle social, como teorias que impulsionam ao homem econômico na sua condição de insensibilidade e racionalidade. Os grandes monopólios globais das plataformas em rede ampliaram seu poder econômico durante a crises em detrimento dos pequenos e médios empresários. Na Colômbia, o político e a procura de transformações sociais está ausente nas políticas públicas durante a pandemia. Ao contrário, a política tradicional apareceu para salvar com subsídios e exceções de impostos os grandes capitais, os monopólios e os oligopólios do setor da saúde, do setor financeiro que é proprietário de fundos de pensão e definem que tem e quem não tem credito com garantia estatal   

Prof. PA: Ou seja, professor Castaño, a pandemia não afeta a maneira como o Estado encara o problema da saúde.

SLC: Professor Alarcón, lamentavelmente no nosso país o governo editou uma serie de decretos legislativos, mas o Executivo está amarrado às estruturas do poder econômico. Os decretos não foram discutidos no Congresso e para a Corte Constitucional há problemas de validade. É dizer, não houve possibilidades de acudir a princípios mais universais de justiça social. A ponderação que realizou o governo para limitar as liberdades de locomoção, de acesso ao mercado, teve como fonte a saúde física. O direito a não ser contagiado. Mas nenhuma medida foi tomada para transformar o predomínio do capital, seja no sistema bancário, nas empresas de saúde pública, na alta burocracia indolente e na contratação corrupta.

Prof. PA: acho que em geral temos um panorama similar. Por exemplo, o impacto que a pandemia tem nos trabalhadores brasileiros e latino-americanos em geral, é enorme e muito negativa. Em setembro do ano passado, a Organização Internacional do Trabalho, que monitora o impacto da pandemia no mundo do trabalho concluía que 93% dos trabalhadores do mundo vivem em países que fecharam postos. O informe que estudávamos nesse mês, colocava que na América Latina 155 milhões de empregos foram afetados. Houve demissões, redução de horas, corte de horas trabalhadas, e os setores mais vulneráveis são as mulheres, os migrantes, os jovens e os idosos.   

Prof. SLC: Sim. Na Colômbia, como já diz Joseph Stiglitz, nada foi feito para superar a cobiça, a abjeção moral, a disposição que tem os grandes monopólios para explorar aos demais, e se manteve o poder político de uns poucos no contubérnio entre monopólios para fazer nugativos os direitos dos trabalhadores. No caso dos empregados do setor saúde nenhuma melhora obtiveram, ao contrário, lhes foram exigidas um maior número de horas de trabalho como doação e aos pequenos e médios empresários não se lhes concedeu nenhum crédito por parte do governo através do setor financeiro.

 

Tirant lo Blanch: Também está conosco a Dra. Tatiana Stroppa, que é brasileira e professora do Centro Universitário de Bauru. Dra. Tatiana,

que tema a senhora abordou no livro e como se vinculou ao projeto

 

  1. Stroppa: Obrigada, primeiro eu agradeço a oportunidade de conversar sobre o tema no meio de um cenário tão dramático, acentuado pela pandemia como, aliás, já se encontra destacado na própria apresentação do livro. Eu trato na minha tese de doutorado do direito á informação e me pareceu pertinente, diante da diversidade de questões, tratar das atuações inconstitucionais do Poder Executivo Federal Brasileiro em face do direito fundamental de acesso à informação pública. Eu ressalto essa questão apontada pelo professor Silvio sobre como as redes sociais nestes tempos de home office crescem, se multiplicam e se enriquecem, ainda que por outro lado, padecemos de uma grande quantidade de pessoas ainda sem acesso a internet. Um paradoxo.

 

Pietro Alarcón: esse tema é bastante importante. Apenas para inteirar aos professores amigos de fora do Brasil, aqui há decisões do STF, uma liminar e aquela que a confirmou, ante uma recusa do executivo com relação a prestar informações sobre o número de falecimentos e dados concretos sobre o alastramento da pandemia.

Tatiana Stroppa: Sim, e na verdade, em momentos de insegurança, como o atual, a circulação de informações públicas compreensíveis, acessíveis, contextualizadas e verazes deve ser priorizada pelo Estado. A informação é um ingrediente, um pressuposto para que possamos tomar as nossas decisões. É a partir do contato com essas informações que nós podemos, individualmente, escolher como atuaremos, o que faremos e o que podemos esperar para o resguardo de outros direitos fundamentais. O direito a saúde e a liberdade de locomoção se conectam com a informação.

TLBlanch: Doutor Pietro, essa questão da informação é de fato fundamental.

Pietro Alarcón: Sim. A Doutora Stroppa participa da obra como uma pessoa que possui um amplo conhecimento das questões atinentes à liberdade de informação e realmente esse tema é muito relevante. Se não há publicidade e transparência não há como exercer cidadania plena. Na verdade, conseguimos acompanhar as atitudes dos nossos governantes e exercer a fiscalização cidadã, republicana. com relação às escolhas de políticas públicas e a legalidade, a constitucionalidade e até a logicidade dessas posturas governamentais, sua racionalidade ou não racionalidade, a partir da informação.

Tatiana Stroppa: Eu apenas complementaria Dr. Pietro, que a sociedade brasileira vem sendo surpreendida com ações voltadas para omissões, interferências e confusões na prestação de informações públicas. Esses níveis alarmantes de desinformação aumentam os efeitos danosos da crise sanitária e econômica. Por isso eu considero importante destacar o papel da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ante ações inconstitucionais que negam a efetividade desse direito.

TLBlanch: Muito bem. Nos acompanha também o Dr. Rogélio Barba Àlvarez, da Universidade de Guadalajara. Professor, qual o tema abordado pelo senhor na obra?

Prof. RBA: Meu tema é na área penal e criminológica. Está relacionado com as pessoas privadas da liberdade. Ou seja, a emergência em matéria de saúde e a dignidade das pessoas privadas da liberdade em tempos de pandemia. Isso é o que mais me interessa ressaltar.

TLBlanch: E, Dr. poderia nos falar sobre como foi o processo de pesquisa para esta contribuição

RBA: A obra surge da especialização em matéria de direito penitenciário na Universidade de Guadalajara. Nós tratamos dos direitos que foram e são restringidos por parte das instituições carcerárias quando chega a pandemia. A verdade é que a ninguém parece lhe importar a situação da saúde dos presos. Nós começamos a reflexionar sobre estas pessoas que também fazem parte dos grupos mais vulneráveis, precisamente pela sua reclusão.

T.L. Blanch: Professor Alejandro Sahui, o sr. também é mexicano, porque é importante analisar este tema no México e outros países?

Prof. AS: Na verdade, todos estes problemas são globais. Não são problemas exclusivos do México ou da nossa região, mas temos que dizer que América Latina é uma região extremamente desigual. Pesquisar a pandemia e seus impactos jurídicos implica estudar como ela compromete a legitimidade e a estabilidade dos regimes políticos. Observemos que um politólogo como Gullermo O’Donell sustentou algo que me parece muito importante, e é que os processos de construção e desenvolvimento das instituições estatais estão em déficit e isso afeta a capacidade de gestão efetiva dos governos.

Prof. PA.: Está tudo entrelaçado professor Sahui. A crise e o modelo econômico, privatizador, excludente, ainda que aqui no Brasil o SUS, o sistema único de saúde, criado pela Constituição de 1988, é uma referencia fundamental e um suporte vigoroso, ainda, para poder responder à pandemia. Infelizmente a negação da crise sanitária que parte do governo federal e a incapacidade de gestão, especialmente do Ministério da Saúde, só atrapalha esforços dos Estados e dos Municípios, que por força da Constituição, como foi reconhecida em decisão do STF, tem competências para atender também a crise. Se espera que se concretize o federalismo cooperativo, mas realmente há um entorpecimento para que se efetive, com graves consequências para a população, isso afeta direitos essenciais.   

Prof. AS: Sim. Agora, veja professor. Há outra coisa, em relação com o tema dos direitos humanos, o fato de que sejam consignados em amplos e generosos catálogos, e que se outorguem em abstrato, impede ver com clareza todo um conjunto de obstáculos e problemas que a desigualdade traz consigo: dominação, exploração, exclusões, discriminações; a desigualdade no acesso a serviços de saúde, à vacinação, à educação de crianças, a precariedade laboral que se revelou e recrudesceu na quarentena; a feminização da pobreza, os descuido com as estruturas destinadas a cuidar. Tudo isto coloca aqui a questão de termos que repensar os direitos humanos num contexto mais amplo das teorias da justiça e da democracia, não como meras declarações solenes. O COVID nos colocou, frente a frente, de maneira muito nua, com todas estas rachaduras e esta desigualdade tão aprofundada.

Tirant lo Blanch: Dr. Castaño, qual sua opinião sobre a importância de analisar este tema nestes países?

SLC:  Sim, obrigado. Eu considero que a primeira questão é dizer que América Latina sempre importou o Direito. Primeiro foi o direito medieval de índias canónico-romano e logo as teorias anglosaxónicas através das quais se pretendem solucionar os distintos conflitos dos Estados pluriétnicos como o colombiano. Há autores como Boaventura de Sousa, por exemplo, que apontam que a pandemia golpeou de maneira distinta a grupos sociais que sempre tem sido vulneráveis. Me refiro aqueles setores que o professor Pietro mencionou, mulheres, vendedores ambulantes, pequenos comerciantes, indígenas, migrantes, só mencionando alguns. Mas eu acho que há vulnerabilidades diferentes; depende do espaço e do político, econômico, social e cultural. 

No texto, a partir da especial perspectiva que se vivencia durante a pandemia na Colômbia, se explicitam as deficiências das medidas governamentais tomadas. Por isso é desde a crítica que acho que devemos tentar construir regras técnicas que desenvolvam a principiologia constitucional para que realmente se construam soluções a partir das realidades apresentadas com soluções individualizadas para o entorno.

 

TLBlanch: Professor Rogelio, como o sr. considera que a obra pode contribuir ao meio jurídico neste momento?

RBA: Bom, como estamos vendo, se trata de uma reflexão que agrupa professores de várias universidades de vários países. É uma reflexão tripartite, que parte de grupos de pesquisa. E eu acho que as conclusões de grupos de pesquisa sobre um tema tão importante para todos precisam uma difusão jurídica ampla. Isso porque elas podem subsidiar ou estimular políticas públicas. Podem também contribuir para reformar a legislação ou na própria aplicação do Direito. E, desde logo, também no processo de formação de juristas.

TLBlanch: Debater esse tema nos grupos de pesquisa nas IES é importante

RBA: Extremamente importante. Veja, a pandemia modificou a convivência social. Agora são muito mais difíceis as relações sociais. Seja pelas medidas de prevenção que afetam o entorno familiar, até as questões familiares ou no mundo do trabalho, como já tem sido anotado. Ou seja, eu acho que em todas as esferas do conhecimento temos que debater a pandemia e seus impactos. Esta obra deve servir para contribuir ao conhecimento jurídico sobre esses temas.

Tirant Lo Blanch: Dr. Castaño, na Colômbia, estes trabalhos poderiam render frutos em quais cenários, políticos, jurídicos?

SLC: aqui há uma questão interessante: o conceito do século XIX do positivismo jurídico cedeu à constitucionalização do direito a partir da Constituição Política de Colômbia de 1991. Também na confecção do Direito e na técnica jurídica, a hermenêutica tradicional cedeu ante a argumentação. As sociedades multiculturais e juridicamente plurais como é o caso da colombiana exigem usar a filosofia, a sociologia, a psicologia e todas as ciências, ainda que sem ignorar as crenças. Nos tempos do positivismo jurídico o Estado como criador do Direito se ocupava de garantir a permanência das relações de poder. Hoje, a escola de formação jurídica explica como as fontes do Direito são cada vez mais anónimas quanto a sua originalidade e mais interdependentes. Por exemplo, uma norma expedida na Europa, é discutida na academia dos Estados Unidos, logo discutida pela doutrina e reconsiderada pela jurisprudência para finalmente ser aplicada. Então, a discussão aqui colocada quer influenciar legisladores, porém não só, porque hoje há a possibilidade de que os juízes criem direito contando com a indeterminação dos textos jurídicos. Por outro lado, as sociedades modernas não podem abandonar nenhuma disciplina na procura da equidade ou da justiça material.

Tirant lo Blanch: Dr. Rogelio Barba, essas saídas que devem ser construídas, como diz o Dr. Castaño. Elas devem partir da academia? Como o senhor vê o tema?

RBA: A verdade é que ainda há poucas contribuições científicas no campo do Direito sobre o tema. Mas vou te colocar um exemplo concreto: meu artigo e a obra foram enviadas ao Diretor do Sistema Penitenciário do Estado de Jalisco, no México. O Diretor propus fazer um Congresso de professores e pesquisadores a escala nacional para debater a situação. Então, neste caso, a pesquisa já rende um resultado, porque é importante para avançar na defesa dos direitos humanos nesse contexto das pessoas detidas tendo em vista a pandemia e suas consequências.

TLBLanch: Dra. Tatiana, qual aprendizado se extrai como pesquisador ou pesquisadora quando se analisa e escreve sobre este tema que está ainda vivo, porque estamos ainda em pandemia?

Tatiana Stroppa: Eu acho que no Brasil, que é meu cenário, além de tudo o que já tem sido exposto, é talvez o reforço da importância de respeito às normas constitucionais que garantem os direitos fundamentais e norteiam as repartições de competências num Estado Democrático de Direito, as quais não podem ficar nas mãos de quaisquer mandatários, sobretudo em momentos de crise, ou seja, a crise sanitária não deveria implicar em uma crise institucional e de proteção de direitos.

TLBlanch: E para você Dr. Rogelio...

RB: Eu acho que estas reflexões conjuntas e estes acordos internacionais entre México-Brasil e Colômbia, que não é a primeira vez que a gente faz, fortalecem as linhas de pesquisas trilaterais, de problemas urgentes e estruturais. Eu considero que temos que continuar pesquisando os temas. São temas que surgem nas nossas sociedades e que temos que pesquisar com profundidade.

TLBlanch: Dr. Alejandro, qual sua opinião?

AS: o propósito é que estas reflexões, estas pesquisas possam transcender a vida a acadêmica e influam de alguma forma na vida pública, que sirvam de insumos para a deliberação democrática, que sejam discutidos no espaço da opinião pública. Eu acho que a pandemia expos que é difícil atribuir o caráter de “expertos” inquestionáveis a quase nenhum sujeito, nem médicos, nem epidemiologistas nem governos. Quando se trata de assuntos públicos, que atingem a todos, ninguém pode fica de fora da conversação democrática. Esse é o tema de alguns autores aos quais nos referimos, como Hannah Arendt, Habermas ou Rawls: a pluralidade e o imperativo da escuta, da inclusão, da comunicação autêntica, da igualdade. Então, como podemos imaginar, fica muita tarefa por diante.

Tl Blanch: Professor Pietro. Temos conversado com pesquisadores de México e Colômbia, além do Brasil. Como foi o processo de construção da obra?

Pietro Alarcón: A verdade é que aproveitamos os grupos de pesquisa já estruturados e colocamos em pauta a realidade que trouxe a crise sanitária.  Por exemplo, no caso do grupo de pesquisa de Guadalajara, tenho entendido que se avançou a partir do grupo existente em um tema em particular relacionado com a situação carcerária e a pandemia. No caso do CEUB no Brasil a questão que está a ser desenvolvida trata do estado de coisas inconstitucional e a pandemia. Em agosto, com a Universidade Libre foi desenvolvido um encontro virtual com minha participação e o professor Elmer León que é assessor da Procuradoria do Ministério de Relações Exteriores de Peru. Aproveitamos a virtualidade, a internet, as possibilidades de aproximar pesquisadores e assim vamos a continuar desenvolvendo os projetos neste ano. 

Mas a pandemia gerou uma grande quantidade de reflexões em vários âmbitos do conhecimento, não apenas no Direito, implicou em alguma medida que forçosamente devêssemos retornar ao Estado e ao papel do Estado. Naturalmente, nessas reflexões existe hoje um debate fundamental: é preciso estabelecer um programa de amparo e proteção em matéria de saúde aos mais castigados pela crise estrutural do sistema e isso implica determinar que as vacinas sejam consideradas bens públicos universais, de acesso gratuito. Ao lado disso, defender uma reforma integral do sistema de saúde em alguns Estados como o colombiano, por exemplo, e fortalecer o Sistema Único de Saúde do Brasil – SUS -. E, também, uma renta básica universal, um ingresso mínimo universal que atenda às necessidades urgentes da população.

Eu acho que essas são as conclusões gerais mais relevantes. Os detalhes estão em cada artigo que refletem os resultados das pesquisas.

TlBlanch: Dr. Pietro, que vem agora...

Pietro Alarcón: como diz o professor Rogelio, prosseguir nas pesquisas a partir dos grupos das Instituições universitárias acima dos eixos que acho foram expostos. A garantia da vacinação a escala universal, sem distinções nem discriminações. A questão da autonomia tecnológica, da capacidade de resposta dos nossos Estados ante crises como esta, deve ser examinada a fundo. Os impactos da pandemia no mundo do trabalho, a maneira como os trabalhadores tem sido os mais abatidos com a crise e claro, a questão central de que a vacina não pode ser uma mercadoria. Eu insisto na ideia de que ela deve ser declarada um bem público universal e acho que isso deve ser também um norte, um horizonte para futuras pesquisas. Temos o desafio, como diz no começo, de mais um volume para começos do próximo ano, assim que acho temos muito trabalho pela frente.  

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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