Entrevista com Pietro de Jesús Lora Alarcón, autor da obra Ciência política, estado e direito público: uma introdução ao direito público da contemporaneidade, 5ª edição

25/05/2022

A entrevista de hoje é com o Dr. Pietro de Jesús Lora Alarcón, autor da obra Ciência política, estado e direito público: uma introdução ao direito público da contemporaneidade, 5ª edição

 

1. Professor Pietro, boa tarde. Faz alguns dias foi lançada a 5ª edição da sua obra “Ciência Política, Estado e Direito Público” pela nossa Editora Tirant lo Blanch. A obra já é conhecida amplamente no âmbito universitário, mas o Sr. poderia nos falar um pouco sobre o conteúdo da obra. Tem novidades nesta 5ª edição?

Bom, em primeiro lugar, agradeço a entrevista. Muito obrigado por vir até aqui. Sobre a obra, ela reúne um conjunto de temas correspondentes às áreas da Ciência Política, da Teoria do Estado e do Direito Público. Está dividida em 12 Capítulos. Cada um deles aborda um aspecto ou um assunto referente a estes âmbitos. Mas o que eu acho é que, modestamente, o que ajuda à compreensão das categorias da Ciência Política e da Ciência Jurídica e em particular a forjar uma visão do Direito mais aprimorada e muito necessária nestes tempos, desde a minha ótica, é a elevação do chamado pensamento crítico, ainda que a rigor todo pensamento deva ser crítico. Por isso fizemos um esforço para iniciar com dois ou três capítulos, que são propedêuticos, mas que achamos podem de alguma forma ajudar à compreensão dos conceitos elementares, básicos, sobre a Ciência, sobre a necessidade de conhecer, sobre o processo de conhecimento, sobre o pensamento crítico e como ele nos ajuda a argumentar e a fortalecer nossa rejeição às falácias e à deterioração no campo das ideias, a combater esse discurso pobre e tosco, que nega a ciência e que hoje é lamentavelmente muito frequente.  E logo depois é que se avança no campo da política e do direito, na compreensão do direito como fenômeno histórico e cultural ou como experiência ou ordenação da realidade a partir de valores e fins.  

2. Essa é uma das virtudes da obra...

Não sei se seja necessariamente uma virtude, mas eu sempre achei que sem estas bases seria muito complicado compreender o direito. Ou seja, não se trata apenas de explicar o direito, senão compreendê-lo, isto é, entender que não adianta ter um acúmulo de conhecimentos técnicos ou de informações se elas não estão ligadas à ética, e que não adianta achar ou pensar que conhecemos o direito porque trabalhamos apenas uma ramificação dele, sem estabelecer as conexões com as demais. Então, o Direito e o Direito Público com especial ênfase, está ligado a valores como a igualdade, a liberdade, a dignidade humana, e está conectado com a democracia, com a cidadania, com o desenvolvimento de uma cultura para a vida, a felicidade, com o bem-estar do ser humano. E uma etapa introdutória que explique estas questões, especialmente no primeiro ano de direito, sempre me pareceu e me parece fundamental. E eu me detenho muito nisso.  

3. Sim, que bom, mas logo seguem os capítulos que tratam, depois dessa introdução ou essa parte propedêutica que o sr. fez, de temas específicos...

Sim, tratam do Estado Constitucional de Direito, do regime de direito público e dos princípios orientadores do Direito Público. Há incluso uma crítica a essa visão estanque que imagina um campo do público e outro do privado sem analisar as interações entre um e outro. Há um capítulo sobre o desenho estrutural e o funcionamento do Estado, sobre a forma e o sistema de governo, sobre os direitos fundamentais. É um leque amplo de temas. Eu tento manter uma certa unidade analítica ou uma série de elementos e compromissos com uma forma de ver o Direito que podemos dizer é transversal à obra. Esse compromisso com esses valores, com uma dogmática para a transformação, acho que digamos, para mim é sempre uma preocupação.  

4. Qual foi o processo de construção da obra, dessa unidade analítica da qual o Sr, fala?

A obra foi concebida, inicialmente, para estudos de graduação e para disciplinas como Teoria de Estado e Fundamentos de Direito Público. Mas, ao longo do tempo tem sido gratificante ver que é utilizada também no Direito Constitucional, e que também tem serventia na pós-graduação. Eu acho que isso se explica em parte porque tentamos incrementar a obra com o resultado de projetos de pesquisa que abordam a questão da intepretação e aplicação do texto normativo da Constituição, nos marcos da crise estrutural do sistema econômico e social, ao mesmo tempo, procuramos oferecer um instrumental teórico que reivindica e postula um pensamento aliado a uma perspectiva latino-americana.    

5. Pietro, qual a importância de debater esses temas?

Eu acho que há um debate geral no Brasil, hoje, não esqueço que é ano eleitoral, mas é um debate que já vem em curso sobre os rumos do Estado, sobre a qualidade dos governos e o respeito à democracia, sobre a inefetividade dos direitos fundamentais, e sobre as causas que obstaculizam que eles sejam concretizados. E debater com cientificidade, analisar as escolas jurídicas, as correntes de pensamento, ligar essas análises, tanto as realizadas por autores clássicos como as de autores contemporâneos, tudo isto é de extrema utilidade para que a doutrina jurídica continue a contribuir à construção de uma cultura de responsabilidade com a democracia, longe de versões ultrapassadas do autoritarismo, que assomam neste momento, de maneira tão impudica e obscena.  É importante para dar subsídios ao exercício de interpretar para aplicar o Direito.

Por isso há que tratar desses temas, dizendo onde residem a causas das desigualdades, das formas de opressão do ser humano, desmontar eufemismos, pensar desde uma orientação jurídico epistémica que se nutra com o diálogo permanente com as manifestações populares, com os constitucionalismos dos países vizinhos da América Latina. Revisitar as instituições da separação de funções, do federalismo, a partir das lições jurídicas deixadas por uma época tão complexa, como a que vivemos, que obrigou e obriga a um repensar e a aprofundar o sentido democrático das categorias jurídicas. Falo de federalismo cooperativo, por exemplo, ou da necessidade de exigir que o Executivo tenha uma condução coerente com os valores e fins constitucionais. De questionar e responsabilizar a quem deva ser responsabilizado pelo descaso ante a crise sanitária, por exemplo.

Por outro lado, há que falar de um conteúdo antipatriarcal do pensamento, que impulsione nas novas gerações uma ética para a aceitação das diferenças, que não podem continuar a ser transformadas em desigualdades,

Enfim, eu acho que estudar a constituição, o Direito Público, não é algo que deva conduzir a uma contemplação da realidade, senão a um compromisso com os direitos fundamentais é isto exige ação, transformação, atitude.  Eu não sei se tudo isto seja dito na obra de maneira tão enfática com estou dizendo agora, mas acho que temos os elementos para tanto e eu aspiro a que pelos menos isso se desprenda da leitura da obra.   

6. Lendo os prefácios, um do professor Bandeira de Mello no Brasil, e o de esta edição, do professor Avelãs Nunes da Universidade de Coimbra, eles destacam essa associação de conhecimentos e no último prefácio o professor Avelãs Nunes diz que a obra é um subsídio científico para a ação cidadã. Ele retrata bem isso que você pretende?

Os prefácios são uma gentileza de dois professores que são uma espécie de norte, não somente do ponto de vista científico, senão que são um exemplo pela sua grandeza e generosidade como seres humanos. O que eu acho é que não se estuda Direito sem conhecer seus pressupostos, e para isso temos que falar de antropologia, de filosofia, de sociologia. E acho que a se a Constituição é uma Constituição para a cidadania, ou como foi dito pelo Ulisses Guimarães, uma Constituição cidadã, então a interpretação do texto normativo da Constituição sempre deve ir dirigida ao fortalecimento da cidadania, porém, não de uma cidadania apenas restrita à participação política, mas á efetividade da cidadania social, econômica, cultural, e para isso precisamos estudar, organizar e transformar uma realidade que não é aquela pretendida, ou seja, não é aquela que está contida na proposta de 1988. Hoje a Constituição, é bom dizer, isso, tem inimigos, - aliás, sempre teve e talvez hoje por razões diversas, eu repito, eles tenham sido encorajados e sem pudores para revelar essa sua pretensão de desconhecer seus fundamentos. Eu acho que os que cultuamos, trabalhamos e sentimos o Direito como algo vivo e acreditamos que ele tem um valor e um sentido, temos que tomar partido em favor da Constituição, de um projeto constitucional, do projeto de Estado social, democrático, arquitetado para assumir a satisfação das necessidades públicas, para a felicidade do ser humano, que é o projeto de 1988.  

7. Professor, você tem uma coluna na página do “Empório do Direito”, pode nos falar um pouco da coluna?

Sim, a coluna se chama “Por Supuesto”. Essa coluna nasceu como uma tentativa de aproximar o Direito, em particular o Direito Constitucional brasileiro, ao Direito Constitucional de outros Estados da América Latina. Eu tento sempre manter essa coerência manifestando os pontos de vista sobre as questões do constitucionalismo no Brasil conectando-o com as questões originadas em outros lugares do continente.

 

Muito obrigado professor, por esta entrevista

A vocês, obrigado.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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