Entrevista com Pedro M. Pouchain Ribeiro, autor de La Regla de Exclusión de La Prueba Ilícita

24/01/2020

Estamos lançando a obra La Regla de Exclusión de La Prueba Ilícita, do autor Pedro M. Pouchain Ribeiro. Além de ter seu lançamento aqui no Brasil, a obra também será recepcionada em outros paises onde a Tirant Lo Blanch está!

 

1. Pedro, poderia falar um pouco sobre o tema o livro?

A verdade no processo penal não pode ser perseguida a qualquer preço. Essa é a ideia de fundo da teoria das provas ilícitas, que reflete a tensão entre os valores essenciais de um sistema de administração de justiça e as garantias dos direitos fundamentais.

Por um lado, o tema desperta grande interesse prático. Afinal, no processo penal brasileiro, o destino de grandes operações – Satiagraha, Castelo de Areia, Banestado etc. – tem sido determinado pela aplicação ou não da teoria das provas ilícitas. Mais recentemente, o assunto volta à discussão no episódio “Vaza Jato”, em que se discute se mensagens hackeadas poderão ou não ser admitidas em processo.

Por outro, a dogmática das provas ilícitas não tem sido satisfatoriamente desenvolvida no direito brasileiro, ao passo em que nossa jurisprudência também poderia operar com maior previsibilidade e coerência. Ainda hoje há quem busque compreender o regime instituído de provas ilícitas por mera intepretação gramatical do inciso LVI, do art. 5º da CF.

O uso de provas ilícitas é admitido excepcionalmente para proteger valores constitucionais tão ou mais relevantes que aqueles violados durante a obtenção e o uso da prova. Daí porque se reconhece a prova ilícita pro reo. Mas, para isso, importa que a decisão judicial esteja legitimada em fundamentos que demonstrem analiticamente o resultado da ponderação entre os valores fundamentais envolvidos.

Mas é no direito comparado que nos deparamos com robustos embates doutrinários e jurisprudenciais. Por exemplo, no direito constitucional norte-americano, a teoria tem vivido fases de expansão e retração, desde seu surgimento em 1886 no caso Boyd. Desde então, suas fases evolutivas têm se encaixado nos padrões dos sucessivos «Chief-Justices» da Suprema Corte dos EUA.

Na Espanha, como muito destacado no prólogo do livro por Blanca Rodriguez, o Tribunal Constitucional tem aplicado a teoria com certa confusão, mesclando as vertentes norte-americanas dos frutos da árvore envenenada com a doutrina dos efeitos dissuasórios.

Mesmo na Alemanha, que se destaca pela original proposta de Ernst von Beling no ano de 1903 e pelo rigor dogmático de sua ciência jurídica, doutrina e jurisprudência não conseguiram até aqui responder satisfatoriamente todas as questões sobre as proibições de uso de provas, resultantes da tensão entre o interesse no esclarecimento dos fatos criminosos e a proteção dos direitos fundamentais do acusado.

 

2. Quais as diferenças da teoria da prova ilícita entre Brasil e EUA?

São muitas. Nos EUA, a teoria surge e se consolida no período de 1886 a 1914, por força jurisprudencial a partir dos precedentes Boyd e Weeks. Curiosamente, como reflexo do culto à propriedade privada, peculiar do início do século XX. Como resultado desta interpretação, que fundia as emendas Quarta e Quinta, a Suprema Corte proibiu o uso, como prova, de documentos e cartas privadas, em desfavor de seu proprietário, sob pena de restar configurada uma autoincriminação forçada. Veja bem, é como se a propriedade privada fosse considerada a extensão da pessoa. A partir disso, a Suprema Corte evoluiria para afirmar que a exclusão da prova ilícita era uma garantia implícita dos direitos fundamentais da Quarta Emenda.

No Brasil, a teoria da prova ilícita ganha relevância cerca de 100 anos depois dos EUA, com a CF/1988. Contudo é inquestionável a influência da teoria norte-americana em nosso ordenamento, tanto que a lição básica do assunto entre nós é a conhecida «fruits of the poisonous tree doctrine» (teoria dos frutos da árvore envenenada) – reconhecida no caso Silverthorne em 1920. Contudo, esta é apenas uma dentre tantas outras subteorias que marcam a evolução da regra de exclusão das provas ilícitas nos EUA.

A meu sentir, a redação do art. 5º, LVI, da CF buscou harmonizar-se com o entendimento da Suprema Corte dos Estados Unidos que havia prevalecido nos anos 60 durante a presidência de Warren. Contudo, passados mais de meio século desde então, houve uma substancial evolução da teoria no direito norte-americano, até aqui apenas muito timidamente levada em consideração por nós, como na edição da Lei nº 11.690/2008, que deu nova redação ao art. 157 do CPP.

Finalmente, uma das mais marcantes diferenças entre os ordenamentos brasileiro e norte-americano decorra de que neste último se aceita a chamada “exceção de boa-fé” («good faith doctrine»), abrindo a possibilidade de que sejam admitidas provas obtidas ilícitas em favor da acusação, quando a autoridade policial tenha agido de boa-fé e por comportamento objetivamente razoável. Nesta ótica, importa consignar que, atualmente, para a Suprema Corte dos EUA, a teoria somente existe para desestimular práticas policiais abusivas – jamais para sancionar erros de juízes e tribunais. Algo que, sem dúvidas, soa muito impactante na realidade jurídica brasileira.

 

3. Além de ser lançado no Brasil, a obra terá seu lançamento em outros países em que a Tirant Lo Blanch se encontra, até o fim do mês acontecerá o lançamento no México, na feira de livros mundialmente conhecida. Qual a sua expectativa de lançamento e recepção da obra nos outros países?

Estou muito contente e lisonjeado com o lançamento internacional do livro «La Regla de Exclusión de la Prueba Ilícita. Un Estudio Comparado desde su Origen en EE.UU.», pela editora Tirant Lo Blanch, simultaneamente em três continentes.  

Primeiramente, porque o livro coroa um período de intensa e proveitosa pesquisa junto à Universidad de Sevilla, Espanha – cujo lançamento neste país muito me honra e orgulha, tanto pelos vínculos acadêmicos que guardo neste país, como por onde ser a Tirant Lo Blanch é a editora jurídica de maior prestígio.

Ainda, como brasileiro e membro do Ministério Público, não poderia deixar de lançar meu primeiro livro no Brasil, lugar onde optei por viver e trabalhar servindo à sociedade. 

Ademais, sempre tive um grande carinho pelo México pela riqueza de sua cultura, simpatia de seu povo e pelo grande país latino-americano que é. Estrear com a participação de meu livro na Feira Internacional de Guadalajara foi muito emocionante!

A partir destes três países, a editora me dá a chance de alcançar a toda a América Latina e, em especial, os mais de vinte países hispanofalantes no mundo.

Finalmente, tratando-se de um livro de direito comparado, que pretende esclarecer a evolução da teoria das provas ilícitas no direito norte-americano, espero que a obra possa ser bem recebida na diversidade dos ordenamentos jurídicos ibero-americanos, especialmente por seus pesquisadores e operadores latino-americanos, interessados no aprofundamento do tema.

Por outro lado, dada a semelhança dos idiomas espanhol e português e o fato de ter sido o livro escrito por um brasileiro, com linguagem objetiva, estou certo de que a comunidade jurídica brasileira não terá dificuldades em compreendê-lo.

 

4. Como foi o processo de criação do livro?

Animado com a excelente receptividade que meu trabalho de pesquisa teve na Universidad de Sevilla, resolvi transformá-lo em livro. Procedi ajustes e, ao final, decidi submeter o manuscrito para editorial. Pretendi mesmo publicá-lo em espanhol, por acreditar que este idioma daria maior alcance à obra, em razão da grande diversidade de ordenamentos jurídicos de países hispanofalantes e do estudo do direito comparado norte-americano.

Assim que, para minha alegria, a editora Tirant Lo Blanch aceitou publicar o meu primeiro livro, com o lançamento em três países. Estou muito feliz por este lançamento e estou certo de que outros que virão!  

 

5. Qual aprendizado você teve ao estudar, escrever e analisar o tema, você levará pra vida?

Levarei para toda vida a certeza de que toda a dedicação e esforços empregados para a realização de uma pesquisa científica séria valeram muito a pena. Muitas foram as ocasiões de grandes dificuldades e duros os momentos de renúncia pessoal e familiar. Mas, tendo muita identificação e curiosidade no tema, foi possível manter o foco e a dedicação para conseguir o reconhecimento acadêmico que agora está sendo premiado com a publicação internacional deste livro.

Guardo de maneira muito especial a familiaridade adquirida com a disciplina de história constitucional, que me serviu de valiosíssimo e indispensável instrumento para acompanhar os antecedentes e os mais de 130 anos de prática jurisprudencial das provas ilícitas nos Estados Unidos da América. Em tudo isto, muito me deixei inspirar nas lições e no exemplo do catedrático da Universidad de Sevilla, prof. Bartolomé Clavero. Muito obrigado!

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura