Entrevista com Clara Welma Florentino e Silva, autora da obra Justiça em Círculos

25/05/2021

A entrevista de hoje é com a autora Clara Welma Florentino e Silva, autora da obra Justiça em Círculos!

 

1. Clara, poderia falar um pouco sobre o tema do livro?

A temática do livro é o uso da justiça restaurativa em conflitos que envolvem violência doméstica. A justiça restaurativa é uma forma de solução de conflitos que pretende devolver o conflito às partes envolvidas. Assim, ao invés de dar ao Estado-juiz o poder de decidir a questão, as partes utilizam o procedimento restaurativo para construir a solução que entendem mais adequada à situação. O uso dessa prática em casos de violência doméstica passou a ser bastante estimulado, ao tempo em que também encontrou críticas contundentes. Haveria uma reprivatização do enfrentamento à violência doméstica? Como identificar desequilíbrios entre as partes que inviabilizem a prática? É possível contornar a desigualdade de gênero ainda existente na sociedade? Como? Em quais casos? É nesse contexto que o livro surge, tentando entender essas críticas e esses incentivos, voltando-se à experiência brasileira, ao que ela copia e ao que ela escreve.

 

2. Como foi o processo de criação da obra?

O livro é uma releitura do meu trabalho do mestrado, quando realizei pesquisa empírica no Rio Grande do Sul, coletando dados que foram discutidos nos meus grupos de orientação e chegaram à dissertação. Depois da defesa, das considerações da banca e do depósito, eu pude amadurecer um pouco mais o tema em algumas mesas de debates acadêmicos, artigos e conversas informais. Senti então que era hora de voltar ao texto, reler, reescrever. E acho que esse processo não acabou. A justiça restaurativa está em construção e as nossas ideias devem estar também. Acredito, pois, que a publicação é um passo maior nesse debate, porque pretende alcançar mais pessoas e agregar mais vozes na construção dessas ideias. O livro não vem, pois, levantar bandeiras ou trazer respostas fixas, mas propor reflexões, trazer olhares que podem contribuir nessa construção coletiva para o enfrentamento da violência doméstica.

 

3. Como a obra pode contribuir para o meio jurídico?

As práticas restaurativas analisadas nascem dentro do Judiciário, ainda que se proponham a seguir caminhos autônomos. Eu acredito que encontrei no Judiciário Gaúcho não só um pioneirismo no desenvolvimento das atividades, mas um canal de diálogo. Houve abertura para que eu pesquisasse e participasse do que estava sendo construído e essa possibilidade é, sim, imperdível. Acredito que a oportunidade de conhecer e pensar essas práticas, ouvir e ser ouvida, é uma contribuição recíproca não só para o judiciário gaúcho onde pesquisei ou para o judiciário maranhense, para onde voltei. Eu acredito que a contribuição do livro, e não só dele, mas de todas as vozes que se somam nesse processo, é para a sociedade, para o gênero feminino, para a liberdade, para o enfrentamento à violência, para a não-violência.

 

4. Qual a importância de debater esse tema?

Eu acredito que a importância desse debate está, primeiro, no enfrentamento à violência doméstica, à violência contra a mulher, à violência de gênero. É preciso seguir pensando nas estratégias já utilizadas e nas que podem ser inseridas para combater essa forma de violência. Há um déficit de pesquisas, sobretudo empíricas, nessa área e nós precisamos supri-lo. A importância é também de se voltar à realidade brasileira, às especificidades e generalidades dos nossos conflitos e como essa questão se constrói historicamente, pensando o contexto colonial e a interseccionalidade das questões de classe, raça e gênero.

 

5. Qual aprendizado a Doutora teve ao estudar, escrever e analisar o tema?

Eu acho que aprendi a ter menos certezas. Olhar o conflito com uma lente mais ampla tirou um pouco meus pré-conceitos sobre o tema e incorporou muitas perguntas e dúvidas. Mas, ainda que pareça contraditório, eu acho que isso contribuiu e ainda contribui na formação da minha visão sobre o tema, na minha abordagem nas petições, nas audiências, nos artigos, nas falas. Colocar esse processo no livro foi um desafio, mas a ideia de reflexão ampla, de reformulação de certezas e de diálogo genuíno são desafios propostos pela própria justiça restaurativa. Eu vi a realidade das práticas sendo incorporada na vida das pessoas que trabalham essas questões, eu pude vivenciar essas práticas fora dos círculos, no ambiente de trabalho daquelas pessoas, em suas casas, em suas comunidades. Aquilo tudo é uma experiência muito potente e complexa que se reflete no livro, na minha vida, no que me tocou e no que eu toco. O maior aprendizado que eu adquiri nesse estudo foi justamente me colocar mais aberta ao diálogo, questionar minhas certezas, tanto para reconstruí-las como para reafirmá-las.

 

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