Emprego de arma no crime de roubo e a reiterada contradição da jurisprudência do STJ

09/09/2016

Por Marcelo Carneval e Paulo Henrique Helene - 09/09/2016

O presente artigo inaugura uma proposta de reavaliar alguns pontos da dogmática penal e da dinâmica processual penal presentes notadamente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Após reiteradas reflexões e discussões – em sua maioria, informais –, iniciamos os trabalhos nos debruçando sobre um tema muito recorrente no dia-a-dia forense, que é a valoração e o reconhecimento do emprego de arma no crime de roubo.

Imagine a seguinte: um agente com ânimo de assenhoramento definitivo e mediante emprego de grave ameaça exercida por meio do uso ostensivo de arma de fogo contra a vítima (não apreendida nos autos), dolosamente, subtrai alguns de seus pertences.

Digamos que não reste dúvidas quanto à materialidade e à autoria delitiva. Tem-se, portanto, um fato típico, ilícito e culpável, sendo que a condenação é a medida que se impõe no caso.

Muito bem. Avançando na redação da sentença condenatória, o magistrado, após avaliar as circunstâncias judiciais (do artigo 59 do Código Penal) e as circunstâncias legais (agravantes e atenuantes), finalmente chegará na análise das causas de aumento e de diminuição de pena.

Daí questiona-se: é o caso da incidência da causa de aumento prevista no inciso I, do §2º, do artigo 157, do Código Penal, qual seja, da ameaça exercida com emprego de arma?

No presente caso, temos que muito embora a prova testemunhal (palavra da vítima) demonstre o emprego do artefato, não há como reconhecê-la.

Explicamos.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que é dispensável a apreensão e a perícia da arma de fogo, para a incidência da referida majorante, quando existem nos autos outros elementos de prova[1] que comprovem a sua utilização no roubo, como a palavra da vítima[2].

Entretanto, a mesma Corte, atualmente, sustenta que o emprego de simulação de uso de arma de fogo (simulacro), de arma de brinquedo[3], ou a utilização de arma sem potencialidade lesiva[4], ineficaz e inapta para a produção de disparos[5] ou, ainda, desmuniciada[6], não é suficiente para majorar a pena do crime de roubo, tendo inclusive cancelado o enunciado da súmula n.º 174[7].

Não é preciso esforço para constatar a contradição.

Em suma, segundo o Tribunal da Cidadania, se a arma for apreendida, for periciada e o laudo não apurar seu potencial bélico, não deve incidir a majorante. Agora, se a arma não foi apreendida, é possível reconhecer a majorante apenas com a palavra da vítima.

Logo, exsurge uma série de indagações: e se a arma não for verdadeira? E se for um simulacro? E se for uma arma de brinquedo? E se a arma estiver desmuniciada? Ou inapta para efetuar disparos?

Ora, é nítida a incongruência!

Quem respira um pouco de oxigênio democrático num Estado de Direito, sabe muito bem que não pode haver presunções em desfavor do acusado.

Com a devida vênia, a palavra da vítima, por si só, não pode sustentar a presente causa de aumento, passando por cima de uma avaliação técnica da suposta arma utilizada. Até mesmo porque a vítima mal conseguirá identificar o artefato utilizado pelo criminoso, diante de seu estado anímico de absoluto nervosismo e de altíssimo nível de adrenalina que as circunstâncias do crime proporcionam.

A prova oral é a pedra de toque do processo penal, na prática forense, disso não há dúvidas. Contudo, a palavra da vítima e das testemunhas inquiridas não é hábil para atestar a eficácia do artefato utilizado pelo agente. Até porque, a vítima e demais envolvidos, na maioria das vezes, não tem conhecimento técnico, não manuseia arma de fogo, sequer teve contato com o instrumento. Assim, como dar credibilidade absoluta à prova oral, ao passo de suprir a perícia realizada na arma para atestar sua eficácia.

Situação diversa ocorre quando a vítima ou populares não só relatam o emprego de artefato semelhante a arma de fogo, mas noticiam que houve disparo. Ora, se o objetivo é identificar se a arma de fogo é eficaz ou não ao fim a que se destina, e a prova oral é firme quanto à realização de disparo, nessa hipótese, não há dúvida quanto à prestabilidade do instrumento.

Com efeito, a primeira hipótese não pode passar desapercebido aos olhos do magistrado. Jamais defendemos a impunidade da circunstância noticiada pela vítima. Destacamos, apenas, uma avaliação mais cirúrgica – criteriosa e precisa – no momento da dosagem da pena.

Embora não figure como causa de aumento de pena, nada impede que o juiz reconheça na primeira fase da dosimetria da pena que as circunstâncias do crime são extremamente gravosas e desfavoráveis ao acusado, levando-se em conta o temor causado à vítima, diante do emprego de uma suposta arma de fogo.

A primeira fase da dosimetria da pena – que traz em seu bojo as circunstâncias judiciais, estampadas no artigo 59, do código Penal – é elástica e confere ampla discricionariedade ao juiz, o qual deve avaliar todos os aspectos do caso concreto para, assim, concluir se as circunstâncias judiciais são positivas, negativas ou neutras.

A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente e os motivos são circunstâncias subjetivas. As circunstâncias e consequências do crime são de índole objetiva, dizem respeito a fatores externos que intensificam o crime, e elevam a pena-base.

Nessa esteira, o uso de artefato, suposta arma de fogo, que não foi apreendida, e não pode ser reconhecida na terceira fase da dosagem penal, tornam as circunstâncias do crime negativas, pois a efetiva apresentação de um artefato – que pode ser uma arma verdadeira ou não – intensifica o temor da vítima e corrobora para o êxito da ação criminosa.

Até porque, se o crime de roubo se consuma com a violência – um empurrão, por exemplo – ou a grave ameaça – como, ameaçar a vítima com um pedaço de madeira –, por certo, a efetiva apresentação de um artefato deve ser valorada como circunstância do crime negativa.


Notas e Referências:

[1]  “a jurisprudência  desta Corte Superior de serem desnecessárias, para a configuração  da  causa de aumento de pena no roubo, a apreensão e a perícia  de  arma  quando a sua utilização puder ser demonstrada por outros meios de prova.” (AgRg no AREsp 541.760/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/05/2016, DJe 17/05/2016).

[2] “Para a incidência da majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do Código  Penal,  é  prescindível a apreensão e perícia da arma, desde que  evidenciada sua utilização por outros meios de prova, tais como a palavra da vítima, ou pelo depoimento de testemunhas.” (AgRg no REsp 1577315/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 28/06/2016)

“A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a aplicação da majorante pela utilização de arma prescinde da apreensão e perícia no objeto, quando comprovada sua utilização por outros meios de prova, como pela palavra da vítima ou de testemunhas.” (HC 340.134/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 01/12/2015)

“A  Terceira  Seção do STJ, no julgamento do EREsp n. 961.863/RS, pacificou  o  entendimento no sentido de que a incidência da aludida majorante  prescinde  de  apreensão  e  perícia da arma, notadamente quando  comprovada  sua  utilização  por outros meios de prova, tais como a palavra da vítima ou mesmo de testemunhas.” (HC 354.566/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2016, DJe 24/06/2016)

[3] “A utilização de arma de brinquedo para intimidar a vítima do delito de roubo não autoriza o reconhecimento da causa de especial aumento de pena do inciso I do § 2º do art. 157 do CP, cuja caracterização está vinculada ao potencial lesivo do instrumento.” (HC 299.520/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 07/05/2015)

[4] “A utilização de arma sem potencialidade lesiva, atestada por perícia, como forma de intimidar a vítima no delito de roubo, caracteriza a elementar grave ameaça, porém, não permite o reconhecimento da majorante de pena.” (Jurisprudência em Teses - EDIÇÃO N. 51: CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO – II)

[5] “Embora esta Corte Superior de Justiça, no julgamento dos EREsp 961.863/RS, tenha pacificado o entendimento de que a incidência da majorante prevista no inciso I do § 2º do artigo 157 do Código Penal independe da apreensão e perícia da arma de fogo empregada no roubo, quando há nos autos laudo que atesta a sua ineficácia e inaptidão para a produção de disparos, mostra-se inviável o seu reconhecimento.” (HC 331.338/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 13/10/2015, DJe 19/10/2015)

“Comprovado por meio de perícia que a arma de fogo apreendida era inapta para efetuar disparos, deve ser afastada a causa do aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, I, do Código Penal.” (HC 319.737/RJ, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 26/05/2015, DJe 08/06/2015)

[6] “a  jurisprudência  desta  Corte  entende  que a utilização de arma desmuniciada, como forma de intimidar a vítima do delito  de  roubo” (HC 317.337/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 16/08/2016)

[7]  “Desde o cancelamento da Súmula n. 174 deste Superior Tribunal, consolidou-se o entendimento de que o emprego de simulacro de arma de fogo não constitui motivo apto para a configuração da causa especial de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, I, do Código Penal, por ausência de maior risco para a integridade física da vítima, prestando-se, tão somente, para caracterizar a elementar "grave ameaça" do delito de roubo.”  (HC 270.092/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/08/2015, DJe 08/09/2015).


marcelo-carneval. Marcelo Carneval é Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires. Especialista em Direito Processual. Professor de Direito Processual Penal e Prática Penal na Escola da Magistratura do Paraná – EMAP. Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.. .


paulo-henrique-helene. Paulo Henrique Helene é Especialista em Direito Penal, Processual Penal, Direito Tributário, Direito Civil e Processual Civil. Professor de Direito Penal no Centro Universitário da Fundação Assis Gurgacz – FAG. Assessor de Juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.. .


Imagem Ilustrativa do Post: The Robbery // Foto de: Geoffrey Fairchild // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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