Entrevista com autores Giselle Batista, Glaison Rodrigues, Felipe Bicalho e Alessandra da Rosa

13/05/2020

A entrevista de hoje foi feita com os autores da obra Lei de Abuso de Autoridade. O título já está disponível para compra no nosso site.

 

1) Poderia falar um pouco sobre o tema do livro?

R.: O livro trata especificamente da Lei de Abuso de Autoridade aprovada pelo Congresso Nacional no ano de 2019 e que entrou em vigor neste início do ano de 2020. Esta lei teve grande repercussão nacional desde a sua tramitação até os dias atuais, sendo objeto de calorosos debates de profissionais do direito e também da população em geral. Uma parcela das pessoas se posiciona a favor da novel legislação, considerando-a um avanço normativo que revogou a Lei de Abuso de Autoridade anterior (Lei nº 4.898/65). Outra parcela é contrária à lei sob o argumento principal de que a sua aprovação teria sido inoportuna e reativa, tendo por fim limitar o poder de punir do Estado através da imposição de uma mordaça aos agentes públicos responsáveis pela persecução penal, além de limitar magistrados responsáveis por julgar casos de grande repercussão nacional, a exemplo da conhecida Operação Lava Jato. O livro, elaborado por quatro autores, sendo dois agentes públicos atuantes na persecução penal e dois advogados criminalistas, faz uma análise detalhada de cada um dos artigos da Lei de Abuso de Autoridade, destacando os pontos positivos e negativos dos dispositivos da lei, além de promover críticas pontuais, aventar inconstitucionalidades e apresentar uma visão multiprofissional sobre o tema. O livro tem a pretensão de atender tanto aos estudantes de graduação e de pós-graduação, quanto aos advogados e aos inúmeros profissionais que atuam na seara criminal, sejam policiais, membros do Ministério Público e magistrados.

 

2) Qual o processo de criação do livro?

R.: Os quatro autores, além de professores e profissionais com atuação no âmbito criminal, são estudantes da Pós-graduação em de Direito da PUC-Minas, na linha de pesquisa Intervenção Penal e Garantismo, e lá se conheceram, sendo instados a estudar o tema Abuso de Autoridade com maior profundidade em decorrência da efervescência das discussões no segundo semestre do ano de 2019. Nesse contexto, os autores se propuseram a escrever o livro, dividindo os diversos temas em quatro partes que foram submetidas à revisão, críticas e apontamentos realizados por cada autor, situação que gerou inúmeros debates e um enriquecimento de conteúdo, sendo até mesmo consignados à parte eventuais posicionamentos dissonantes sobre o mesmo assunto. Desta forma, a criação do livro de nenhuma forma exaure os debates sobre o tema, mas permite que o leitor seja, como nós fomos, provocados a refletir sobre essa importante lei que já vige em nosso ordenamento jurídico, construindo uma visão crítica a fim de promover um debate que fuja do senso comum, reconhecendo nos posicionamentos divergentes uma grande oportunidade de aprimorar os próprios entendimentos. Assim, a criação do livro é fruto de um aprofundado estudo, pautado em uma dinâmica própria na intenção de não apenas repassar conhecimento sobre a lei existente, mas também ressaltar a importância de se pensar para além da norma jurídica.

 

3) O Brasil passa por momentos complexos, qual a maior dificuldade de vocês falarem sobre o tema?

R.: O Brasil vive uma polarização política que tem reflexos diretos no debate da população sobre diversos temas que são delicados, como é o caso da atual Lei de Abuso de Autoridade. Temos uma massiva cultura da vingança que vê na crescente punição penal de titularidade do Estado uma derradeira solução para os problemas criminais, ancorando-se em máximas tais como a de que ‘bandido bom é bandido morto’, situação que, de certa forma, retroalimenta o abuso de autoridade. Nada disso, porém, retira a lastimável marca do Brasil que recentemente descortinou uma rede de corrupção endêmica encrustada nos mais altos escalões do poder estatal que, sem nenhum pudor, se aliou à elite patrimonial e financeira do país para surrupiar o patrimônio público. Em meio a essa tendência voltada à maior repressão estatal reside o Estado Democrático de Direito, característico do Brasil, que possui como fundamento constitucional a dignidade da pessoa humana. Assim, tratar do tema Abuso de Autoridade no Brasil atual exige um rigor técnico muito apurado visando preterir as paixões que deve ceder lugar à reflexões coerentes mas que, certamente, não se descura da realidade social. É nesse contexto de difícil ajuste que nos propusemos a escrever este livro, reverberando posicionamentos que possam permitir ao leitor um repensar sobre tão caro tema relacionado aos possíveis abusos daqueles que representam o Estado e tem por fim atender aos anseios da sociedade.

 

4) A Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) pode ser considerada inconstitucional?

R.: Em termos de iniciativa e tramitação do projeto de lei, assim como derrubada dos vetos da presidência da república, não vislumbramos qualquer inconstitucionalidade, ao que entendemos inexistir vício formal. Porém, conforme comentamos em cada tipo penal da norma em análise, há crimes na Lei de Abuso de Autoridade que entendemos padecerem de inconstitucionalidade, especialmente em razão da criação de delitos cuja descrição do preceito primário é marcada por uma largueza conceitual, situação que fere a necessária taxatividade. Devemos lembrar que o Direito Penal, que é um fragmento de todo o ordenamento jurídico, tem previsão de crimes que devem descrever, claramente, quais as condutas que poderão ensejar em penas. Porém, no afã de produzir as leis penais, por diversas vezes o Congresso Nacional aprova normas que não descrevem condutas de maneira cabal, deixando margem para discussões sobre a constitucionalidade de alguns dispositivos, como é o caso de alguns crimes por nós comentados no livro. Assim, não obstante a Lei de Abuso de Autoridade seja formalmente constitucional, pode-se discutir a inconstitucionalidade material de alguns de seus dispositivos, situação que somente com o tempo poderemos ter a certeza diante de eventuais manejos de controles de constitucionalidade, seja de forma concentrada, seja difusa. É nesse sentido que convidamos os profissionais e estudantes de direito a ler nosso livro e refletir sobre os comentários que fizemos da Lei de Abuso de Autoridade, tirando suas próprias conclusões e alimentando-se de mais uma fonte para opinar sobre o tema.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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