Enigma quântico

11/03/2018

O enigma quântico é o mistério decorrente do fato de que, segundo a orgânica quântica, o observador condiciona o que pode ser observado, abrindo uma porta de ligação entre física e consciência.

Existe uma frase famosa de Ludwig Wittgenstein: “As fronteiras da minha linguagem são as fronteiras do meu universo”; que, como se vê, associa os conceitos do indivíduo ao seu mundo pessoal. Como o enigma quântico está na base da ciência atual, é importante que o referido símbolo esteja na linguagem científica, necessária para explicar o mundo. A simbologia do cientista condiciona, portanto, sua visão de mundo, com o que concordo, ainda que tal simbologia não seja ainda totalmente científica, em termos canônicos, dados o reducionismo e a fragmentação do conhecimento ortodoxo atual.

Nesse sentido, o próprio Einstein se debruçou sobre o mistério quântico, não conseguindo decifrá-lo. Ouso dizer, por mais polêmico que isso possa parecer, que o principal motivo de Einstein não ter logrado resolver o enigma quântico está no fato de não ser ele um Cristão, porque “ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27). O conhecimento da ordem cósmica, da Lei, do Pai, outrossim, é o conhecimento do Todo, da parte e da proporção, pelo Logos encarnado. Nesse ponto, qualquer um que não seja Cristão não tem condições intelectuais de entender plenamente o mundo, por carecer da simbologia ou linguagem necessária para tanto, a da totalidade, e digo isso referindo-me ao autêntico Cristão, e não àquele que assim se denomina, não se tratando de uma questão nominal, mas essencial, e por isso até mesmo quem não se chama Cristão pode ser um verdadeiro Cristão, que é aquele que pauta sua vida pela obediência à Razão plena, ao Logos, a Deus, no ministério público da solidariedade, que vive segundo um Espírito Santo, pela vontade de Vida, mesmo que essa simbologia seja inconsciente para a pessoa, porque o inconsciente também age em nós.

Conheço dois bons livros sobre o tema: “O enigma quântico: desvendando a chave oculta”, de Wolfgang Smith, e “O enigma quântico: o encontro da física com a consciência”, de Bruce Rosenblum e Fred Kuttner; o primeiro já citado em artigos anteriores, e o último lido recentemente.

“A interpretação de Copenhague considera portanto dois reinos: o reino clássico, macroscópico, dos nossos instrumentos de medida, governado pela física clássica; e o e o reino quântico, microscópico, de átomos e outras coisas pequenas, governadas pela equação de Schrödinger. A interpretação argumenta que jamais lidamos diretamente com objetos quânticos do reino microscópico. Logo, não precisamos lidar com sua realidade física – ou a falta dela. Uma 'existência' que permite calcular seus efeitos sobre nossos instrumentos macroscópicos é perfeitamente suficiente. (…)

A maioria dos físicos, desejando evitar problemas filosóficos, aceita prontamente a versão de Bohr da interpretação de Copenhague” (Bruce Rosenblum e Fred Kuttner. O enigma quântico: o encontro da física com a consciência. Trad. George Schlesinger. Zahar. Edição digital: maio de 2017, pp. 182-184).

Explicando o enigma quântico, os autores completam:

“Na história do capítulo 8, um objeto pequeno é enviado para dentro de um par de caixas bem separadas. Olhando dentro das caixas, você sempre acha o objeto inteiro numa única caixa, e a outra caixa vazia. Segundo a teoria quântica, porém, antes de ser observado, o objeto estava simultaneamente em ambas as caixas, não inteiramente numa caixa só. Um experimento de interferência, que você poderia ter escolhido, estabelece esse fato. Logo, pela sua livre escolha, você poderia demonstrar qualquer uma das duas realidades anteriores contraditórias. Mesmo que a tecnologia atual limite a exibição de fenômenos quânticos a coisas muito pequenas, a teoria quântica presumivelmente se aplica a tudo – de bolas de beisebol a átomos. Copenhague precisa tornar essa estranheza aceitável” (Idem, p. 185).

Finalmente, a crítica decisiva à referida interpretação: “A interpretação de Copenhague evita envolver a física com o observador consciente redefinindo o que tem sido a meta da ciência desde a Grécia antiga: explicar o mundo real” (Idem, p. 189 – grifo meu).

Como se pode ver, a interpretação de Copenhague é deficiente em termos científicos, abandonando a pretensão de integridade do conhecimento, rejeitando a meta original da ciência e da filosofia, por isso a necessidade de superá-la, na busca do retorno da unidade do saber, e por isso sigo a proposta de David Bohm conjugada com a Teologia Cristã. Saliente-se que a especulação filosófica, espelhando a natureza em palavras era o procedimento científico original.

“Quando especialistas discordam, você pode escolher um deles. Como o enigma quântico surge do experimento quântico mais simples, sua essência pode ser plenamente apreendida com pouca formação técnica. Não especialistas podem portanto chegar a suas próprias conclusões. Esperamos que as suas, como as nossas, sejam tentativas.

Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a sua vã filosofia.

SHAKESPEARE, Hamlet” (Idem, pp. 371-372).

Normalmente o enigma é colocado na perspectiva de que o objeto, no nível quântico, quando em estado de superposição, está em dois lugares ao mesmo tempo antes da observação, e somente quando observado é criada sua posição, pelo ato mesmo de observá-lo.

Contudo, talvez seja necessário inverter a posição do polo do problema para a resolução desse enigma, de modo a colocar o observador, e não o objeto da observação, em dupla posição, em estado de superposição, antes da observação.

Apenas nós humanos possuímos a qualidade plena de observadores, porque recebemos o Espírito de Deus, o autêntico Observador, e somente nessa qualidade podemos nos colocar em dois lugares ao mesmo tempo, em decorrência desse atributo divino a nós concedido, a onipresença do Espírito, da Ideia, do Logos.

Enquanto encarnados, recebemos informações simultâneas do corpo, local, e do Espírito, não local, ainda que muitos não percebam essa situação, como o peixe que não entende o oceano à sua volta.

Na carne ocorre uma infinidade de trocas quânticas, localmente, e essa infinidade é a causa da falta de certeza sobre a posição e velocidade das partículas, porque a medição material é sempre feita pela troca de partículas, como fótons ou elétrons, essa medição é limitada pelo princípio da incerteza. Os corpos físicos estão em constante interação com o meio, recebendo e transmitindo partículas, tendo a velocidade da luz como limite dessas trocas locais.

Contudo, o homem possui a dimensão espiritual, que não é limitada pela incerteza, porque transcende a posição e a velocidade das partículas, dimensão regulada pela interferência, pelos campos ideais de maior ou menor amplitude. O campo quântico, regido pelo potencial quântico, tem comprimento de onda infinito, é não local e onipresente, enquanto o campo material tem o comprimento limitado ao espaço de Planck, é local.

Assim, além da dimensão corporal local, regida pela relatividade, existe um reino não local, referente ao campo quântico e sua respectiva unidade, mantida independentemente da distância entre as partículas vinculadas a essa unidade, por meio do emaranhamento quântico, que une também corporalmente, ainda que muito sutilmente, as partículas. Nesse sentido existe uma unidade ideal ou espiritual, que une materialmente partículas num mesmo sistema. Apenas o homem, por possuir o Espírito, tem a capacidade de atingir a dimensão não local, do contexto mais amplo, daí a relação entre consciência e orgânica quântica, porque consciência está relacionada a contexto, a sutil adequação dos fenômenos a um sentido inteligível.

Toda vez que o homem se liga ao campo quântico, ele se emaranha com todo o universo, desprendendo-se de suas interações locais, como ocorre quando divaga, e por isso não saberá onde estará na sua posição de retorno à influência material ou corporal, retorno sempre sensorial, pelo corpo, que acarreta troca de partículas, e daí a incerteza.

Do mesmo modo como o enigma quântico indica uma escolha do observador, que define como será encontrada a realidade, na localidade ou por interferência, o homem tem o livre-arbítrio, de se unir espiritualmente com Deus, com Seu Espírito, ou vincular-se exclusivamente à sua unidade corporal. Mas mesmo quando se restringe ao corpo, o homem continua no Espírito, que por natureza é não local, sofrendo influências ou interferências espirituais inconscientes, ao ignorar o contexto mais amplo da sua realidade.

Escolher a exclusividade corporal implica a negação da realidade espiritual, que continua agindo na pessoa, sujeitando-se à ignorância e permitindo a ação inconsciente arquetípica, como ocorre em casos chamados de possessões demoníacas ou surtos psicóticos, quando o corpo está em um local e depois em outro, sem a consciência dos motivos ou causas que levaram de um ponto ao outro.

Portanto, o enigma quântico é causado pela superposição quântica do observador, que tem a capacidade de mudar seu campo de interferência, sua perspectiva, o que ocorre por meio de saltos quânticos sem transição entre as fases, e em cada salto o nível anterior se altera fisicamente, pela perda ou ganho de partícula/energia, fazendo com que a situação futura daquele nível se torne imprevisível.

Somente é possível passar do contexto mais amplo da interferência para o contexto mais restrito da localidade por meio da interação quântica em salto, existindo um significado não local para aquela posição local da medição, que não é passível de ser compreendido localmente, porque o contexto corporal é naturalmente limitado pela relatividade, que não alcança a unidade quântica não local, o contexto da unidade simbólica mais ampla da realidade. Portanto, a ação local não pode ficar limitada ao contexto local, porque o significado da localidade é definido pelo contexto não local, pelos símbolos ou linguagens da totalidade ilimitada. Como diz o ditado: “pense globalmente e aja localmente”.

Assim, no nível do Espírito, o homem tem a capacidade de sair mentalmente do espaço-tempo, de se colocar em dois lugares ao mesmo tempo, e dessa possibilidade imaginativa surgiu a ciência, que conecta os fenômenos ao usar a criatividade e o pensamento humano, os quais não são limitados materialmente e não se restringem ao limite físico da relatividade ou da velocidade da luz. Essa capacidade humana de sair do espaço-tempo é o que provoca o enigma quântico, no nível corporal.

Essa é a velha sabedoria dos antigos. O apóstolo Paulo já falava do emaranhamento quântico, narrando sobre a união do homem com a mulher e de Cristo com a Igreja, sua comunidade, dizendo que “é grande esse mistério”, ou enigma quântico, essa união que faz de dois corpos um só, a unidade material mais sutil, e ainda assim real.

“Assim também os maridos devem amar as suas próprias mulheres, como a seus próprios corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo, pois ninguém jamais quis mal à sua própria carne, antes alimenta-a e dela cuida, como também faz Cristo com a Igreja, porque somos membros do seu Corpo. Por isso deixará o homem o seu pai e a sua mãe e se ligará à sua mulher, e serão ambos uma só carne. É grande este mistério: refiro-me à relação entre Cristo e a sua Igreja. Em resumo, cada um de vós ame a sua mulher como a si mesmo e a mulher respeite o seu marido (Ef 5, 28-32).

Já no princípio da Bíblia é narrada a união entre homem e mulher, no entrelaçamento quântico, quando os dois se tornam uma só carne: “Por isso um homem deixa seu pai e sua mãe, se une à sua mulher, e eles se tornam uma só carne” (Gn 2, 24).

Assim como no entrelaçamento quântico as partículas se tornam um corpo, do mesmo modo é a união entre o homem e a mulher no casamento, tornando-se os dois um só corpo, e também essa é a unidade da assembleia dos Cristãos, que vivem no Espírito de Deus, em união com Ele, no e pelo Logos, em um só Corpo e um só Espírito.

Essa unidade quântica restabelece uma unidade primordial, a unidade cósmica, que tem origem no Princípio, em Deus, na sua criação, quando tudo estava emaranhado quanticamente.

Tal é a união decorrente do casamento: “Ele disse: 'Moisés, por causa da dureza dos vossos corações, vos permitiu repudiar vossas mulheres, mas desde o princípio não era assim. E eu vos digo que todo aquele que repudiar a sua mulher — exceto por motivo de 'fornicação' — e desposar uma outra, comete adultério'” (Mt 19, 8-9).

Portanto, como já indicado no artigo “Eucaristia quântica” (http://emporiododireito.com.br/leitura/eucaristia-quantica-por-thiago-brega-de-assis), o enigma quântico é o mistério Cristão, também vivendo o Cristão numa incerteza corporal, mas na certeza da fé, que, movido pelo Espírito, abandonando a carne e a localidade, aceita o Reino de Deus e nele vive, submetido à Vontade de Deus.

Respondeu-lhe Jesus: 'Em verdade, em verdade, te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito. Não te admires de eu te haver dito: deveis nascer do alto. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito'” (Jo 3, 5-8).

 

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