Por Samira Schultz Mansur - 09/02/2016
Empatia refere-se à capacidade de um observador em ter uma resposta cognitiva e/ou emocional frente a experiências de outra pessoa e, por isso, é elemento crítico em uma sociedade igualitária, bem como em comportamentos pro-sociais e anti-sociais em uma variedade de contextos (Davis, 2016). Está vinculada com a competência ética, dada a importância dos aspectos emocionais e relacionais na deliberação e resolução de conflitos éticos (Esquerda e cols. 2016). É o aspecto mais importante da razão moral do cérebro, segundo Kant (Andrade, 2011).
Para Decety (2004), a empatia é definida como uma disposição inata baseada na conjugação de sistemas neuronais que reúnem três capacidades: de sentir e representar as emoções e sentimentos de si e do outro; de adotar a perspectiva do outro; e de fazer a distinção entre o eu e o outro. Em uma análise simples, observa-se a moralidade humana pela habilidade de sentir empatia, uma vez que já se manifesta em crianças de apenas 18 meses (Chakrabarti e Baron-Cohen, 2006). Aos 2 anos, surgem formas diferentes de senti-la, como na tentativa de ajudar ou confortar outros e, aos 4 anos, crianças são capazes de entender que as outras pessoas acreditam em ideias diferentes das delas (Chakrabarti e Baron-Cohen, 2006).
A função da empatia estaria na base de sentimentos morais de compreensão e de solidariedade ao permitir-se colocar na perspectiva do outroe compartilhar experiências, necessidades e objetivos (Passos-Ferreira, 2011). Nesse viés, ressalta-se o princípio da igualdade presente na Constituição, a qual cita, no caput de seu artigo 5º, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza… garantindo a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…”. Ocorre que ao nos depararmos com o real conceito de empatia, no qual tentamos experienciar o que aparentemente pertence somente ao outro, como se não fôssemos seres com necessidades intrinsecamente similares, surge a seguinte indagação: Seria a liberdade o delírio do homem normal? Lacan nos responde que sim (Harari, 2008) e, ao nos remetermos a Kant, observamos a corroboração desta ideia delimitada de liberdade, pois ele já citava que o homem não obedece senão às leis que ele próprio estabeleceu, sendo o fim em si mesmo (Andrade, 2011).
Ora, se o indivíduo é verdadeiramente o fim em si mesmo ele deve ser o autor das leis que observa - o que constitui valor supremo - e, obedecer às próprias leis, é ser livre (Andrade, 2011). Fazer aos outros o que gostaríamos que nos fosse feito, seguindo a temática de Kant, por meio de atitudes dignas, pressupõe uma conduta racionalmente fundada. Nesse ínterim, o pensamento nasce do próprio indivíduo, o qual, por meio do conhecimento, possui suas próprias ideias e age em conformidade com elas, de forma racional e moral, concretizando seus atos, os quais têm validade universal.
Em "A Política”, Aristóteles descreve que a felicidade do indivíduo é a mesma que a do Estado, o que nos leva a fácil compreensão de que as normas devem ser elaboradas para alcançarem a todos e de forma igualitária, a fim de que a justiça esteja o mais próximo possível dos indivíduos e, com ela, a efetivação da empatia. É importante lembrar que a justiça não se esgota nas normas e, por isso, para que ela atinja seu verdadeiro sentido, está amealhada por diferentes elementos de interpretação, entre eles, a ética. Em se tratando de norma jurídica, o seu valor ético está na certeza de que ela vale para todos e faz-se justa em todos os casos da mesma espécie, o que quer dizer que uma norma, em certo caso, não pode ser interpretada em um sentido e, em um caso seguinte, receber sentido diverso (Pargendler, 2013). Claro que há interação entre norma e fato e o fato induz a uma melhor compreensão da norma; ocorre que as considerações dadas a uma norma devem ser justificadas e estudadas para cada situação em específico a fim de se extrair dela o melhor resultado (Pargendler, 2013). Sócrates dizia que a pessoa justa age proporcionalmente, com desejos não maiores do que suas necessidades, e assim ela assegura não só o seu interesse de justo, mas também o de todos.
Vale salientar que a habilidade empática é característica do ser humano, apresentando-se fundamental em diversas áreas e subáreas do conhecimento, entre elas, da saúde, Psicologia, Economia, Direito. Este, em especial, tem uma definição perfeita no que tange à empatia, uma vez que, de acordo com Kant: "O Direito é o conjunto das condições por meio das quais o arbítrio de um pode entrar em acordo com o arbítrio de outro, segundo uma lei universal de liberdade”.
A compreensão da essência do vínculo entre empatia e área jurídica transcende as considerações teóricas e alcança diversas facetas das relações humanas, sendo especialmente salutar quando pode ser usada em benefício do próximo por quem, faticamente, define o rumo de uma vida. Pensar por si mesmo é a chave tênue que revela a verdade para seguir este caminho, cujo instrumento fundamental é o esclarecimento. Kant explica que o esclarecimento "é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem” (Kant, 2005, p. 63).
Kafka (2009) em sua obra – Um artista da fome – retrata a angústia do homem moderno a partir do momento em que este luta contra a incompreensão, a manipulação da verdade e a injustiça das falsas suspeitas. Em seu livro, comenta sobre a dificuldade do personagem em explicar a alguém a arte da fome, pois não há como torná-la compreensível a alguém que não a sente. E assim Kafka relata: "eu nunca encontrei a comida que me agradasse. Se eu a tivesse encontrado, acredite, eu não teria feito nenhum alarde e teria comido até me empanturrar, como você e todo mundo". O que ocorre entre os homens é uma extravagância de quem pretende chamar a atenção como se fosse um artista da fome, mas que nunca a sentiu, somente a possui no imaginário de sua consciência (Kafka, 2009), salvo se exercitarmos nossa empatia. Afinal, Jung já nos recomendou a conhecer todas as teorias, a dominar todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, ser apenas outra alma humana.
De suma relevância no Direito é entender que cada indivíduo constitui uma combinação nova e única de elementos psíquicos, por conseguinte, as situações que o envolvem podem ser, no máximo, semelhantes. Portanto, a pesquisa da verdade deve recomeçar com cada novo caso, pois cada qual é único e não pode derivar de fórmulas genéricas e pressupostos (Jung, 2002). Do contrário, parecerá não menos do que a busca de objetivos pessoais, pois como dizia Platão, o homem tenciona à corrupção, que é a degeneração da verdade, cuja origem está no desejo pelo poder e na satisfação de seus interesses (Adams e Dyson, 2006). Para ele, a verdade era a essência de todas as coisas e, a fim de descobri-la, preconizava o desprendimento de convicções pessoais, a investigação da natureza dos fatos, das ideias, dos pensamentos, fazendo surgir as únicas realidades verdadeiramente existentes e que não são efêmeras como as simples aparências. Recordemos da “Alegoria da Caverna”.
Ademais, a inteligência e o saber devem ser atuantes, mas não anteporem-se ao coração, o qual não deve ser vítima dos sentimentos (Jung, 2002). Pergunta-se: como dominar essas habilidades, conhecimentos, percepções? “Um discurso que deseja chegar ao outro, alcançar-lhe em profundidade, até o ponto de modificar seu pensamento ou sua relação com o mundo, tem uma grande carga de silêncio” (Le Breton, 2007).
Notas e Referências:
ADAMS, Ian; DYSON, R.W. Cinquenta pensadores políticos essenciais: da Grécia antiga aos dias atuais. Rio de Janeiro: Difel, 2006. p. 11-17.
ANDRADE, R. de C.Kant: a liberdade, o indivíduo e a república. In: WEFFORT, F. (Org.). Os clássicos da política: Burke, Kant, Hegel, Tocqueville, Stuart Mill, Marx.10 ed. São Paulo: Ática, 2011. p. 49-69.
ARISTÓTELES. A Política. Coleção grandes obras do pensamento universal. São Paulo: Escala. v. 16.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Obra coletiva de autoria da Revista dos Tribunais.15 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 269 p.
CHAKRABARTI B.; BARON-COHEN, S. Empathizing: neurocognitive developmental mechanisms and individual differences. Progress in Brain Research, v. 156, p. 403-417, 2006.
DAVIS, M.H. Empathy.Encyclopedia of Mental Health. v. 2, p. 116-123, 2016.
DECETY, J.; JACKSON, P. The functional architecture of human empathy.Behavioral and Cognitive Neuroscience Reviews, v. 3, n. 2, p. 71-100, 2004.
ESQUERDA, M.; YUGUERI, O.; VINÃS, J.; JOSEP, P. La empatía médica, ¿nace o se hace? Evolución de la empatía en estudiantes de medicina. Atención Primaria. v. 48, n.1, p. 8-14, 2016.
HARARI, Roberto. O psicanalista, o que é isso? Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2008. 226 p.
JUNG, Carl Gustav. O desenvolvimento da personalidade. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 2002. 223 p.
KAFKA, Franz. Um artista da fome: seguido de Na Colônia Penal e outras histórias. Porto Alegre: L&M pocket, 2009. 124 p.
KANT, Immanuel. Textos Seletos. 9 ed. Petrópolis: Vozes. 2005. 107 p.
LE BRETON, David. El Silencio. Aproximaciones. 2 ed. Madrid: Sequitur, 2007. 240 p.
PARGENDLER, A. A interpretação judicial. Justiça & Cidadania. 153 ed. maio 2013. p. 32-35.
PASSOS-FERREIRA, C. Seria a moralidade determinada pelo cérebro? Neurônios-espelho, empatia e neuromoralidade. Revista de Saúde Coletiva. v. 21, n.2, p. 471-490, 2011.
. Samira Schultz Mansur é Doutora em Neurociências (UFSC), Professora de Anatomia Humana (UFSC), Mestre em Ciências do Movimento Humano (UDESC), Bacharel em Fisioterapia (UDESC), graduanda em Direito (UNISUL). Acesso para o currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/8728925060560002. .
Imagem Ilustrativa do Post: Sem alterações
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/
Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode
O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.