Entrevista com Gustavo Henrichs Favero, autor de Contraditório Participativo

09/06/2019

A entrevista de hoje é com o autor de "Contraditório Participativo", o Dr. Gustavo Henrichs Favero. A obra já está disponível para venda no nosso site.

 

1. Dr. Gustavo, qual a proposta do livro "Contraditório Participativo"? O que podemos esperar do livro?

O livro é a versão comercial de minha dissertação de mestrado, defendida na Universidade Federal de Santa Catarina, sob a orientação do Professor – e sempre mestre - Pedro Miranda de Oliveira.

A pesquisa realizada utilizou-se do método de abordagem dedutivo, instrumentalizado por intermédio da técnica de pesquisa bibliográfica em fontes de cognição técnicas e atécnicas, primárias e secundárias.

O primeiro capítulo destina-se a tauxiar o fenômeno da “ciência” processual civil (Prozessrechtswissenschaft) nos lindes da cultura, demonstrando que nenhuma ordem jurídica processual é infesa às vicissitudes e idiossincrasias de suas respectivas eras. Parte-se da premissa de que o processo jurisdicional é um fenômeno eminentemente linguístico-cultural, mediado pela argumentação tópica, e, por conseguinte, constitui e estabiliza a forma de compartilhamento de sentidos enunciativos-descritivos. Destarte, a tecnicidade processual é consectário-lógico de sua imersão no magma de significantes do momento cultural que lhe arrosta.

O segundo, partindo da prévia noção culturalista do fenômeno jurígeno – e estando discriminadas as fases metodológicas em que se fulcrou a ciência processual civil – analisa os sistemas processuais antagônicos que vigoraram (liberal e social) para assomar ao estágio hodierno: o modelo participativo fundamentado no Estado Constitucional Democrático. Portanto, discursa acerca dos três modelos heurísticos de organização e hierarquia processual (adversarial-isonômico; inquisitivo-assimétrico; e colaborativo/participativo).

O terceiro, possuindo como premissa a ideia de que, hodiernamente, vivifica-se o modelo organizacional colaborativo/participativo, engendra a díade contraditório-colaboração. Para tanto, assinala que o espectro mais rudimentar – e premente no liberalismo processual – do contraditório é o binômio informação-reação, estatuindo um modelo atômico ou mínimo de conformação de garantias perante e no processo (art. 7o do CPC). Também assinala que para além dessa diretriz formal, o contraditório, nos arts. 9o e 10 do CPC, desvela-se como garantia de influência (Einwirkungsmoglichkeit), aglutinando-se à exigência de reação-informação (Waffengleichheit) o dever de possibilitar a influência (Chancengleichheit) nos desígnios do processo. Desse modo, assomado ao modelo cooperativo (art. 6o do CPC), o órgão judicante insere-se na medula do contraditório, em simetria e paridade com os demais sujeitos na condução procedimen-tal (Rechtsschutzeffektivitat), impondo-se os deveres de informação (Informationspflicht) ou orientação (Rechts auf Orienterung) em relação às partes – cujo corolário é o princípio da anterioridade (Vorheringkeitsgrundsatz), exercido mediante intervenção prévia ao julgamento (Ausserung) – e o dever de não apenas tomar conhecimento (Kenntnisnahmepflicht), mas efetivamente levar em consideração os argumentos debatidos (Recht auf Berucksichtigung von AuBerungen) de forma conscienciosa e refletida (Erwagungspflicht), exigindo-se do órgão julgador imparcialidade, apreensão e isenção de ânimo (Aufnahmefahigkeit und Aufnahmebereitschaft) na contemplação das razões exortadas, de forma a conferi-las atenção (Beachtenspflicht).

Derradeiramente, os dois últimos capítulos analisam o procedimento comum sob a óptica dialética (em paralaxe), encetando o contraditório participativo, pelos termos vincados no capítulo pretérito, no epicentro do formalismo processual. Analisa-se a delimitação fático-jurídica veiculada na inicial, com destaque à formação do objeto litigioso. Ainda, sob o aspecto do contraditório inicial entre autor e Estado-juiz, discorre-se sobre as possibilidades e limites do indeferimento do libelo, julgamento liminar de improcedência e algumas particularidades da tutela provisória. Com a integração do réu ao processo, o último capítulo assenta a remodelagem estrutural sobre a resposta (defendida aqui como reação), eventualidade, revelia, saneamento e fundamentação do ato sentencial.

 

2. Quais as motivações para publicar uma obra sobre este tema?

A motivação foi ideológica. Entendo que a própria legitimação da função jurisdicional advém de um processo modelado pelo constante colóquio entre partícipes (sujeitos históricos de uma ordem concreta de valores – konkreten Wertordnung), pautado na isonomia (art. 7o do CPC), colaboração (art. 6o do CPC) e proibição de decisões em “solitária onipotência”(arts. 9o e 10 do CPC).

Destarte, o formalismo processual– vocacionado à assecuração do amplo espectro de garantias fundamentais – é (re)construído com o escopo de colocar a técnica em seu ofício ancilar, sem, contudo, derrui-la ou relega-la ao ostracismo.

Em suma: a atividade jurisdicional é arquitetada como e no processo, compreendido este como espécime do procedimento, porquanto edificado de forma policêntrica, máxime a inexistência de focos de centralidade na comunidade de trabalho (Arbeitsgemeinschaft) entre partes e Estado-juiz.

 

3. De que maneira a temática abordada contribui com a área jurídica?

Em uma compreensão sistêmica do Código de Processo Civil, ressai capital o postulado da unidade, em sua acepção de coesão inferencial, haja vista não se interpretar a ordem jurídica aos pedaços. A dogmática processual apresenta, neste viés, aparato lógico e íntegro, urdido por intermédio de axiomas substanciais, estampados na parte geral do Código (título único: das normas fundamentais), os quais devem ser aplicados aos institutos da parte especial.

Nesse sentido, o livro aborda um vetor estruturante da processualística contemporânea: a forma como os sujeitos participam e dialogam endoprocessualmente. A obra possui como finalidade precípua a análise procedimental no Código de Processo Civil (art. 318 ess) sob o prisma do contraditório (arts. 7o, 9o e 10 do CPC), valor-fonte haurido como garantia fundamental (art. 5o, LIV e LV da CRFB) esubstrato lógico-dogmático à consecução de um modelo participativo de Justiça Civil (arts. 1o e 6o do CPC).

 

4. Qual é o foco do livro? O que ele deseja passar ao leitor?

O presente estudo, conforme indicado alhures, buscou apre(e)nder o sentido teórico (lógico-jurídico) e prático (jurídico-positivo) do contraditório plasmado nos arts. 7o, 9o e 10 do Código de Processo Civil – em consonância com o modelo constitucional-colaborativo de processo (arts. 1o e 6o do CPC) – no cerne do procedimento comum (art. 318 do CPC).

A principal conclusão é ser o contraditório constituído dogmaticamente pela simbiose de três fenômenos interconexos, indispensáveis à materilização fática da garantia fundamental.

O nível epidérmico do contraditório se desvela no sentido normataivo insculpido no art. 7o do CPC (paridade de armas e isonomia de tratamento no curso procedimental). O próximo nível (ou camada) é composto pelo dever de debate, garantindo-se influência (e não surpresa) na construção de decisões jurisdicionais (arts. 9o e 10 do CPC). E, derradeiramente, o núcleo do contraditório, no modelo processual cooperativo, é o dever de colaboração haurido no art. 6o do multicitado diploma. É dizer: a colaboração, para além de ser um princípio, modelo e até mesmo dever, é parte indissociável do contraditório.

Mais que a tríade “informação-reação-influência”, busca-se com o contraditório participativo uma configuração processual pentapartite, consistente na equação “informação-reação-diálogo-influência-decisão” ao longo de todo iter procedimental.

 

 

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura