Entrevista com Leonardo Isaac Yarochewsky, colunista de Empório do Direito

07/06/2019

A entrevista de hoje é com Leonardo Yarochewsky, autor da Editora e colunista na Empório. Atualmente o Dr. Leonardo foi convidado para integrar a Comissão de Direitos Humanos, pela OAB-RJ.

 

1. A legalização/descriminalização das drogas no Brasil, especialmente da maconha, é um assunto muito polêmico. Chega a causar muitas falas equivocadas sobre o assunto. O senhor acha que o Brasil está preparado para a legalização/descriminalização das drogas?

Seja a legalização ou a descriminalização das drogas – de todas as drogas e não somente da maconha – é uma necessidade em nome de uma política responsável e comprometida com a dignidade da pessoa humana. A chamada guerra as drogas é, na verdade, uma guerra contra seres humanos. A criminalização se mostrou ao longo de décadas um verdadeiro desastre social e de política criminal. Ao lado dos crimes contra o patrimônio, o tráfico de drogas – que em muitos casos se confunde com o uso – é responsável pelo encarceramento em massa dos mais vulneráveis, principalmente. Não se pode olvidar que o sistema penal é seletivo.

Sob o ponto de vista da dogmática penal a criminalização do uso de drogas – repita-se, qualquer droga – é outro grande equívoco. Há uma grande farsa em dizer que o bem jurídico tutelado no caso do uso ou de tráfico é a saúde pública. Isso é fake...

Note-se, ainda, que não há ofensa a bem jurídico algum, o que contraria o princípio da lesividade (ofensividade) segundo o qual não há crime se não há ofensa ou ataque a bem jurídico. De acordo com tal princípio não se pune a autolesão.

 

2. O senhor acha que o combate da polícia com o tráfico diminuiria, caso a legalização das drogas fosse feita? E como seria a melhor forma de liberar/descriminalizar as drogas e ainda tratar os usuários?

A descriminalização ou legalização do uso de drogas é um primeiro passo. Acredito que a longo prazo devemos chegar na legalização total, inclusive do tráfico de drogas. Um modelo próximo ao que existe com a bebida alcoólica ou relação a venda de remédios controlados. Essa deve ser a tendência mundial. É preciso tratar do assunto sem preconceito e moralismo. A questão das drogas não pode ser mais uma questão de polícia.

 

3. O aborto, assim como as drogas, é um outro assunto muito polêmico. Envolve religião e o abandono que as mães e as crianças sofrem pelos pais. Ainda mais mulheres negras de periferia. A votação contra o aborto ainda não se encerrou e não tem data marcada para continuar o julgamento no STF. Já vimos consideravelmente que em países que o aborto foi liberado a taxa de abortos e mulheres mortas durante esse procedimento caíram consideravelmente.

Sem adentrar na discussão da “competência” ou não do STF para tratar do assunto – ideal que a matéria fosse tratada e discutida no âmbito próprio, no caso, o Poder Legislativo – é certo que não é mais possível esperar e aceitar que mulheres morram ou sejam criminalizadas em razão da pratica do aborto.

Não se pode discutir o aborto desprezando os dados trazidos pela mais importante realizada sobre o tema: a Pesquisa Nacional do Aborto (publicada em 2016).[1] Segundo dados da PNA “o aborto é comum entre as mulheres brasileiras”.

“Das 2.002 mulheres alfabetizadas entre 18 e 39 anos entrevistadas pela PNA 2016, 13% (251) já fez ao menos um aborto. Considerando-se intervalos de confiança, trata-se de uma proporção semelhante à da PNA 2010 (15%). A pequena divergência não é relevante, pode derivar de fatores aleatórios e está dentro da margem de erro. Como a pergunta é sobre realizar aborto ao longo da vida, as taxas tendem a ser maiores entre mulheres mais velhas. Na faixa etária de 35 a 39 anos, aproximadamente 18% das mulheres já abortou. Entre as de 38 e 39 anos a taxa sobe a quase 19%. A predição por regressão linear das taxas de aborto pelas idades é de que a taxa a 40 anos é de cerca de 19%. Por aproximação é possível dizer que, em 2016, aos 40 anos de idade, quase uma em cada cinco mulheres já fez aborto (1 em cada 5,4)”.

Descriminalizar e legalizar o aborto  é salvar vidas!

 

4. O senhor deu um parecer na OAB/RJ, no mês passado. O parecer foi apresentado na Comissão de Direitos Humanos, no qual você foi nomeado para integrar como consultor. Você poderia falar um pouco para nós a importância desse parecer?

Sim. Fui nomeado como Consultor da Comissão de Defesa do Estado Democrático de Direito da OAB-RJ. A Comissão é presidida pelo advogado Luis Guilherme Vieira que me designou para apresentar parecer sobre a (i)legalidade dos snipers (atiradores de elite) pela polícia do Rio de Janeiro, bem como a responsabilidade do Governador do Estado. Nesse parecer, que foi aprovado por unanimidade pela Comissão e encaminhado ao presidente da OAB-RJ opinamos no sentido de que “independente da responsabilização política e civil, deve o governador do Estado do Rio de Janeiro WILSON WITZEL ser responsabilizado criminalmente pelos crimes que decorrerem de sua ordem direta e de sua determinação dolosa (instigação) para que agentes policiais (snipers) executem pessoas.

A violência policia é um dos maiores males da sociedade. A polícia brasileira é a que mais mata no mundo. É também a que mais morre, fruto de um perverso sistema penal e da equivocadíssima política de segurança pública.

De janeiro a novembro de 2018, policiais mataram 1.444 pessoas no estado do Rio de Janeiro, de acordo com o Instituto de Segurança Pública. Isso significa que o Rio de Janeiro fechou o ano de 2018 com o maior número de homicídios cometidos pela polícia desde que o estado começou a registrar esse dado em 1998. O recorde anterior foi de 1.330 pessoas mortas pela polícia em 2007.[2]

 

5. Qual sua posição sobre o Projeto “anticrime” apresentado pelo ministro da Justiça Sergio Moro?

O projeto parte de uma equivocada e ultrapassada fórmula de que o recrudescimento da pena, a criação de novos tipos penais, a mitigação de direitos e garantias e o endurecimento da execução penal, levarão à redução da violência e da criminalidade.

A experiência legislativa demonstra, inequivocamente, que não há relação alguma entre leis que privilegiaram o endurecimento do sistema penal com a redução da criminalidade (vide a Lei 8.072/90 – crimes hediondos). Pelo contrário, medidas baseadas na política-criminal da “lei e da ordem” tem levado ao encarceramento em massa, principalmente, dos mais vulneráveis e ao colapso do sistema penal. Não é demais martelar que o Brasil tem a terceira maior população carcerária do planeta e a que mais cresce proporcionalmente.

A cultura punitiva – revelado no projeto em comento - que se traduz no uso abusivo e sistemático da pena privativa de liberdade abandona princípios fundamentais insculpidos na Constituição da República, como o da estrita legalidade, da intervenção mínima e da presunção de inocência.

O problema da criminalidade, no dizer de Hassemer e Muñoz Conde é, pois, antes de tudo, um problema social e vem condicionado pelo modelo de sociedade. Seria ilusório, por tanto, analisar a criminalidade a partir de um ponto de vista natural, ontológico ou puramente abstrato, desconectado da realidade social em que a mesma surge.

 

 

 

Notas e Referências

[1] Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017000200653&lng=en&nrm=iso&tlng=pt Acesso em: 09/8/2018.

[2] Disponível em:< https://www.hrw.org/pt/news/2018/12/19/325455  Acesso em: 10/04/2019.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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