Entrevista com Giovana Rossi, autora do livro "A culpabilização da vítima no crime de estupro: os estereótipos de gênero e o mito da imparcialidade jurídica"

27/07/2018

  1. Qual a proposta do livro “A culpabilização da vítima no crime de estupro: os estereótipos de gênero e o mito da imparcialidade jurídica”, publicado recentemente pela Editoria Empório do Direito?

A violência sexual, em especial o estupro praticado contra a mulher adulta ou adolescente, é um assunto que gera inúmeros debates no senso comum e desperta sentimentos contraditórios, pois ao mesmo tempo em que há um repúdio ao delito, por meio do uso de expressões desqualificadores em relação ao estuprador, há também um desrespeito à parte ofendida, já que frequentemente são levantadas dúvidas quanto às suas declarações e à sua própria moralidade, de modo a culpabilizá-la pela agressão sofrida.

O livro pretende analisar até que ponto esse discurso contamina os operadores do sistema de justiça penal, ou seja, objetiva verificar se, ao julgar processos envolvendo o crime de estupro, os juízes analisam tão somente o fato em si ou se também se reproduzem preconceitos e discriminações, em especial em relação à mulher, que reforçam as desigualdades de gênero e naturalizam ou até mesmo justificam a violência sexual.

Para isso, foi feita uma análise conjuntural – histórica, social, cultural e normativa – da forma que a violência sexual contra a mulher se manifesta, a fim de demonstrar que as noções preconcebidas e os estereótipos relacionados a esse crime possuem explicações frágeis e insustentáveis, que há muito deveriam ter sido superados pela sociedade e pelos operadores do sistema de justiça penal.

Nesse sentido, no primeiro capítulo são feitas algumas considerações preliminares acerca do conceito de gênero, a forma como os papéis sociais foram construídos e a sua desconstrução pelos movimentos feministas, bem como as origens da sociedade patriarcal e da formulação da inferioridade feminina. É analisada, ainda, a violência sexual como uma espécie da violência de gênero e a importância do conceito de gênero para o Direito e para a sociedade em geral.

No segundo capítulo são abordados os aspectos gerais da evolução histórica e jurídica do crime de estupro, as alterações legislativas no ordenamento jurídico brasileiro, desde o período pré-colonial até o atual Código Penal, com as modificações pontuais realizadas no Código Penal de 1940 e as significativas alterações trazidas pela Lei n. 12.015/2009 para, enfim, entender como a chamada “lógica da honestidade” foi construída.

Finalmente, no último capítulo é examinado o discurso dos julgadores sobre o delito de estupro, a forma como é construída a verdade em um processo judicial, a seletividade da figura da vítima e do autor, os estereótipos que são estabelecidos, assim como a violência institucional praticada pelo sistema de justiça penal em decorrência da culpabilização da vítima pela violência sofrida.

  1. O livro destina-se a qual público alvo?

O livro destina-se tanto para os pesquisadores e profissionais das Ciências Jurídicas e Sociais quanto para as pessoas que têm interesse e desejam aprofundar seu conhecimento sobre esse tema.

  1. 3. Quais as principais conclusões adquiridas com a obra?

Ao escrever o livro concluí, em primeiro lugar, que a prática jurídica relacionada ao crime de estupro possui uma lógica específica de desenvolvimento, visto que há um julgamento moral da vítima e do acusado em detrimento do ato de violência sexual praticado. Além disso, ainda que não exista nenhuma previsão legal nesse sentido, exige-se, implicitamente, que o autor e a vítima se enquadrem em determinados estereótipos para que a violência seja encarada com seriedade. Em outras palavras, os julgadores dificilmente acreditarão na palavra da vítima quando ela não se encaixar no perfil de “mulher honesta” e quando o réu não se ajustar ao estereótipo do estuprador, apresentando-se como um “homem de bem”. Assim, se o caso concreto se afastar desse ideal, a denúncia da mulher será encarada com desconfiança e serão levantadas teses de que a violência sexual não ocorreu ou que ela de alguma forma foi provocada.

Verifiquei também que, a despeito de toda a evolução legislativa em relação ao crime de estupro, esse delito continua sendo majoritariamente praticado por homens contra mulheres, o que evidencia o seu caráter de violência de gênero, que afeta as mulheres por sua própria condição de mulher, bem como pelo papel que lhe foi tradicionalmente determinado.

Por fim, pude perceber que o sistema de justiça penal muitas vezes se mostra ineficaz para a proteção das mulheres vítimas de violência sexual e não raro acaba exercendo sobre elas uma segunda violência, já que, ao adentrar nesse sistema, as ofendidas têm suas condutas avaliadas e julgadas em função de uma adequação a determinados papéis sociais e a uma moral sexual dominante.

  1. Qual a motivação para escrever sobre este tema?

A motivação para escrever sobre esse tema decorre das próprias inquietações que ele provoca, pois, apesar de o estupro ser um delito extremamente frequente em nossa sociedade, o número de notificações às autoridades ainda é muito baixo e um dos prováveis motivos para que isso ocorra é justamente todo o processo de culpabilização a que a mulher é submetida ao levar adiante uma denúncia de agressão sexual.

Desta forma, entendo que é urgente discutir e combater a culpabilização da vítima no crime de estupro, especialmente no âmbito jurídico, para que não sejam mais reproduzidos esses discursos discriminatórios em relação à mulher e para que a ofendida possa se sentir segura e não constrangida e novamente violentada ao denunciar uma violação sexual.

 

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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