ENCARCERAMENTO FEMININO E INFOPEN MULHERES 2018: O que dizem os dados?

18/07/2018

Coluna Espaço do Estudante

Foi divulgada sem alardes pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em maio de 2018, a 2ª edição do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN Mulheres.

A 1ª edição do relatório havia sido lançada em 2014, a fim de traçar o perfil das mulheres privadas de liberdade no Brasil e dos estabelecimentos prisionais em que se encontram, visando cumprir a primeira meta da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE)[1].

Partindo, em primeiro momento, de um contexto internacional, o Brasil encontra-se na 4ª posição dentre os países que mais encarceram mulheres no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. Sendo que, na 1ª edição do relatório, o Brasil ocupava a 5ª posição.

De acordo com os dados coletados em junho de 2016, à época contávamos com 42,3 mil mulheres encarceradas em nosso país, respectivo a uma taxa de aumento de 455% em um período de 16 anos, entre 2000 e 2016. A título de comparação, dentre os cinco países com maior população prisional feminina no mundo, a segunda maior variação da taxa de aprisionamento no mesmo período foi da China, com um aumento de 105%, enquanto a Rússia diminuiu em 2% o encarceramento deste grupo populacional.

Cumpre ressaltar que a maior parte das mulheres submetidas a pena privativa de liberdade tratam-se de mulheres que ainda não foram julgadas e condenadas, mais precisamente 45% dessa população.

Ainda, considerando que o sistema penal no Brasil e no mundo foi criado por homens e para homens, e o fato dos índices das mulheres que perpassam por ele se dar em menor escala aliado à perspectiva patriarcal que permeia na sociedade, fez com que fossem negligenciadas em seu processo de institucionalização a criação de políticas públicas e construções de unidades prisionais voltadas a atender às necessidades direcionadas ao gênero feminino (CERNEKA, 2009). Nesse sentido, no que diz respeito à destinação dos estabelecimentos por gênero, têm-se que 74% dos estabelecimentos prisionais foram projetados para o público masculino, sendo apenas 7% destinados ao público feminino e outros 17% são caracterizados como mistos.

Buscando consertar as omissões do passado, mudanças relacionadas às especificidades relativas ao gênero feminino vêm sendo introduzidas na legislação nos últimos anos. Porém, em que pese se constate a existência de alterações legislativas favoráveis às mulheres encarceradas, estas ainda carecem de efetividade no campo prático.

No que se refere à questão da maternidade no cárcere, por exemplo, ainda que a legislação disponha que devem ser assegurados às mães presas e aos seus filhos e filhas condições mínimas de assistência enquanto inseridos no ambiente prisional, dentre elas a existência de berçário, creche e centro de referência materno-infantil, apenas 55 unidades em todo o país declaram apresentar cela ou dormitório para gestantes, 14% contam com berçário e/ou centro de referência materno-infantil e apenas 3% possuem espaços de creche.

Denota-se que essa questão demanda uma preocupação em maior proporcionalidade de idealizadores de políticas prisionais que não resta tão abarcada pelo relatório em análise, pois, além das mães que habitam o sistema prisional, se encontra uma população ainda mais invisível aos olhos da sociedade, que cumpre pena sem ter cometido crime algum, que são as filhas e filhos das presas que vivem nas mais diversas e adversas condições no sistema prisional brasileiro.

Consoante se extrai dos dados apresentados que foram extraídos após levantamento disponível para 30.501 mulheres (74% da população feminina encarcerada), quanto ao perfil das mulheres aprisionadas no sistema carcerário de nosso país, tratam-se na maior parte dos casos de mulheres jovens (50% possuem faixa etária entre 18 a 29 anos), negras (62%), com baixa escolaridade (45% não chegaram a completar o ensino fundamental), solteiras (62%), mães (74%) e presas provisórias (45%).

Os dados se justificam tendo em vista que o sistema de justiça criminal brasileiro trata-se de um sistema seletivo que reforça a exclusão de grupos que já são considerados vulneráveis, em que se determina, por meio da Justiça, que mulheres negras sejam mais suspeitas que mulheres brancas. Legado de um país que foi o último a botar fim a um regime escravocrata, sem promover meios voltados à inserção dos ex-escravos na sociedade (TREVISAN, 2018).

Ademais, ativistas da área, que estudam e tem contato diário com estudos voltados ao encarceramento feminino, elaboraram uma tese de que a emancipação da mulher como chefe da casa, sem a equiparação de seus salários com os masculinos, tem aumentado a pressão financeira sobre elas e, por conseguinte, levado mais mulheres ao crime no decorrer dos anos (QUEIROZ, 2015). Tese está que é comprovada quando olhamos para os dados apresentados, vez que a maior parte dos delitos, em tese, cometidos por mulheres dizem respeito a delitos que servem como complemento de renda, tais como os relacionados ao tráfico de drogas (62%) e crimes contra o patrimônio (20%).

Por fim, chama à atenção no levantamento em pauta à análise feita no tocante ao suicídio de presas. Estima-se que as chances de uma mulher se suicidar são até 20 vezes maiores entre a população prisional, comparada à população brasileira total. A precariedade do sistema carcerário somado ao abandono familiar e comunitário no período de privação de liberdade justifica em parte a problemática apontada.

Em resposta ao JOTA, o Departamento Penitenciário Nacional afirmou que “está construindo um projeto específico para combate ao suicídio feminino no sistema prisional, considerando também a população de mulheres trans”[2].

Ao analisarmos os dados apenas reforça o que já foi, inclusive, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF 347, de que o sistema carcerário brasileiro encontra-se em um “estado de coisas inconstitucional”. E, em maior escala, são constatadas as violações de direito e os dados alarmantes quando o assunto em pauta diz respeito ao encarceramento feminino.

Em suma, para além da criação de novas disposições legais objetivando o preenchimento de lacunas voltadas às mulheres encarceradas, é necessária a criação de políticas de desencarceramento e fazer valer o que já existe.

 

Notas e Referências

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. INFOPEN Mulheres 2018. Disponível em <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf>. Acesso em jul. 2018.

BRASIL. Ministério da Justiça. Institui a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, e dá outras providências. Portaria Interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014. Disponível em <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2/mulheres-1/anexos-projeto-mulheres/portaria-interministerial-210-2014.pdf>. Acesso em jul. 2018.

CERNEKA, Heidi Ann. Homens que menstruam: considerações acerca do sistema prisional às especificidades da mulher. Disponível em <http://www.domhelder.edu.br/revista/index.php/veredas/article/view/6/5>. Acesso em jul. 2018.

MUNIZ, Mariana. Em 16 anos, aprisionamento de mulheres cresceu 455% no Brasil. Disponível em <https://www.jota.info/justica/16-anos-aprisionamento-mulheres-cresce-455-brasil-13052018>. Acesso em jul. 2018.

QUEIROZ, Nana. Presos que menstruam: a brutal vida das mulheres – tratadas como homens – nas prisões brasileiras. Rio de Janeiro: Record, 2015.

TREVISAN, Maria Carolina. Brasil é o 4º país que mais prende mulheres: 62% delas são negras. Disponível em <https://mariacarolinatrevisan.blogosfera.uol.com.br/2018/05/16/brasil-e-o-4o-pais-que-mais-prende-mulheres-62-delas-sao-negras/>. Acesso em jul. 2018.

[1] BRASIL. Ministério da Justiça. Institui a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional, e dá outras providências. Portaria Interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014. Disponível em <http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2/mulheres-1/anexos-projeto-mulheres/portaria-interministerial-210-2014.pdf>. Acesso em jul. 2018.

[2] MUNIZ, Mariana. Em 16 anos, aprisionamento de mulheres cresceu 455% no Brasil. Disponível em <https://www.jota.info/justica/16-anos-aprisionamento-mulheres-cresce-455-brasil-13052018>. Acesso em jul. 2018.

 

Imagem Ilustrativa do Post: - // Foto de: Marcos Labanca / Conselho da Comunidade de Foz do Iguaçu // Sem alterações

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