Embargos de declaração e a ausência de efeito suspensivo automático: necessárias reflexões – Por Denarcy Souza e Silva Júnior

26/06/2017

Dentre as novidades instituídas pelo CPC-15 está a inversão da premissa há tempos existente acerca do efeito suspensivo dos recursos no processo civil. Em razão do revogado art. 497 do CPC-73, entendia-se que os recursos tinham, em regra, efeito suspensivo na vigência do diploma anterior, ressalvados aqueles elencados no referido dispositivo do código revogado, bem como outros que fossem expressamente tolhidos desse efeito por força de lei. A lógica era a seguinte: salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido contrário, os recursos possuiriam efeito suspensivo.

Já no atual Código de Processo Civil, por força do seu art. 995, os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido contrário. O diploma processual em vigor manteve o efeito suspensivo ope legis da apelação (art. 1.012 do CPC-15) e do recurso especial ou extraordinário interposto contra decisão que julga o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 987, § 1º, do CPC-15), mas a regra é que os recursos não possuam efeito suspensivo automático, cabendo ao recorrente pedir o efeito suspensivo ao relator do recurso, demonstrando os pressupostos legais para a sua concessão (art. 995, par. ún. do CPC-15).

Como a regra do código revogado era inversa, ou seja, que os recursos detinham efeito suspensivo automático, sempre prevaleceu a ideia de que, na verdade, não eram os recursos que tinham efeito suspensivo, mas a decisão, por estar sujeita a um recurso que detinha efeito suspensivo automático, era ato ainda ineficaz, e a interposição do recurso apenas prolongava essa ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso.[1] Em verdade ter-se-ia um efeito obstativo da eficácia da decisão e não um efeito suspensivo propriamente dito.

Essa construção permanece hígida para aqueles recursos que tenham efeito suspensivo automático (por força de lei), mas, ao que parece, não se sustenta para os recursos, hoje a maioria, que somente suspendam os efeitos da decisão recorrida se atribuído o efeito suspensivo pelo relator do recurso. Nestes casos, a decisão, uma vez proferida, produz de logo os efeitos que lhe são próprios, independentemente da possibilidade de interposição do recurso cabível (que não detiver efeito suspensivo ope legis). Mesmo interposto o recurso desprovido de efeito suspensivo automático, a decisão continuará produzindo efeitos, que somente serão suspensos por decisão do relator do recurso, preenchidos os pressupostos legais (efeito suspensivo ope judicis).[2]

Sempre houve em doutrina divergência acerca dos efeitos dos embargos de declaração. Alguns defendiam que eles sequer possuíam efeito devolutivo, porque não se remeteria ao conhecimento de outro órgão jurisdicional o exame da decisão impugnada[3], mas a principal controvérsia estava no efeito suspensivo, ou seja, não havia unicidade de entendimento se os embargos de declaração tinham ou não efeito suspensivo.

Muito embora se pudesse afirmar que o entendimento majoritário sob a luz do CPC-73 era que os embargos de declaração detinham efeito suspensivo[4], havia crescente entendimento de que os embargos de declaração deveriam seguir a regra do recurso que seria cabível da decisão impugnada. Uma vez que os embargos de declaração seriam cabíveis contra qualquer pronunciamento judicial, dever-se-ia analisar o recurso previsto em lei para impugnar especificamente a decisão, se esse recurso tivesse efeito suspensivo, os E.D. também teriam, caso contrário, a decisão já produziria efeitos de imediato.[5]

Talvez para dirimir as controvérsias até então existentes, o CPC-15 optou por expressamente preceituar que os Embargos de Declaração não possuem efeito suspensivo (art. 1.026), outorgando a possibilidade de concessão de efeito suspensivo ope judicis, medida alicerçada na urgência ou na evidência (art. 1.026, § 1º). Sequer haveria a necessidade dessa específica previsão da ausência de efeito suspensivo em sede de embargos de declaração, porquanto a regra geral, como dito, é de que os recursos não impedem a eficácia da decisão recorrida (art. 995), mas talvez tenha sido melhor assim para se evitar o prolongamento da controvérsia antes noticiada.

Ocorre que a simples redação do art. 1.026 do CPC-15 não é suficiente para encerrar a discussão. Existirão situações, e o dia a dia forense é prenhe delas, onde os vícios existentes serão tamanhos que impossibilitem a imediata execução da decisão, necessitando, primeiro, de um aperfeiçoamento da decisão embargada para só então se pensar em executá-la (cumpri-la).

Nada obstante a letra do CPC 1026 caput, no sentido de que os EDcl não têm efeito suspensivo, na hipótese de o vício de que padece a decisão, sentença ou acórdão ser de tal ordem que impossibilite sua imediata execução, porque não se consegue determinar-lhe o alcance, não há como deixar de reconhecer que, ipso facto, os embargos devem ter efeito suspensivo. Nessas circunstâncias, enquanto não corrigida, “não se pode torná-la efetiva, pois é somente possibilidade de decisão” (Fux. DPC 2, p. 1163). Sendo da própria índole dos EDcl o aperfeiçoamento da decisão embargada, não se poderia executá-la antes da correção porque de difícil compreensão e, se executada, disso poderiam advir “perigosos resultados práticos” (Humberto Theodoro Júnior. RF 355/79, n. 7).[6]

Para além desses problemas que certamente acontecerão, tem-se ainda que, mesmo diante das críticas de grande parte da doutrina[7], a apelação ainda tem, como regra, efeito suspensivo, o que reflete diretamente nos efeitos de interposição dos embargos de declaração, máxime na previsão de que eles não possuem efeito suspensivo automático.

Como se sabe, é entendimento assente na doutrina que os embargos de declaração não constituem ônus perfeito, pois os defeitos corrigíveis através dos embargos de declaração poderão ser alegados diretamente no recurso cabível contra a decisão viciada, não se podendo falar em preclusão pela não interposição dos embargos.

É por isso que o ônus de opor embargos de declaração não se caracteriza como um ônus perfeito: mesmo quando não cumprido, a parte ainda poderá obter a situação de vantagem, ou evitar o prejuízo, mediante a interposição do recurso previsto na legislação processual para a impugnação da decisão embargada.[8]

Com uma interpretação literal e assistemática do art. 1.026 do CPC-15 ter-se-ia um estranho problema: proferida a sentença sem que estivesse inserta em uma das hipóteses do § 1º do mesmo artigo (causas de ausência de efeito suspensivo), a decisão não poderia produzir efeitos de imediato, dependendo da não interposição da apelação para produzir efeitos, pois caso interposta a apelação o estado de ineficácia seria prolongado (efeito obstativo). Por outro lado, se a parte, mesmo tratando-se de ônus imperfeito, optasse por interpor embargos de declaração, a decisão poderia ser executada em razão da ausência de efeito suspensivo dos embargos de declaração?!

Não parece, contudo, que o problema realmente exista. Como analisado ao longo desta investigação, quando o recurso cabível contra a decisão detém efeito suspensivo automático, não é a interposição do recurso que suspende os efeitos da decisão recorrida, mas a decisão é que é proferida em estado de ineficácia, sendo que a interposição do recurso apenas prolonga a ineficácia.

Ora, se da sentença cabe apelação que ainda detém efeito suspensivo automático, a decisão proferida não pode produzir efeitos até o transcurso do prazo da apelação.  Caso ela seja interposta, prolonga-se a ineficácia, caso não seja, com o trânsito em julgado, os efeitos serão produzidos na sua integralidade. A ausência de efeito suspensivo dos embargos em nada influencia na decisão que já foi proferida em estado de ineficácia, como parece lógico.

Dito de outro modo. Deve-se analisar o recurso previsto em lei para impugnar especificamente a decisão, se esse recurso tiver efeito suspensivo automático, os embargos de declaração também terão, caso contrário, a decisão já produzirá efeitos de imediato, o que poderá ser suspenso com a concessão de efeito suspensivo aos embargos de declaração, conforme já salientado.

No caso em que a apelação tenha, porém, efeito suspensivo, não há como permitir que a sentença produza efeitos, nem que se instaure o seu cumprimento provisório. A sentença, nessa situação, quando proferida, já tem seus efeitos sobrestados por força da previsão legal de que a apelação desfruta de efeito suspensivo. A simples oposição de embargos de declaração não tem o condão de afastar o efeito suspensivo automático estabelecido por lei. Isso porque, não custa repetir, o efeito suspensivo automático não decorre da interposição do recurso, mas da mera recorribilidade do ato: a sentença, nos casos em que a apelação tem efeito suspensivo, já é proferida com sua eficácia sobrestada.[9]

Tem-se ainda o enunciado nº 218 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “A inexistência de efeito suspensivo dos embargos de declaração não autoriza o cumprimento provisório da sentença nos casos em que a apelação tenha efeito suspensivo”.

A expressa previsão da ausência de efeito suspensivo dos embargos de declaração, por si só, não afasta a necessidade de se analisar os efeitos de interposição do recurso cabível contra a decisão embargada, mesmo porque caso esse recurso tenha efeito suspensivo automático a decisão já será proferida com sua eficácia obstada, não havendo possibilidade da imediata produção de seus efeitos integrais antes da propositura do recurso, que se interposto prolongará o estado de ineficácia da decisão.

Pensar diferente levaria ao paradoxo de que uma decisão que já foi proferida com seus efeitos suspensos passaria a produzir efeitos pelo manejo dos embargos de declaração (ônus imperfeito), que por não ter efeito suspensivo outorgaria eficácia à decisão que já nasceu ineficaz (?!). Não parece possível essa interpretação, pois atentaria contra a lógica do sistema e tornaria ininteligível o manejo dos embargos de declaração nos casos em que o próximo recurso a ser interposto detivesse efeito suspensivo automático (ope legis).


Notas e Referências:

[1] MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11ª ed. volume v. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 257.

[2] MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 888.

[3] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 9ª ed. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 545. Contra, entendendo possuir efeito devolutivo, impedindo que se opere a preclusão quanto à decisão embargada: DIDIER, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 268.

[4] FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. Comentários ao código de processo civil. v. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 317. MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11ª ed. volume v. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 559. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. 9ª ed. v. 2. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 546.

[5] JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 295-297.

[6] NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de A. Comentários ao código de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

[7] Por todos: BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1114.

[8] FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. Comentários ao código de processo civil. v. 7. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 315.

[9] DIDIER, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 272. No mesmo sentido, BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 1114. CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 555.


 

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