Entrevista com as coordenadoras da obra Reforma Trabalhista: Um necessário olhar feminino

08/10/2019

A Entrevista de hoje é com as coordenadoras da obra Reforma Trabalhista: Um necessário olhar feminino. A obra já está disponível para compra no nosso site!

Ilse Marcelina Bernardi Lora, Juíza do Trabalho, professora universitária e autora de obras na área do Direito do Trabalho e do Processo do Trabalho

Angélica Candido Nogara Slomp, Juíza do Trabalho e professora universitária

Alessandra Souza Garcia, Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região e professora universitária

 

1. Poderiam falar um pouco sobre a proposta do livro “Reforma Trabalhista: Um necessário olhar Feminino”?

Em 2018, durante os debates em uma das comissões na Semana Institucional do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, formada coincidentemente apenas por mulheres, estas, constatando que o antevisto aniquilamento do direito laboral estava a ganhar contornos de dolorosa realidade, decidiram que a conjuntura reclamava ação firme e vigorosa.

Surgiu então o propósito de elaborar obra coletiva, com abordagem dos principais temas da reforma trabalhista, congregando exclusivamente mulheres. A escolha, longe de caracterizar apologia ao feminismo, tem por fundamento a indispensabilidade de se examinar a reforma sob a perspectiva da mulher, em especial diante da existência de diversos dispositivos que a afetam diretamente.

As mulheres gradativamente vêm conquistando seu merecido espaço na Magistratura, na Academia, na Advocacia e em todos os demais setores da comunidade jurídica. Com sua natural perspicácia, desenvolvida sensibilidade e apurado preparo técnico-jurídico, podem e devem contribuir para o aprimoramento do Estado Democrático de Direito, que tem dentre seus pilares fundamentais a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.

O título desta obra - Reforma Trabalhista: um necessário olhar feminino - nada tem de fortuito. Reflete a orientação seguida por suas idealizadoras por ocasião da escolha dos temas e do direcionamento do convite às coautoras, que se destacam por sua firme atuação em defesa dos direitos sociais.

 

2. Quais os maiores impactos que a reforma trabalhista trouxe para os trabalhadores?

Para a coordenadora Ilse Marcelina Bernardi Lora, a reforma trabalhista atingiu duramente institutos que representam a espinha dorsal do Direito e do Processo do Trabalho. Mais de cem dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho foram afetados.

Citam-se, a título exemplificativo, as inúmeras formas de flexibilização da jornada de trabalho. Destaca-se a permissão de ajuste de banco de horas diretamente entre empregado e empregador, ignorando a condição de hipossuficiência daquele, circunstância que tradicionalmente legitimou a participação da entidade sindical, justamente para promover o equilíbrio de forças.

Embora tenha, de inopino e sem qualquer mecanismo de compensação, ainda que temporário, retirado a compulsoriedade da contribuição sindical, com o consequente estrangulamento dos sindicatos, a nova lei conferiu-lhes amplos poderes para estabelecer negociação coletiva envolvendo pontos cruciais, tais como jornada de trabalho, banco de horas, intervalo intrajornada, trabalho intermitente, participação nos lucros e resultados, teletrabalho, regime de sobreaviso,  trabalho intermitente e planos de cargos e salários.

O caráter deletério da nova legislação mais se acentua quando se verifica o critério utilizado para fixar a indenização por danos extrapatrimonais, que toma por base o valor do salário do trabalhador. Tem-se, então, a seguinte irracionalidade: um trabalhador que receba salário mínimo, sendo vítima de ofensa de natureza grave, terá indenização infinitamente inferior àquela prevista para outro que receba, por exemplo, remuneração equivalente a vinte salários mínimos e que seja alvo de ofensa de mesma natureza.  

No âmbito do Processo, ainda que pessoalmente se entenda que eram necessários mecanismos para correção de eventuais excessos, o que ocorre, por exemplo, com o instituto da sucumbência, desde que aplicado com observância da razoabilidade e da proporcionalidade, certo é que o legislador ordinário ignorou, em diversos momentos, princípios constitucionais relevantes. Pretendeu limitar, por exemplo, a cognição judicial, no exame de Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, ferindo assim o princípio constitucional basilar do acesso à justiça.

Mesmo com todos os excessos, alegadamente fundados na necessidade de gerar novos postos de trabalho, a realidade demonstra que tanto não se concretizou. Passados quase dois anos, o mercado de trabalho se mostra ainda mais precário e a economia  não despertou de seu estado de latência.

 

3. A Lei 13.467/17 (Reforma Trabalhista) trouxe melhorias que não tínhamos antes?

Tornou mais claras, por exemplo, as obrigações do sócio retirante, sobre o que pairava incerteza, em razão das diferentes interpretações conferidas ao tema, elucidou a matéria relativa aos períodos da jornada que não considerados como à disposição do empregador, impôs multa ao empregador que mantiver empregado não registrado nos termos do art. 41 da CLT e regulamentou, embora com flagrantes inadequações, o teletrabalho.

No âmbito processual, o instituto da sucumbência impôs maior cautela, especialmente aos advogados, inibindo ações manifestamente temerárias. Todavia, em muitas situações a nova regulamentação está a obstar postulações presumidamente viáveis, diante do verdadeiro pânico gerado pela possibilidade de imposição de pagamento  ao trabalhador das verbas decorrentes de eventual sucumbência, especialmente em razão do viés interpretativo conferido por parte da magistratura, que vem aplicando o instituto de forma implacável, rígida, com desconsideração dos princípios do Direito e do Processo do Trabalho. Observa-se com desalento que, em algumas situações, escudado em filigranas processuais, o magistrado pura e simplesmente determina a extinção do processo, sem resolução do mérito, como se acionar o Judiciário fosse, a partir da nova lei, uma transgressão.

Ante esse cenário, a redução de processos trabalhistas está longe de ser avanço gerado pela reforma trabalhista. Trata-se, isto sim, de efeito perverso. As lesões aos direitos trabalhistas não deixaram de ocorrer. Pelo contrário, tornaram-se ainda mais graves diante da permissividade ditada pela nova legislação. O trabalhador, acuado pelos possíveis ônus decorrentes de eventual sucumbência, estridentemente apregoados em todas os quadrantes da sociedade, deixa então de exercer seu direito constitucional de ação.

 

4. O que a obra deseja passar ao leitor sobre a importância desse assunto?

A Lei nº 13.467/17, em vigor desde 11 de novembro de 2017, determinou profundas e inquietantes mudanças no Direito do Trabalho e no Processo do Trabalho. 

Na medida em que aspectos da reforma configuram ofensa a princípios constitucionais e a valores estruturais, a intenção da obra é indicá-los e examiná-los, especialmente sob a ótica da fundamentalidade dos direitos sociais.

Almeja-se, segundo Alessandra Garcia, que esta obra contribua para a harmonização pacífica e justa dos conflitos laborais, com preservação do núcleo essencial dos direitos fundamentais sociais e com o indispensável respeito ao princípio da proibição do retrocesso social.

 

5. Qual é a maior dificuldade de falar sobre esse tema? 

Em primeiro lugar, o açodamento que permeou a elaboração do projeto de lei, sua aprovação pelo Congresso Nacional e a sanção pela Presidência da República.        A sociedade em geral e a comunidade jurídica ficaram à margem, não foram ouvidas, não tiveram oportunidade de expressar sua opinião sobre lei ordinária de tamanha amplitude e de tão considerável impacto.

Perplexos, juízes, advogados e demais operadores jurídicos precisaram, às pressas, inteirar-se da nova lei, escrutiná-la e buscar sentido menos deletério do que a interpretação meramente literal de forma temerária anunciava. Merece especial louvor, a propósito, 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, promovida pela Anamatra, em parceria com outras entidades, que reuniu mais de 600 juízes, procuradores e auditores fiscais do Trabalho, além de advogados e outros operadores do Direito. No evento foram analisadas mais de 300 propostas. Após intensos debates, houve aprovação de 125 enunciados sobre a reforma trabalhista, cujo conteúdo mostrou-se decisivo para orientar a aplicação da nova lei.

Outro grande obstáculo diz respeito à dificuldade de o jurista se fazer ouvir quando aponta os aspectos danosos, em especial ao trabalhador, da nova lei, em um cenário de intensos encômios a seu conteúdo, em geral patrocinados pelos segmentos que dela se beneficiam.      

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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