Endurecimento de penas sua inefetividade: o caminho inverso e ineficiente do pacote “anticrime”                

31/05/2019

Coluna Não nos Renderemos / Coordenadores: Daniela Villani Bonaccorsi Rodrigues e Leonardo Monteiro Rodrigues

O termo “endurecimento de penas” surge e ganha forças no cenário mundial por meio de movimentos considerados punitivistas. No entanto, esse endurecimento almejado é apenas uma medida simbólica, isso porque a ideia de ver os “criminosos” presos simbolizam o sentimento de que os crimes estão diminuindo. Além disso, essa medida simbólica ganha respaldo a partir da espetacularização do processo penal. Isso porque a maior parte da população ignora que crimes estão cada vez mais perto e são cada vez mais comuns. Por esse motivo, o réu é visto como ator, como o inimigo que deve permanecer isolado e distante, não como o ser humano que é, como “qualquer um de nós”. É a partir dessa visão que as pessoas se sentem mais seguras na medida em que o dito criminoso está preso e cumpre uma penas maiores e mais severas dentro da prisão. Em outras palavras, permanece como um ator cada vez mais distante, nesse espetáculo que busca justiça e segurança, por meio de medidas desumanas.

 Essa busca pelo endurecimento de penas instaurou-se na sociedade brasileira nos últimos anos devido a um sentimento de impunidade e de medo, gerando a necessidade de um direito penal rígido e intolerante. Tem-se a ideia de que faltam esforços por parte do governo para prender e acabar com a corrupção e violência generalizada que “tomou conta” do país.  

 O aumento da punição como solução para a segurança pública é marca de várias sociedades e de se buscar formas de corresponder expectativas de falsa segurança [1]. A busca pelo endurecimento do sistema e o problema de segurança pública, relacionados ao sentimento de impunidade existente não condiz com os dados de Política Criminal existentes, que afirmam que o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, totalizando 727 (setecentos e vinte e sete) mil presos, conforme dados de Junho de 2016 [2], para um total de 358.663 (trezentos e cinquenta e oito mil seiscentos e sessenta e três) vagas, contabilizando uma taxa de ocupação de 197,4% do sistema. Cabe também ressaltar que entre 2000 e 2016, a taxa de aprisionamento aumentou em 157% no país.

Observa-se então que o sentimento vivido pela população e os dados apresentados pelo governo estão em discordância. De um lado, há uma população com sentimento de impunidade e medo de um sistema que é considerado ineficiente, e do outro um país que prende muito e, com isso, tem aumentado sua população carcerária a cada ano.

O crescente sentimento de impunidade apresentando pela população é alimentado pelo aumento de cobertura midiática dos processos penais, que expõem as etapas do mesmo e fazem com que as opiniões dos julgadores se tornem públicas. A espetacularização do processo penal faz com que a população espere dos juristas soluções rápidas e, na maioria das vezes, ineficientes para que a “impunidade presente no Brasil” diminua.

Essa é a ideia central do “Projeto de Lei Anti crime que versa sobre a possibilidade de endurecer – termo utilizado no projeto – o sistema penal com o objetivo de alcançar o fim da corrupção e da criminalidade brasileira, diminuindo, assim, a impunidade.

            Diante da apresentação desse projeto, diversos juristas, como Ariel de Castro Alves, advogado, conselheiro do Conselho Estadual de Direitos Humanos de São Paulo (Condep), têm destacado inconstitucionalidades, controvérsias e perigos para a sociedade que decorrem do pacote [3].

Diante disso, cabe destacar que a ideia ultra punitivista existente, tanto no título, quanto na ortografia usada não é inédita e pode representar um enorme retrocesso.

            Segundo a pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o IPEA , o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo e conta com 70% de reincidência de crimes como afirmou recentemente o então presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Cezar Peluso [4]. A taxa exorbitante de reincidência que perpassa o sistema carcerário demonstra que, o sistema carcerário atual não evita que pessoas que já estiveram presas voltem a delinquir e nem que novas pessoas evitem de praticar atos delituosos, por isso, usar de um sistema que endureceria as penas e seria intolerante não mudaria nenhum dos dados apresentados pela pesquisa, apenas afogaria ainda mais um sistema que não comporta mais presos devido ao inchaço já reconhecido e apresentado.

A partir dos dados acima, as “Medidas para endurecer o cumprimento das penas “, que sugere mudanças nos artigos 33 e 56 do Código Penal, na Lei de Crimes Hediondos nº8.072/1990 e na Lei nº 12.850/2013, em nada inovam [5]. O Brasil prende, e muito. Com penas não só “duras “mas que em nada cumprem com direitos e garantias fundamentais do preso.

            Dentre essas medidas, é importante abordar o advento da lei de crimes hediondos - Lei de número 8.072, de 25 de Julho de 1990. Com o fim de obter “maior segurança” é “maior resposta a sociedade”, a lei estabelecia em seu antigo artigo       2 que os crimes hediondos deveriam ser cumpridos em regime integralmente fechado. Em outras palavras, independente da quantidade de pena e ignorando o princípio da individualização da pena, esta passou a ser a regra. No entanto, no ano de 20012 o STF considerou inconstitucional o artigo 2 da Lei, pelo Habeas Corpus número 111.840 ESPÍRITO SANTO, que teve como relator o ministro Dias Toffoli [6]. Isso porque o artigo, além de um absurdo jurídico-penal, também afronta a Constituição Brasileira, especialmente em seu artigo 5º. XLVI que trata da individualização da pena. Entendemos que a individualização da pena engloba, não somente a aplicação da pena, mas também a sua posterior execução, com os benefícios previstos na Lei de Execução Penal (art. 112, Lei nº. 7.210/84) [7].  

            Ao falar em medidas que valorizam o regime fechado e o colocam como melhor opção para se alcançar a segurança pública, o projeto anticrime demonstra que seus redatores desconhecem ou desprezam a superlotação, a falência, a ineficácia e o despreparo do sistema carcerário brasileiro e prescindem de qualquer pesquisa empírica.

Como bem esclarecido pelas Defensorias Públicas do Rio de Janeiro e de São Paulo, pelo IDDD (Instituto de Defesa do Direito à Defesa) e pelo Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) o projeto proposto por Moro “carece de embasamento teórico suficiente, de análise de impacto social e de uma efetiva construção democrática, configurando-se ineficaz” [8].

            O direito penal brasileiro passou por intensas mudanças desde 1940 (data do primeiro código penal), a partir de 2015 o CP conta com mais de 150 leis penais, sendo elas mais duras e mais severas, no entanto, é importante destacar que desde então, nenhum crime, em médio ou longo prazo, foi reduzido de forma significante, como aponta o Atlas da Violência feito pelo IPEA. Um exemplo disso, é o aumento do crime de Homicídio em diversos Estados brasileiros no período de 1996 a 2016, como nos estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Ceará, como mostra a pesquisa.  [9]

O mais interessante é que Cesare Beccaria, autor do século retrasado já havia comprovado que “A finalidade das penas não é atormentar e afligir um ser sensível (...) O seu fim (...) é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo.” [10].

Ao contrário do referido projeto, a severidade das penas não garantem sua eficácia, principalmente quando realizadas de forma superficial, isto é, sem levar em consideração nenhum aspecto sócio econômico e dados do sistemas carcerário da sociedade.

O problema da segurança pública no Brasil é evidente, no entanto, não há de se questionar que essa forma de endurecimento, de aumento e de supressão de garantias no cumprimentos das penas não é a solução para o problema em questão, para constatar essa questão, basta abandonar a ideia do populismo penal para fazer uma análise histórica e estatística [4]. E ao realizar essa análise, é possível concluir que a solução para o problema do cárcere brasileiro não está em endurecer as penas, mas sim em “desafogar” o sistema carcerário, vez que aproximadamente 40% dos detentos são provisórios, alguns são condenados a uma pena menor do que a pena que já cumpriram é, a maior parte está presa por crimes não violentos [11]. Sendo assim, uma possível solução para o problema que vive-se no Brasil seria resolvido por um caminho que se contrapõe ao proposto pelo pacote anti crime.

              

 

Notas e Referências

[1] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: RT, 1999

Sites consultados:

[1]<https://www.cartacapital.com.br/justica/o-pacote-anticrime-e-a-antitese-de-um-projeto-de-seguranca-publica/> Acesso em: 19 de fevereiro de 2019

[2]< https://www.conjur.com.br/dl/infopen-levantamento.pdf> Acesso em: 04 de Maio de 2019.

[3]<http://www.justificando.com/2019/02/05/juristas-e-entidades-alertam-para-inconstitucionalidade-de-pacote-anticrime-de-moro/> Acesso em: 20 de fevereiro de 2019

[4]<http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatoriopesquisa/150611_relatorio_reincidencia_criminal.pdf> Acesso em: 04 de Maio de 2019.

[5]<http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-12/populacao-carceraria-do-brasil-sobe-de-622202-para-726712-pessoas> Acesso em: 17 de fevereiro de 2019

[6]<http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticianoticiastf/anexo/hc111840dt.pdf> Acesso em: 11 de maio de 2019

[7]<https://romulomoreira.jusbrasil.com.br/artigos/121938834/o-supremo-tribunal-federal-e-a-lei-dos-crimes-hediondos-mais-uma-inconstitucionalidade> Acesso em: 11 de maio de 2019

[8] <https://ponte.org/pacote-anticrime-de-moro-atinge-pobres-negros-e-perifericos/> Acesso em: 19 de fevereiro de 2019

[9] <http://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/dados-series/17> Acesso em: 04 de Maio de 2019

[10] BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução: J. Cretella Jr. e Agnes

Cretella. 2. ed. São Paulo: RT, 1999

[11]<https://gauchazh.clicrbs.com.br/seguranca/noticia/2017/01/especialistas-apontam-solucoes-para-o-sistema-prisional-brasileiro-9486716>  Acesso em: 20 de fevereiro de 2019

 

 

 

 

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