“La filosofía ha muerto; en este caso, la han matado los mismos profesores de filosofía,… los filósofos profesionales, esos especialistas en todo y en nada que, sin dominar ninguna técnica científica, tienen la insolencia de atreverse a hablar de todo lo divino y lo humano”.
Manuel Sacristán
O êxito e a aceitação das ciências naturais puseram aos cientistas sociais ante um dilema. Por um lado, bem admitir a fiabilidade epistemológica das ciências naturais e fazer compatíveis suas asseverações sobre a realidade humana com as das primeiras. Por outro lado, a alternativa é entregar-se à ingrata e nada prometedora tarefa de construir uma barreira metafísica baseada em visões tão pouco modernas como a crença em uma alma imortal ou uma cosmovisão que incluía a crença no sobrenatural.
Embora não necessite aclarar que “as alternativas se excluem”, só os néscios consumados e os cegados pela vaidade podem negar que os surpreendentes descobrimentos logrados pelas ciências naturais não somente alteram radicalmente nossa representação do mundo, senão que também afetam, sobremaneira, a maioria das questões tradicionais da metafísica. De fato, nos dias que correm, nenhuma filosofia, por pouco séria que pretenda ser, deveria ignorar os resultados dos novos campos de investigação que trabalham para oferecer uma ponte que conecte distintos âmbitos de conhecimento para entender “la clave de todo lo humano”, quer dizer, entre a natureza e a sociedade, a biologia e a cultura, em forma de uma explicação científica da mente, do cérebro e da natureza humana.
Nem todos estão de acordo com este diagnóstico, por certo. Mas as evidências empiricamente contrastáveis gritam e o número de trabalhos que continuamente desmantelam a larga lista de «ciências vodus» em voga no momento sobram. Por exemplo, a neurociência, e em especial a neurociência cognitiva, buscando estabelecer uma ponte entre a mente e a matéria, é o estudo das bases neuronais do pensamento, da percepção, da memória, da emoção e da relação cérebro/mente ou, o que é o mesmo, dos mecanismos cerebrais que nos ajudam a entender a função dos genes na configuração do cérebro, o papel dos sistemas neuronais na percepção do entorno e a relevância da experiência como princípio de orientação nas ações futuras.[1]
De acordo com a genética do comportamento, para seguir com exemplos, todo o potencial para o aprendizado e a experiência complexa que distingue aos humanos de outros animais reside no material genético que contém o óvulo fertilizado. Começamos a dar-nos conta de que o desenho a nível de espécie do intelecto e a personalidade humana, assim como muitos dos detalhes que distinguem a uma pessoa de outra, têm importantes raízes genéticas[2]. Já com relação à ciência cognitiva, um de seus principais objetivos é o de identificar os algoritmos de aprendizagem que subjazem à linguagem e a outros logros cognitivos. O cérebro, ao longo da história da humanidade, esteve em constante crescimento e a ciência cognitiva se esforça por compreender seu funcionamento e aportar novos dados sobre a plasticidade e a capacidade do mesmo.[3]
Por último, ainda que não menos importante, nos deparamos com uma série de trabalhos a que denominou de psicologia evolucionista e cujo propósito é o de estudar a história filogenética e as funções adaptativas da mente humana. Neles se define dita psicologia como a que integra o conhecimento da biologia evolutiva, assumindo que entender o processo que levou à formação da mente humana permite compreender seus mecanismos. Um tipo de enfoque que parte de quatro premissas essenciais: i) há uma natureza e uma conduta humana universal mais além das diferenças culturais; ii) os mecanismos psicológicos que definem dita natureza, se desenvolveram ao igual que em outras espécies, por seleção natural; iii) os fatores ambientais que condicionaram dita seleção natural ocorreram no Pleistoceno e não em circunstâncias atuais; iv) a mente funciona de forma modular.[4]
Diante deste panorama científico mais amplo e inovador a «torre de marfim» que ainda se mantém em torno ao conhecimento jurídico é em realidade um cárcere de ouro, uma prisão prenhe de indivíduos que contribuem a salvaguardar o desconcerto que rodeia o Direito, onde muitos se dedicam a cultivar uma refinada e anedótica vaidade “academicista”, dedicados a abstrusas elucubrações amiúde superlativamente ideológicas e sempre a expensas da investigação empírico-científica e/ou da colaboração com as demais ciências (sociais e naturais).
Para dizê-lo com toda simpleza: nenhum filósofo do direito consciente das implicações práticas que sua atividade provoca, quase cotidianamente, no espaço público, quero dizer, nenhum filósofo do direito intelectualmente honrado, e que queira propugnar de verdade sua causa (quer dizer, honrado também na ação), pode desconsiderar a questão última do pensamento moderno de que existe uma natureza humana comum cujo núcleo constitui o fundamento de toda a unidade social, ético e cultural: nossos valores, normas e imperativos morais/jurídicos mais apreciados, que não subsistiriam por si mesmos à margem da biologia humana e das condições culturais, são parte da história natural de nossa espécie e fruto de nossas interações sociais diárias.
Notas e Referências:
[1] Trata-se de uma ciência que está substituindo paulatinamente ideias como a concepção dicotômica mente-cérebro, o livre-arbítrio, a “alma” que entra no óvulo fertilizado no momento da concepção (que Francis Crick denominou de “a hipótese assombrosa”) e um largo etcétera. Que todos os aspectos do pensamento, do razoamento e do sentimento humano são manifestações da atividade fisiológica do cérebro já é uma evidência. A mente é o que faz o cérebro e em particular o processamento da informação que este leva a cabo. De fato, toda forma de atividade mental – toda emoção, todo pensamento, toda memória, toda percepção – produz sinais elétricos, magnéticos ou metabólicos que as novas tecnologias como a tomografia de emissão positrônica, a ressonância magnética funcional, a eletroencefalografia e a magnetoencefalografia são capazes de ler com crescente precisão e sensibilidade. Assim que por mais assombrosa que possa resultar a inseparável vinculação mente-cérebro, as provas em seu favor são cada vez mais contundentes. Hoje já se podem estabelecer muitos laços de causa e efeito entre um sucesso físico, por um lado, e um sucesso mental, por outro. William Safire acunhou o termo neuroética para designar “o âmbito da filosofia que trata sobre os aspectos bons e maus do tratamento ou a potencialização do cérebro humano” e que tem como objetivo recorrer ao que sabemos sobre o funcionamento do cérebro para definir melhor o que significa ser humano e como devemos interagir socialmente: é o cérebro o que sustenta, controla e gera o sentido da identidade e da personalidade, a percepção do outro e a essência humana (M. Gazzaniga). Desse modo, a partir desta nova filosofia de vida com um fundamento cerebral, o funcionamento do cérebro revela um impressionante grau de complexidade, algo que entra em plena consonância com a igualmente alarmante complexidade do pensamento e da experiência humana.
[2] Os últimos anos também viram os descobrimentos de marcadores genéticos, genes e às vezes produtos genéticos para certos aspectos da inteligência, a cognição espacial, o controle da fala e traços de personalidade como a busca de sensações ou o excesso de ansiedade. Trata-se de uma postura científica segundo a qual nossos genes nos proporcionam as matérias-primas a partir das quais podemos erigir nossos comportamentos e nossas emoções: são eles que definem, em última instância, o tipo de sistema nervoso que vamos ter, os modos de funcionamento mental que este poderá desenvolver e os tipos de funções corporais que ele poderá controlar. O objetivo, portanto, é buscar definir quais são as bases biológicas de suas contribuições únicas para a personalidade, o comportamento e as emoções humanas – enfim, para a caracterização da natureza humana.
[3] Muitos pensadores acreditam que existe uma distinção fundamental entre o comportamento humano e outros eventos físicos. Enquanto que o comportamento físico tem causas, dizem, o comportamento humano tem razões. Nada obstante, na década de 1950 a “revolução cognitiva” unificou a psicologia, a linguística, a informática e a filosofia da mente em torno de uma nova e poderosa ideia: a de que a vida mental podia explicar-se em termos físicos a partir dos conceitos de informação, computação e retroalimentação, isto é, como manifestação da atividade fisiológica do cérebro. Dito claramente: nossas crenças, pensamentos, desejos, sentimentos e memórias não são outra coisa que informação, a qual reside em certas estruturas e padrões de atividade cerebral (S. Pinker). Nota bene: os livros de J. LeDoux e A. Damasio são uma leitura recomendável para o estudo sobre a origem e evolução da ciência cognitiva até o reconhecimento científico atual da importância de explorar a natureza inconsciente dos processos (modulares) cognitivos e emocionais, assim como da necessidade de insistir na hipótese acerca da integração harmoniosa entre cognição e emoção nessa máquina assombrosa que é o cérebro humano.
[4] Comparada com as teorias freudianas, a psicologia evolucionista resulta muito mais satisfatória. Por exemplo, uma de suas primeiras providências foi incorporar os sucessos da sociobiologia e utilizá-los em suas disputas com outros movimentos intelectuais: é crível que os seres humanos evitem o incesto em virtude da seleção contra as tendências a praticar o coito com parentes próximos, consideradas as consequências genéticas deletérias da homozigose extensa (algo assim como se o cérebro humano estivesse programado para seguir uma regra simples: não tenhas interesse sexual por aqueles que estiveste intimamente ligado durante as primeiras etapas de tua vida). Como é fartamente sabido, a alternativa freudiana era (é) um palavrório sobre complexos edipianos, recalcamento e negação, uma mistura de disparates vodus com total descaso à necessidade de pesquisas empíricas que pudessem colocar suas confiantes conjecturas perante o tribunal das provas. Por outro lado, há que distinguir entre a psicanálise como (discutível) método terapêutico e como teoria ou modelo da mente humana. A possível “eficácia” de uma terapia não depende da veracidade da teoria que a justifica. Basta com pensar nos casos de eficácia terapêutica dos placebos ou de cura pela fé. Os filósofos da ciência do século XX submeteram a psicanálise a uma rigorosa análise crítica. O resultado foi uniformemente devastador, ainda que a devastação tomou duas formas distintas. Segundo alguns autores, como Karl Popper, a psicanálise é uma doutrina incontrastável e irrefutável, pelo que não pode ser tomada em sério como teoria científica. Segundo outros autores, como Adolf Grünbaum, a psicanálise sim é uma teoria contrastável, já foi contrastada e resultou ser falsa. Resumindo: a psicanálise como teoria científica sai sempre mal do escrutínio epistemológico porque está repleta de afirmações extraordinárias, e nem Freud nem seus seguidores demonstraram jamais suas asseverações; nem com provas extraordinárias nem com indícios relativamente razoáveis. Apesar de haver lançado ao mundo as ideias talvez mais surpreendentes sobre a psicologia humana, a psicanálise (como verdadeira pseudociência) não o fez após considerá-las provadas: ideias que às vezes padecem de uma falsidade patente e outras que são simplesmente indemonstráveis. Para dizê-lo de alguma maneira mais simples, embora persista na opinião popular como um dos cânones principais da prática psicológica, a psicanálise, quando foi posta à prova, demonstrou ser menos eficaz que o placebo, suas teorias já foram refutadas e nenhum cientista ou praticante sensato a toma em sério nos dias que correm. Em palavras de Robert Todd Carroll: “La teoría psicoanalítica es posiblemente el abuelo de toda psicoterapia pseudocientífica, solo superada por la cienciología como el proveedor campeón de afirmaciones falsas y engañosas sobre la mente, la salud y la enfermedad mental."
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