Em nome da dignidade da pessoa humana

03/02/2018

No dia 17 de fevereiro de 2016, quando o STF, (Supremo Tribunal Federal) ao julgar o HC n.º 126.292, por maioria de votos, (sete votos a quatro) passou a entender ser possível a execução provisória da pena após o julgamento pela 2ª instância, mandou as favas o constitucional princípio da presunção de inocência. 

A decisão do STF afastou a exigência constitucional decorrente do princípio da presunção de inocência (art. 5.º, LVII, da Constituição da República) de que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 

A indigesta decisão do Supremo Tribunal Federal, a um só tempo, afrontou o texto Constitucional (art. 5º, inc. LVII, da Constituição da República), Tratados Internacionais - que o próprio Estado Brasileiro ratificou, como a Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 8º, n. 2[4]) - a própria legislação processual penal (art. 283 do Código de Processo Penal) e também sua própria jurisprudência (HC 84.078/MG, de 05/02/2009[5]). [1] 

Não é despiciendo ressaltar que o princípio da presunção de inocência remonta ao direito romano. Na Idade Média, o referido princípio foi afrontado em razão, principalmente, dos procedimentos inquisitoriais que vigoravam na época, chegando mesmo a ser invertido já que a dúvida poderia levar a condenação. Contudo, o princípio da presunção de inocência foi consagrado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, refletindo uma nova concepção do direito processual penal. Uma reação dos pensadores iluministas ao sistema persecutório que marcava o antigo regime, no qual a confissão - “rainha das provas” - era obtida através da tortura, de tormentos e da prisão. 

O princípio da presunção de inocência é um princípio fundamental de civilidade, assevera Luigi Ferrajoli, para quem o referido princípio é “fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado”.[2] Na Itália informa ainda Ferrajoli, com o advento do fascismo, a presunção de inocência entrou em profunda crise. Os freios contra os abusos da prisão preventiva deixaram de existir em nome da “segurança processual” e da “defesa social”, sendo considerada a mesma indispensável sempre que o crime tenha suscitado “clamor público”.[3] 

Passado quase dois anos da indigitada decisão do STF - bem como uma nova composição da Corte - alguns ministros já sinalizaram no sentido de rever a decisão de fevereiro de 2016 que relativizou o princípio da presunção de inocência. 

Em razão da condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a pena de 12 (doze) anos e um mês pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), a matéria voltou a ser discutida nos meios jurídicos. 

A presidente do Supremo Tribunal Federal ministra Cármen Lúcia, disse na terça-feira (30) que não vai colocar em pauta a rediscussão da prisão de condenado após julgamento em segunda instância. A ministra Cármem Lúcia afirmou, ainda, que pautar o assunto em função de um caso específico seria "apequenar o Supremo".[4] 

Na verdade, não se trata de casuísmo como faz crer a presidente do STF. Na verdade, como bem salientou o criminalista e presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) Fábio Tofic, “O STF corre o risco de se apequenar se renunciar ao seu papel constitucional de protetor dos direitos e garantias fundamentais do cidadão”. 

Necessário apontar que, embora a matéria possa ser do interesse do ex-presidente LULA, interessa de igual modo cerca de 250 mil presos provisórios que estão em condições sub-humanas e indignas nas prisões de todo o país, aguardando uma sentença definitiva. A prisão provisória (em qualquer de suas modalidades) - antes do trânsito em julgado - afronta a dignidade da pessoa humana como postulado do Estado democrático de direito. 

É inadmissível, como desejam alguns, que em nome de um ilusório combate ao crime e ao mito da impunidade, que princípios fundamentais sejam atropelados. Em se tratando de direitos e garantias fundamentais - princípios garantistas e de direitos humanos - nem o legislador ordinário e nem o STF podem retroceder, nos já consagrados direitos e garantias. 

Repita-se, quando se opõe a decisão tomada pelo STF que admite a execução provisória da pena após o julgamento pela 2ª instância, se faz, sobretudo, em nome do sagrado princípio da presunção de inocência, bem como dos direitos e garantais fundamentais insculpidos na Constituição da República.

 

[1]Alexandre Gustavo Melo Franco de Moraes Bahia, Diogo Bacha e Silva, Flávio Quinaud Pedron e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira. Disponível: http://emporiododireito.com.br/presuncao-de-inocencia-uma-contribuicao-critica_/ 

[2] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

[3] FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

[4] Disponível<: https://g1.globo.com/politica/noticia/carmen-lucia-diz-que-prisao-apos-julgamento-em-segunda-instancia-nao-voltara-a-pauta-do-stf.ghtml

 

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