“Preguntar si somos producto de los genes o el ambiente es como preguntar si lo que determina el área de un rectángulo es lo largo o lo ancho”.
Donald Hebb
Afortunadamente, a constituição da natureza humana impede o predomínio absoluto de qualquer teoria. Por funestamente poderosas que tenham sido ou sejam as teorias jurídicas, a natureza humana as supera em força e amplitude, e ainda que os dogmas possam pôr em dúvida a seu crescimento e entendimento, não podem impedi-lo de todo. A atenção (deliberada ou não, explícita ou implícita, consciente ou inconsciente) à ideia da natureza humana possui uma força que não pode refutar completamente nenhuma teoria e garante sua vitória final sobre todas as perversões dogmáticas.
Por certo que é de velha data o (obsoleto) debate conhecido como natura versus nurtura (que discute sobre que coisas se devem à herança genética e quais são o produto do entorno ambiental e cultural) e que o estudo das implicações filosóficas e/ou jurídicas da natureza humana sempre esteve e estará rodeado de polêmica. A teoria da seleção natural de Darwin jamais haveria encontrado tanta oposição social se não houvesse sido aplicável a nós mesmos. E não são poucos os juristas que demonstram abertamente uma séria renitência ante a evidência de que, se queremos ter êxito como sociedade e que nosso conhecimento dependa em menor medida de obsoletas crenças que insistem em meter em quarentena as ciências da natureza humana e excluí-las do esforço por compreender a importância das explicações (realistas e factíveis) da condição humana no contexto do Direito, necessitamos entender nossa natureza.
O pequeno inconveniente – apesar de que não há nada que admire mais dos juristas que sua capacidade para produzir mitos – é que, sejam quais forem as posturas jurídicas que tomamos ou as sensibilidades ideológicas que abraçamos, enquanto não entendamos como é a natureza humana continuaremos equivocados. Daí que os descobrimentos mais recentes no âmbito das chamadas ciências ponte outorgam um espaço cada vez maior à dimensão natural do humano, sem negar por isso a importância devida ao ambiente, à educação e à história. Convidam-nos a relativizar a ideia “espiritualista” segundo a qual o homem seria uma “criatura” absolutamente aparte, metafisicamente distinta do resto dos seres vivos.
Desde um ponto de vista científico, o fato de compreender a importância desse novo desafio para o pensamento (que tanto o filósofo como o agente do direito já não podem mais elidir) implica que a busca dos fundamentos naturais de nossos comportamentos, normais ou desviados, que durante muito tempo se considerou um tabu e foi suscetível das piores conotações políticas e ideológicas, tende a converter-se hoje em uma evidência para uma parcela considerável de filósofos.
E a despeito de que sempre haverá algum filósofo esquisito, um desses demasiado inteligente que diga que isto não é mais que literatura científica, o certo é que o sapiens é um ser natural, um animal mais. Sem dúvida que estamos dotados de habilidades excepcionais como a linguagem, certas formas muito específicas de inteligência, uma original relação com o tempo, com os valores éticos, políticos, estéticos..., mas essas formas específicas são unicamente o resultado de processos de adaptação que, no fundo, não se distinguem dos processos aos que tiveram que recorrer para sobreviver os chimpanzés, as formigas e os canários.
Dito de outro modo, depois de todos os avanços no conhecimento sobre nossa natureza que tiveram lugar no último século não há nenhum motivo legítimo para ver em nossas faculdades nada que possa considerar-se literalmente “sobrenatural”: situado mais além da natureza, transcendendo ao mundo biológico e estabelecido exclusivamente no mundo cultural. São produtos de nossa maquinaria cerebral, tanto como são produtos de nosso entorno cultural.
Em resumo, nosso programa filogenético e ontogenético torna possível o desenvolvimento de um cérebro dotado de umas emoções e de umas capacidades de aprendizagem que foram premiadas pela seleção natural. Desse modo, as artes, as humanidades e as ciências sociais podem ver-se como o estudo dos produtos de certas faculdades do cérebro humano. Ditas faculdades incluem a linguagem, o juízo ético-jurídico, o sentido moral, o amor, a lealdade, o altruísmo, a rivalidade, os sentimentos até os parentes e os aliados, a obsessão pelos temas da justiça e muitos outros.
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