Entrega vigiada e ação controlada – Por Ricardo Antonio Andreucci

12/01/2017

Dentre os meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas, a revogada Lei n. 9.034/95 já cuidava da “ação controlada”, instrumento de larga utilização no combate ao crime organizado, que consistia, na redação daquela lei, em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.

Sob aquela sistemática, a característica principal da ação controlada era justamente o retardamento da intervenção policial, apesar de o fato criminoso já se encontrar numa situação de flagrância, permitindo a efetivação do chamado “flagrante prorrogado ou diferido”.

A ação controlada, na lei revogada, prescindia de autorização judicial, ficando ao prudente arbítrio da autoridade policial e seus agentes.

Não se pode olvidar, entretanto, do instituto correlato da “entrega vigiada”, que é um procedimento previsto e recomendado pelas Nações Unidas, na Convenção de Viena de 1988 (Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas), aprovada pelo Decreto Legislativo n. 162, de 14-9-1991, e incorporada ao nosso ordenamento jurídico pelo Decreto n. 154, de 26-6-1991.

Os arts. 1º, I, e 11 da referida Convenção Internacional conceituam entrega vigiada, nos seguintes termos:

“Artigo 1º (...)

l) Por ‘entrega vigiada’ se entende a técnica de deixar que remessas ilícitas ou suspeitas de entorpecentes, substâncias psicotrópicas, substâncias que figuram no Quadro I e no Quadro II anexos nesta Convenção, ou substâncias que tenham substituído as anteriormente mencionadas, saiam do território de um ou mais países, que o atravessem ou que nele ingressem, com o conhecimento e sob a supervisão de suas autoridades competentes, com o fim de identificar as pessoas envolvidas em praticar delitos especificados no § 1º do artigo 3º desta Convenção.

(...)

Artigo 11. Entrega Vigiada

1. (...), as Partes adotarão as medidas necessárias, dentro de suas possibilidades, para que se possa recorrer, de forma adequada, no plano internacional, à entrega vigiada, com base nos acordos e ajustes mutuamente negociados, com a finalidade de descobrir as pessoas implicadas em delitos estabelecidos de acordo com o § 1º do artigo 3º e de encetar ações legais contra estes. (...) 3. As remessas ilícitas, cuja entrega vigiada tenha sido negociada, poderão, com o consentimento das Partes interessadas, ser interceptadas e autorizadas a prosseguir intactas ou tendo sido retirados ou subtraídos, total ou parcialmente, os entorpecentes ou substâncias psicotrópicas que continham”.

Inclusive, a Convenção de Palermo, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n. 5.015, de 12-3-2004, define a “entrega vigiada”, como “técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática”.

Entre nós, a entrega vigiada veio tratada na Lei n. 10.409/02, antiga Lei de Entorpecentes, que, no art. 33, II, previa “a não atuação policial sobre os portadores de produtos, substâncias ou drogas ilícitas que entrem no território brasileiro, dele saiam ou nele transitem, com a finalidade de, em colaboração ou não com outros países, identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Atualmente, a Lei n. 11.343/06, Lei de Drogas, traz disposição semelhante no art. 53, II, dispondo sobre “a não atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Em suma, o objetivo dessa forma de investigação é permitir que todos os integrantes da rede de narcotraficantes sejam identificados e presos, além de garantir maior eficiência na investigação, uma vez que, se a remessa da droga é interceptada antes de chegar ao seu destino, será ignorado o destinatário ou, se conhecido, não se poderá incriminá-lo. Por razões de política criminal, considera-se mais conveniente não interceptar imediatamente o carregamento de droga, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, para conseguir um resultado mais positivo, qual seja, o desbaratamento de toda a organização criminosa.

A meu ver, entretanto, a Lei n. 12.850/13, de certa forma, fundiu os institutos da “ação controlada” propriamente dita e da “entrega vigiada”, chamando tudo de “ação controlada”.

Isso porque o art. 8º explicita que a ação controlada consiste em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações. E, no art. 9º, cuida do que seria uma verdadeira “entrega vigiada”, aduzindo que se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, instrumento ou proveito do crime.

Ademais, pela Lei n. 12.850/03, o retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá seus limites e comunicará ao Ministério Púbico. Essa comunicação deverá ser sigilosamente distribuída de forma a não conter informações que possam indicar a operação a ser efetuada.


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