Em Habeas Corpus manuscrito pelo preso, STF não lava as mãos e concede liberdade de ofício

15/01/2016

Por Rômulo de Andrade Moreira e Alexandre Morais da Rosa – 15/01/2016

O paciente impetrou a ordem de Habeas Corpus diretamente no STF, sem advogado, subscrevendo a petição. Um lance arriscado. E no dia 13 de janeiro, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, no exercício do plantão da Corte, em decisão corajosa, determinou a revogação da prisão preventiva de uma pessoa que se encontrava presa desde junho do ano passado, acusada da prática de roubo. O paciente teve a prisão decretada pelo Juízo da 16ª. Vara Criminal da Comarca de São Paulo. A decisão monocrática foi proferida nos autos do Habeas Corpus nº. 132488.

Segundo o Ministro, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não admite a decretação da custódia cautelar baseada na gravidade abstrata do delito ou na afirmação genérica de que o acusado oferece perigo à sociedade.

Por ser incabível o questionamento da decisão de primeira instância diretamente ao Supremo (o que é muito questionável, dada a natureza do remédio constitucional), o Ministro não conheceu do Habeas Corpus, mas concedeu a ordem de ofício, pois, segundo ele, os requisitos previstos no art. 312 do Código Processual Penal não foram concretamente demonstrados: “Segundo remansosa jurisprudência desta Suprema Corte, não bastam a gravidade do crime e a afirmação abstrata de que o réu oferece perigo à sociedade para justificar-se a imposição da prisão cautelar ou a conjectura de que, em tese, a ordem pública poderia ser abalada com a soltura do acusado”, escreveu o Ministro do próprio punho.

O Ministro fez questão de ressaltar que o Supremo Tribunal Federal tem repelido, de forma reiterada, a prisão preventiva baseada apenas na gravidade do delito, na comoção social ou em eventual indignação popular dele decorrente. Citou ainda decisão no Habeas Corpus nº. 96793, que tratou de caso análogo ao dos autos.

É preciso que os Juízes brasileiros (e também os membros do Ministério Público) saibam disso! As decisões que decretam prisões provisórias precisam ser fundamentadas, rigorosamente respaldadas em fatos concretos e não em ilações perigosamente extraídas, muitas vezes, de outros autos, de outros casos penais, de outros acusados.

Winfried Hassemer tem uma obra em que trata de algumas questões de Direito Penal e também de Direito Processual Penal, especialmente dos pressupostos da prisão preventiva, onde analisa o Direito alemão. Muito interessante o que ele escreveu:

"Si se miden los presupuestos de la prisión preventiva a partir de los parámetros normativos de la Convención de Derechos Humanos, la Constitución y demás fundamentos de nuestro derecho procesal penal, de ello surge que es posible la legitimación de este medio de coacción, pero sólo dentro de límites claramente más estrechos que los de la Ordenanza Procesal Penal vigente. (...) En mi opinión, la resistencia más intensa en contra de tal concepción se alimenta de la difundida creencia en la posibilidad de dar solución a los problemas de la criminalidad con medios del derecho penal. El fundamento de la prisión de peligro de reiteración (§ 112a, StPO), pero también el “fundamento de la prisión” de la gravedad del hecho (§112, III, StPO), de ningún modo podrían ser explicados sin esta creencia: con el instrumento de la prisión preventiva se debe intervenir lo más rápido y decididamente que sea posible en crisis que no tienen que ver con el proceso penal mismo, sino con la criminalidad y con la reacción de la población frente a la criminalidad.(...) Quien quiera aplicar la prisión preventiva para tal lucha contra la criminalidad siempre podrá apoyarse en modelos extranjeros y en comprobaciones estadísticas, también luego de la realización de tales propuestas. El verdadero punto de partida de una solución es admitir que el derecho penal y el derecho procesal penal no “solucionan” o “eliminan” los problemas de la criminalidad, sino que sólo pueden “elaborarlos” – protegiendo lo mejor posible los derechos de todos -. Una prevención general efectiva y orientada a la justicia no consiste en la intensificación de los instrumentos del derecho penal para una lucha a largo plazo contra la criminalidad, sino en la vinculación decidida a los principios jurídicos consentidos para la evitación de lesiones a los derechos de los afectados a corto y mediano plazo. (...) Si no abusamos de la prisión preventiva como instrumento para la intervención en las crisis, valores irrenunciables como la prohibición de exceso y la presunción de inocencia tienen mejores chances de sobrevivir – también, y justamente, en la consciencia de la probación. (...) Antes de investigar si la prisión preventiva es efectivamente idónea para la lucha contra la criminalidad (por ejemplo, contra el peligro de reiteración), se debe haber decidido si está permitido utilizarla para ese objetivo. A partir de principios fundamentales de nuestro derecho procesal penal se deriva que esto no está permitido. (...) Es legítima sólo para aseguramiento del procedimiento y de la ejecución, pero no para la persecución de objetivos penales materiales, tales como la lucha contra el peligro de reiteración. Esto se deriva necesariamente del principio por el cual se presume la inocencia. Sólo constituyen fundamentos admisibles de la prisión la fuga, el peligro de fuga y el peligro de obstrucción de la investigación. (...) Más importante es admitir que los problemas de la criminalidad no pueden ser solucionados mediante la prisión preventiva, y que la consciencia jurídica de la población se refuerza más mediante un respeto decidido de los principios jurídicos fundamentales que mediante una fuerte intervención de crisis con ayuda de la prisión preventiva.” (Crítica al Derecho Penal de Hoy. Norma, Interpretación, Procedimiento, Límites de la Prisión Preventiva. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1995, 1º. edição, págs. 124-127).

É óbvio que a gravidade do crime, nem quaisquer outras circunstâncias extra processuais, não têm legitimidade para autorizar uma prisão cautelar. Nada obstante, ainda temos, lamentavelmente, como um dos requisitos para a decretação da prisão preventiva, a “garantia da ordem pública”, conceito por demais genérico e, exatamente por isso, impróprio para autorizar uma custódia provisória que, como se sabe, somente se justifica no processo penal como um provimento de natureza cautelar, presentes o fumus commissi delicti e o periculum libertatis. Além do que, conforme dispõe expressamente o art. 282, I, do CPP, a ordem pública só poderia ser decretada nos casos expressamente previstos em lei e, por sua vez, a redação do art. 312, do CPP, não foi alterada. Logo, sem a modificação do art. 312, não existe autorização legal para utilização da ordem pública. (MORAIS DA ROSA, Alexandre. Guia Compacto do Processo Penal conforme a Teoria dos Jogos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014).

Há mais de dois séculos Beccaria já preconizava que “o réu não deve ficar encarcerado senão na medida em que se considere necessário para o impedir de escapar-se ou de esconder as provas do crime. (Dos Delitos e das Penas, São Paulo: Hemus, 1983, p. 55), o que coincide com dois outros requisitos da prisão preventiva em nosso País (conveniência da instrução criminal e asseguração da aplicação da lei penal).

Acaba por acontecer que se decreta a prisão preventiva no Brasil, muitas vezes, sob o argumento de se estar resguardando a ordem pública, quando, por exemplo, quer-se evitar a prática de novos delitos pelo imputado ou aplacar o clamor público. Não raras vezes vê-se prisão preventiva decretada utilizando-se expressões como “alarma social causado pelo crime” ou para “aplacar a indignação da população”, e tantas outras frases (só) de efeito.

A respeito, veja-se a preocupação dos juristas espanhóis Gimeno Sendra, Moreno Catena e Cortés Dominguez:            "Tampoco puede atribuirse a la prisión provisional un fin de prevención especial: evitar la comisión de delitos por la persona a la que se priva de libertad. La propia terminología más frecuentemente empleada para expresar tal idea – probable comisión de ´otros´ o ´ulteriores´ delitos – deja entrever que esta concepción se asienta en una presunción de culpabilidad. (…) Por las mismas razones no es defendible que la prisión provisional deba cumplir la función de calmar la alarma social que haya podido producir el hecho delictivo, cuando aún no se ha determinado quién sea el responsable. Sólo razonando dentro del esquema lógico de la presunción de culpabilidad podría concebirse la privación en un establecimiento penitenciario, el encarcelamiento del imputado, como instrumento apaciguador de las ansias y temores suscitados por el delito. (…) La vía legítima para calmar la alarma social – esa especie de ´sed de venganza´ colectiva que algunos parecen alentar y por desgracia en ciertos casos aflora – no puede ser la prisión provisional, encarcelando sin más y al  mayor número posible de los que prima facie aparezcan como autores de hechos delictivos, sino una rápida sentencia sobre el fondo, condenando o absolviendo, porque sólo la resolución judicial dictada en un proceso puede determinar la culpabilidad y la sanción penal.” (Derecho Procesal Penal, Madrid: Colex, 3ª. ed., 1999, pp. 522/523).

Daí que a má compreensão do lugar e da função da prisão cautelar implica nos brados de que acusados estejam em liberdade, como vimos recentemente difundir-se um vídeo em que se reclamava ter o sujeito sido preso e que no dia seguinte estava em liberdade, justamente porque o autor do vídeo manipula as premissas. A prisão em flagrante não se confunde com preventiva. Só pensa assim quem vive na inquisição e quer fazer antecipação de pena por prisão preventiva. A jogada do paciente, no caso do Habeas Corpus n. 132488, utilizou uma tática arriscada e deu sorte, porque apesar de não conhecer a impetração, o Ministro reconheceu a ilegalidade. Enfim, não lavou as mãos.


Rômulo Moreira

Rômulo de Andrade Moreira é Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor de Direito Processual Penal da UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela UNIFACS.

  Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui           
Imagem Ilustrativa do Post: Hand // Foto de:  Jeff Kubina // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/kubina/993034390/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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