Entrevista com Matheus B. Melo, autor de Lavagem de Dinheiro, Compliance e a Imputação das Ações Neutras

04/12/2019

A entrevista de hoje é com Matheus B. Melo, autor da obra Lavagem de Dinheiro, Compliance e a Imputação das Ações Neutras. Matheus B. Melo é Chefe de Gabinete na Procuradoria Regional da República da 3ª Região. Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E fará um evento de lançamento do livro, em Porto Alegre, ainda esse mês de dezembro, então fica ligado!

 

1. Matheus, poderia falar um pouco sobre o livro, qual a sua proposta?

O livro busca analisar a relação das ações neutras diante dos crimes de lavagem de dinheiro no país. A diversidade das problemáticas existentes neste domínio conduziu à divisão do tema, inicialmente, em três capítulos, com o propósito comum de averiguar questões relacionadas a algumas hipóteses fáticas criadas no último e quarto capítulo, cujas situações envolvem o exercício profissional e o âmbito de incidência da norma de lavagem de dinheiro. Para tanto, (I) de início, segue-se com a construção das bases necessárias para a avaliação e fixação dos critérios tradicionais da imputação em um direito penal legítimo, observando-se as opções legislativas adotadas pelo legislador brasileiro, em atenção às perspectivas modernas do funcionalismo do risco, já o ajustando à função do direito penal corrente neste país. (II) Após a fixação das premissas doutrinárias adotadas, apresenta-se o tema das ações neutras, sob quatro enfoques diferentes, quais sejam: a) o conceito das ações neutras; b) o problema envolvido e sua verificação na dogmática; c) as principais soluções da doutrina; d) postura a ser tomada. (III) Em seguida, traça-se um panorama sobre a lavagem de dinheiro, com considerações sobre a tipificação do delito e suas medidas preventivas. (IV) No quarto capítulo, confere-se uma abordagem de alguns exemplos práticos, envolvendo a temática da lavagem de dinheiro, a fim de testar todo o conteúdo exposto nos capítulos anteriores, com escopo de verificar se, de fato, é possível a ocorrência da neutralidade na imputação referente à lavagem de dinheiro. Por fim, expõe-se uma síntese conclusiva. 

 

2. O que a obra deseja passar aos leitores?

A obra deseja transmitir aos leitores a importância da cientificidade do processo de imputação em situações cotidianas sociais ou profissionais, fazendo uma análise voltada à situações que envolvem casos de lavagem de dinheiro, a fim de demonstrar que em certos casos, mesmo após a análise de todo o processo de imputação, a legitimidade para punir é questionável e continua a residir numa zona cinzenta, cujo paradigma, por vezes, suscita dúvidas entre o permitido e o proibido; tudo para exigir do leitor uma postura crítica sobre o direito penal hodierno, de modo que não se esqueça da legalidade como fonte do poder punitivo.

 

3. Como foi o processo criativo do livro? De onde surgiu a ideia de falar sobre esse tema?

As ideias do livro surgiram durante o curso de mestrado que fiz na PUC-SP. Toda a matéria foi desenvolvido paulatinamente, na medida que eu aprofundava meus conhecimentos nos créditos que cursei. O processo criativo não foi fácil e divido em ao menos três grandes partes. (i) Para, de fato, escrever, antes, busquei deixar o projeto de pesquisa impecável e, (ii) após serem traçadas as bases e os caminhos que pretendia seguir, comecei a ler uma série de obras, muito mais que as destacadas na bibliografia utilizada para a criação da dissertação. (iii) Após essa primeira fase de leitura, selecionei algumas obras e comecei as relê-las, selecionando e escrevendo as principais ideias. Depois de tudo isso, é que fui organizando todo o material e preenchendo os capítulos.

O livro surgiu do interesse num tema ministrado em aula de pós- graduação de direito penal econômico do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais em parceria com a Faculdade de Direito de Coimbra (2015), onde foi abordado o fenômeno do Compliance na seara criminal. A temática da aula envolveu a responsabilização do Compliance Officer no campo do direito penal brasileiro. A polêmica no tema suscitou dúvida sobre a atuação do profissional de Compliance, isto é, se ele poderia ser considerado na prática delituosa por parte da empresa, em situações que atuou erroneamente. A partir daí, ampliei a problemática, descobrindo qual o ponto de discussão que mais me interessou, para chegar na temática das ações neutras, que se tornou a ideia central a ser fixada.

 

4. Nos tempos atuais, qual a importância de uma obra como essa?

A importância do tema se dá, em especial, pelo momento histórico, já que a criminalidade empresarial vem recebendo maior relevância no Brasil, em razão, por exemplo, da tendência do projeto 236/2012 do Senado Federal, que coloca em cheque as relações jurídicas do direito penal clássico, demandando uma reflexão sobre os métodos do direito criminal ou mesmo de diversas operações policiais ocorridas no país, em especial, por exemplo, a grande operação lava jato, que promoveu uma reviravolta em diversos setores, desde econômicos a políticos, fomentando uma cultura de desconfiança em diversos setores empresariais, de modo que o colaborador também vive a mercê de novos riscos penais.

Além disso, não podemos olvidar que as modernas estruturas, a cada dia mais complexas, têm dificultado a análise das situações individuais de seus colaboradores, os quais, quiçá, pela imposição social de expectativas ou legal deveres podem estar agindo de maneira cotidiana, sem necessariamente terem a ciência de estarem envolvidos em alguma atividade ilícita.

Por fim, podemos afirmar que para a ciência penal brasileira, atualmente, o tema é bastante relevante diante tenra quantidade de obras relacionando os três temas (lavagem de dinheiro, compliance e ações neutras), bem como da possibilidade de se evidenciar uma tese de absolvição, diante de situações corriqueiras que, na sanha punitivista que se faz presente, podem ser julgadas como incriminadoras.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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