Entrevista com Fábio Rocha de Oliveira, autor da obra Preso Cidadão

04/01/2021

A entrevista de hoje é com o autorFábio Rocha de Oliveira, criador da obra Preso Cidadão.

 

1) Fábio, poderia falar um pouco sobre o tema do livro?

O tema do livro refere-se aos direitos políticos de uma pessoa que cometeu um crime e foi condenada por uma sentença transitada em julgado, encontrando-se em cumprimento de pena. Mais especificamente, o livro traz uma abordagem mais focada na questão do direito de voto desta pessoa presa. Como se sabe, no Brasil alguém que se encontre preso não pode votar nas eleições. Como essa impossibilidade de votar traz consequências práticas e jurídicas bastante relevantes, principalmente no que diz respeito a um déficit democrático e à situação lamentável de nosso sistema prisional (problema este sempre ignorado pelos nossos parlamentares e gestores de nossas políticas públicas), busquei examinar com mais profundidade se esta restrição ao voto do preso seria válida ou não. Para isto, realizei análises legais, constitucionais, históricas, interpretativas e também no Direito Comparado (examinando como esta questão é tratada em outros países).

 

2) Como foi o processo de criação da obra?

Esta obra consiste basicamente na dissertação de mestrado que defendi perante o Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da UFMG, em dezembro de 2019, com poucas adaptações para o formato de literatura jurídico-doutrinária. Apesar de ser formalmente uma dissertação, o livro traz em seu teor uma verdadeira tese, por apresentar uma proposta hermenêutica sobre o tema com um relevante grau de ineditismo e originalidade. Contudo, a pesquisa por mim realizada, que resultou nesta obra, não se iniciou com meu ingresso no mestrado em 2017, mas bem antes, em 2006, quando eu comecei a estudar o tema e escrevi um artigo jurídico que foi publicado em algumas revistas e boletins jurídicos na época. Este primeiro artigo evoluiu para uma monografia apresentada em um curso de especialização realizado na PUC Minas; posteriormente evoluiu para um projeto de pesquisa apresentado junto à UFMG e por fim transformou-se na dissertação acima mencionada. Portanto, é um estudo longo que vem amadurecendo e se aperfeiçoando desde 2006, para atingir seu resultado final neste livro.

 

3) Como a obra pode contribuir para o meio jurídico?

O tema dos direitos políticos do preso é claramente interdisciplinar, pois envolve questões importantes tanto do Direito Constitucional (e também do Direito Eleitoral e até mesmo da Ciência Política) quanto do Direito Penal. Contudo, um dos problemas que identifiquei ao longo de minha pesquisa é que a literatura jurídica nessas áreas é bastante frágil, omissa e incipiente para abordar este tema específico de uma forma adequada e aprofundada. Poderia até mesmo dizer que a doutrina constitucionalista e eleitoral não compreende adequadamente o tratamento legal e principiológico a ser dado a uma pessoa que comete um crime, enquanto os penalistas também não entendem satisfatoriamente a seara dos direitos políticos. O resultado disto é que nossa doutrina acaba por não realizar uma análise juridicamente pertinente sobre o tema. Essa é a maior contribuição que este livro traz: suprimir essa lacuna doutrinária e com isso fornecer uma base jurídica robusta para que nossos juristas e demais operadores do Direito – desde estudantes da graduação até os magistrados – possam empreender uma necessária (e até então insuficiente) reflexão sobre a questão dos direitos políticos do preso.

 

4) Qual a importância de debater esse tema?

Pessoalmente, minha percepção é a de que toda pesquisa jurídica acadêmica tem por finalidade última contribuir para a resolução de alguma questão social relevante. Vivemos em um país extremamente desigual, no qual as mais diversas injustiças se reiteram cotidianamente, especialmente nos setores socialmente excluídos e alijados de melhores oportunidades de desenvolvimento. Neste panorama, a população carcerária se encontra no mais baixo degrau social, suportando via de regra o alijamento econômico, social, moral e eleitoral. E esta exclusão total reverte-se em prejuízo também da sociedade, que suporta altos índices de reincidência. Em suma, temos um sistema carcerário que não beneficia ninguém: nem o preso, privado dos mais basilares direitos humanos, nem o restante da sociedade, que amarga uma criminalidade crescente. É necessário romper esse ciclo pernicioso e a inclusão eleitoral do apenado seria uma ferramenta vislumbrável nesse sentido. Portanto, é extremamente importante debater se a restrição ao voto do preso é ou não juridicamente válida. Além desta importância pragmática, o debate sobre os direitos políticos do preso carrega consigo um valor teórico e ético, pois, se pretendemos viver isonomicamente em um Estado Democrático de Direito, precisamos analisar com extrema cautela as hipóteses possíveis de exclusão de pessoas da participação político-eleitoral.

 

5) Qual aprendizado você teve ao estudar, escrever e analisar o tema?

A possibilidade de estudar e escrever sobre um tema pelo qual você é apaixonado propicia uma satisfação pessoal enorme, mas meu contentamento é ainda maior em poder compartilhar o resultado dos meus estudos com o público, pois o maior objetivo de toda obra é difundir conhecimento. Neste livro, eu divido com os leitores minhas reflexões e análises sobre vários tópicos apresentados no sumário, mas merecem especial destaque três pontos de grande aprendizado que tive em minha pesquisa: o estudo histórico da norma da Constituição Federal de 1988 que disciplina a suspensão de direitos políticos do condenado (tanto em relação às constituições anteriores quanto em relação às discussões de nossa última assembleia constituinte); a busca das raízes teóricas do entendimento da inalistabilidade do preso e seu cotejo com o Direito Penal do Inimigo de Jakobs; a visualização da matéria no Direito Comparado, com a constatação do atraso interpretativo no qual nos encontramos em comparação com a jurisprudência de inúmeros outros países. Isso deixa nítido o déficit brasileiro de civilidade na análise da matéria, possivelmente pelo preconceito e pelo estigma que se encontram impregnados social e juridicamente quando estamos a tratar de direitos de presos. Fica o aprendizado da lição de quanto ainda podemos e precisamos evoluir.

 

6) Como foi ter o prefácio de seu livro escrito por um ex-presidente do Supremo Tribunal Federal?

Além de ser obviamente uma grande honra para mim, ter o prefácio feito pelo ilustre Ministro Sepúlveda Pertence foi uma experiência jurídica e humana incrível. Não conhecia pessoalmente o Ministro, apesar de termos em comum algumas circunstâncias: somos mineiros, graduamos na mesma Faculdade de Direito (UFMG), fomos agraciados na colação de grau com a mesma láurea (“Prêmio Barão do Rio Branco”) e somos torcedores do Clube Atlético Mineiro (risos). Após contatar seu escritório em Brasília, o Ministro Pertence gentilmente me disponibilizou seu contato pessoal direto e conversamos inúmeras vezes por telefone, quando expus meu intento de que ele fizesse o prefácio da obra, a qual abordava o paradigmático voto por ele proferido no Supremo Tribunal Federal em 1995 no RE 179.502, em um julgamento que analisei no livro; após ler o manuscrito, o Ministro me propiciou a grata satisfação de seu aceite para prefaciar o livro. Ter o prefácio subscrito por um jurista desta magnitude, um dos maiores magistrados que este país já produziu – e com a manifestação expressa de adesão à tese formulada na obra – representa, além de uma imensurável satisfação pessoal pelo êxito da pesquisa desenvolvida, a sinalização para a comunidade jurídica no sentido de que a reflexão trazida neste livro merece ser pensada com afinco pelos operadores de Direito pátrios.

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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