Em nome da advocacia criminal – ou em defesa da defesa *

27/05/2017

Por Leonardo Isaac Yarochewsky – 27/05/2017

Na noite chuvosa e fria do dia 21 de maio (domingo) na cidade de São Paulo no restaurante Figueira Rubaiyat, advogadas, advogados, professores, juristas, políticos – de diferentes vertentes – se reuniram para ato de desagravo aos advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska Zanin Martins e Fernando Fernandes que foram indevidamente afrontados em audiência ocorrida no dia 10/5 na 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba-PR em que o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva foi interrogado pelo juiz Federal Sérgio Moro.

Naquela ocasião o advogado professor René Ariel Dotti, representando a Petrobrás como assistente de acusação, dirigiu-se de maneira pouco civilizada – para dizer o mínimo - aos colegas de profissão.

No histórico encontro do dia 21/5 organizado por Alberto Toron, Marco Aurélio Carvalho e Pedro Serrano, estavam presentes, Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, Tales Castelo Branco, o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, o jurista Celso Antônio Bandeira de Mello, entre outros.

Alberto Toron ressaltou que o encontro celebrava antes de tudo e acima de tudo a fraternidade entre os advogados. Disse que não poderíamos admitir que colegas nossos fossem atingidos, nem por juízes, nem por membros do Ministério Público e, muito menos, por colegas advogados.

A união dos advogados teve como móvel, além do desagravo, a defesa do direito de defesa. O presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa) Fabio Tofic ressaltou a importância do sagrado direito de defesa e o perigo da “ditadura do judiciário”.  Ao contrário do que muitos sustentam inclusive magistrados, o advogado não é e jamais será um estorvo para justiça criminal.

Rui Barbosa em carta dirigida a Evaristo de Morais retratou com precisão a função do advogado criminalista: “Tratando-se de defesa criminal de um acusado em matéria criminal, não há causa em absoluto indigna de defesa. Ainda quando o crime seja de todo o mais nefando, resta verificar a prova: e ainda quando a prova inicial seja definitiva, falta não só apurá-la no cadinho dos debates judiciais, senão também vigiar pela regularidade estrita do processo nas suas mínimas formas”.

Necessário martelar que quando um advogado é assaltado nos seus direitos e prerrogativas, notadamente, como defensor da liberdade do imputado, é a democracia que sai ferida.

A advocacia salienta José Afonso da Silva, “não é apenas uma profissão, é também um múnus (...). O advogado, servidor ou auxiliar da Justiça, é um dos elementos da administração democrática da Justiça. Por isso, sempre mereceu o ódio e a ameaça dos poderosos”.[1]

Em relação à inviolabilidade do advogado, o eminente constitucionalista assevera que “equivoca-se quem pense que a inviolabilidade é privilégio do profissional. Na verdade, é uma proteção do cliente que confia a ele documentos e confissões da esfera íntima, de natureza conflitiva e, não raro, objeto de revindicação e até de agressiva cobiça alheia, que precisam ser resguardados e protegidos de maneira qualificada”.[2] 

Não importa se o cliente é amado ou odiado, rico ou pobre, negro ou branco, católico ou protestante, até mesmo se é ateu, todos, definitivamente todos, têm o sagrado direito de ser defendido por um advogado. Não importa, também, se o crime é execrável ou hediondo, posto que quanto mais odiosa for à acusação mais cuidado deva ter o julgador na hora de decidir.

Enganam-se aqueles que pensam que os erros judiciários não atingem os homens honestos. René Floriot abre sua monografia sobre “Les Erreurs Judiciaires” advertindo: “o homem mais honesto, o mais respeitado, pode ser vítima da Justiça. Você é bom pai, bom marido, bom cidadão e anda de cabeça erguida. Você pensa que jamais terá de prestar contas aos magistrados do seu país. Que nenhuma fatalidade poderá fazê-lo passar por desonesto ou criminoso. Entretanto, esta fatalidade existe e tem um nome: o erro judiciário”.

Não interessa, também, se o acusado é culpado ou inocente, todos tem o direito a defesa técnica de um advogado. Foi com as reformas iluministas, segundo informa Luigi Ferrajoli, que a defesa técnica, reduzida nos anos da Inquisição a “uma arte baixa de intrigas”, assumiu a forma moderna de patrocínio legal obrigatório. A importância da defesa técnica é reconhecida também pelo nosso Código de Processo Penal quando proclama que “nenhum acusado, ainda que foragido, será processado ou julgado sem defensor” (art. 261) e, ainda, “se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvando-o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação” (art. 263).

Advogado criminalista, amante da liberdade e da justiça, faço minha as palavras de Antônio Evaristo de Moraes Filho: “Aos que insistem em não reconhecer a importância social e a nobreza de nossa missão, e tanto nos desprezam quando nos lançamos, com redobrado ardor, na defesa dos odiados, só lhes peço que reflitam, vençam a cegueira dos preconceitos e percebam que o verdadeiro cliente do advogado criminal é a liberdade humana, inclusive a deles que não nos compreendem e nos hostilizam, se num desgraçado dia precisarem de nós, para livrarem-se das teias da fatalidade”.[3]


* Para Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Zanin Martins e Fernando Fernandes.


Notas e Referências:  

[1] SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 22ª ed. , 2003, p. 580.

[2] Op. cit. p. 581.

[3] MORAES FILHO, Antonio Evaristo de. Advogado criminal, esse desconhecido. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v.9. Ano 3. janeiro-março de 1995.


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. . Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG. . .


Imagem Ilustrativa do Post: legal7 // Foto de: Cal Injury Lawyer // Com alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/calinjurylawyer/22082538025 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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