Em Comunhão com Deus  

31/03/2019

 

“Em Comunhão com Deus” é um livro de Huberto Rohden, brasileiro que viveu entre 1893 e 1981, estudioso da espiritualidade, cuja obra infelizmente é muito pouco divulgada no Brasil.

No prólogo à edição brasileira de “Bíblia e psique: simbolismo da Individuação no Antigo Testamento” (Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Edições Paulinas, 1990, pp. 11-17), livro de Edward F. Edinger, este que foi um dos principais discípulos de Carl Jung, Huberto Rohden é colocado ao lado de Teilhard de Chardin e Carl Jung como um dos grandes pensadores na busca da “redescoberta de nossa fundamental unidade e irrepetível originalidade”, o que representa o reconhecimento da grandeza de sua obra.

Huberto Rohden foi ordenado padre católico em 1920, deixando a ordem eclesiástica em 1945, depois de ter seus livros condenados por Carta Circular dos Bispos de São Paulo (https://pebesen.wordpress.com/padres-da-igreja-catolica-em-santa-catarina/padre-huberto-rohden-um-longo-caminho/). Depois de Giordano Bruno e Galileu Galilei, todo aquele que teve sua obra condenada pela Igreja deveria ter alguma atenção dos interessados na verdade científica.

Pela editora Martins Claret, Rohden foi responsável pela tradução do “Tao Te Ching”, do “Bhagavad Gita” e do “Evangelho de Tomé” e pelas respectivas notas e comentários, sendo autor profundamente comprometido com a busca espiritual, tendo estudado na Áustria, na Holanda, na Itália, formando-se em Ciências, Filosofia e Teologia, sem contar as inúmeras viagens de estudo pelo mundo, incluindo Estados Unidos, Palestina, Egito, Índia e Nepal.

Em homenagem ao trabalho de Rohden, assim, o presente artigo consistirá em algumas citações do livro “Em comunhão com Deus”, de Huberto Rohden, da Editora Martins Claret, São Paulo, edição de 2008, com alguns comentários meus pertinentes às passagens colacionadas.

A espontânea e permanente comunhão do homem com Deus é o termo final da nossa jornada evolutiva, a mais alta perfeição do ser humano considerado em sua plenitude. Representa a mais profunda felicidade da nossa vida, uma beatitude firme, silenciosa, anônima, de que não fazem ideia os que não a experimentaram pessoalmente. Os únicos homens realmente felizes, através de todos os séculos e milênios, foram os que tinham realizado esse supremo destino de sua vida” (p. 17).

Ainda que Rohden tenha deixado o apostolado católico, a influência Cristã permaneceu em sua vida, tendo ele mantido a posição de destaque de Jesus, o Cristo, em seus escritos, sendo a passagem acima uma clara indicação da força do Cristianismo original em sua obra, indicando a necessidade da busca da comunhão ou unidade com Deus, a exemplo de Jesus, o Cristo.

Depois de dizer que nossa evolução histórica passa pelo mundo dos “sentidos”, mediado pelo reino da “inteligência” em direção ao universo do “espírito”, e sustentar que este último é o mundo da autêntica realidade, na medida em que é o espírito que causa a matéria, afirma que:

a causa – e, neste caso, a Causa Primária, Eterna, Absoluta, que as religiões chamam Deus – é infinitamente mais real do que qualquer um de seus efeitos, ou mesmo a soma total dos efeitos por ela produzidos.

‘Objetivamente’ considerado, isto é, em si mesmo, é o mundo do espírito incomparavelmente mais real do que o da matéria – embora ‘subjetivamente’, isto é, segundo o nosso modo de conhecer, parece o mundo material muito mais real do que o mundo do espírito. A verdadeira evolução do homem consiste em tornar o mundo do espírito subjetivamente tão real como ele é real objetivamente” (p. 18).

Desta passagem podem ser constatadas influências de Aristóteles e seu primeiro motor e a substância eterna e independente das coisas sensíveis, por um lado, e de Hegel, de outro lado, ao sustentar que apenas o que é racional é real, de modo que apesar da simplicidade e aparente ingenuidade do texto, nele está presente uma profundidade metafísica e filosófica que escapa ao leitor menos atento.

Rodhen destaca que o principiante da jornada rumo à realidade espiritual, o semi-espiritualizado, pode chegar a ter antipatia por tudo o que é material, tendo ímpetos de maldizer o mundo material alegando que este foi criado por um satanás ou anti-Deus e pensando que não deve se ocupar com as coisas materiais. Contudo, no desenvolvimento da caminhada espiritual, deve adquirir uma visão mais adequada e completa da realidade.

A sua filosofia estreita e unilateral culmina numa visão vasta, panorâmica, onilateral, redimindo-o de todas as ignorâncias e erros. Chega a descobrir aos poucos que, como não existe um mundo sem Deus, assim também não existe um Deus sem o mundo – mas que o Deus do mundo está no mundo de Deus, e que cada átomo e astro deste mundo é uma revelação do Deus do mundo. Faz então a jubilosa descoberta de que cada coisa material, quando devidamente compreendida, pode servir de canal e veículo para conduzir o homem a Deus, do artefato ao Artífice, da obra ao Obreiro, do raio luminoso ao Foco da luz, das pequeninas ondas do rio ao Oceano imenso, donde essas águas vieram e para onde voltarão” (p. 19).

Rohden deve ser considerado um integrante da Teologia panenteísta, segundo a qual Deus está no mundo, é imanente ao mundo, mas não se confunde com o mundo, porque também o transcende. Sobre esse tema, o interessante vídeo “Christianity and Panentheism” (https://www.youtube.com/watch?v=_xki03G_TO4) sustenta a compatibilidade de um panenteísmo fraco com o Cristianismo.

Esse assunto é de importância fundamental, segundo penso, porque o Cristianismo ocidental assumiu um pensamento dualista, de dois mundos ou duas realidades, em razão de uma determinada leitura das Escrituras, que se afasta da ideia bíblica original e permite a vida esquizofrênica que temos, porque valores opostos e contraditórios são sustentados no mundo da vida, sem que as pessoas percebam a incongruência e insustentabilidade filosófica e racional dessa situação, notadamente no plano político. Isso é a principal causa do atual conflito entre esquerda e direita, em países de influência predominantemente Cristã, porque alguns dão ênfase à liberdade individual e outros à igualdade material, sem que cheguem a um denominador comum, seja por vaidade, ignorância ou egoísmo.

Daí a importância da caminhada espiritual, porque o homem plenamente espiritual:

esse homem aboliu definitivamente o egoísmo, em todas as suas formas, e por isso já não tem necessidade de olhar, vacilante e incerto, para trás e para todos os lados, com receio de que o bem que tenciona fazer à humanidade possa, talvez, redundar em detrimento de seus interesses pessoais. O egoísta não pode lançar-se corajosamente, de corpo e alma, ao oceano imenso do reino de Deus, às ondas bravias de uma causa comum, porque tem de calcular meticulosamente e especular sagazmente, a ver se este ou aquele serviço que vai prestar a seus semelhantes não venha a ser um desserviço para seus interesses individuais ou à política estreita de sua família ou grupo social. O homem espiritual, porém, está livre desses percalços paralisantes, uma vez que renunciou definitivamente a todo e qualquer interesse individual e se consagrou integralmente à grande causa da humanidade.

Do homem que algo espera do mundo nada pode o mundo esperar – mas do homem que nada espera do mundo tudo pode o mundo esperar” (p. 20).

Observando o universo político nacional e internacional, quão difícil é encontrar pessoas que realmente se lançam em favor de uma causa comum da humanidade, sem se preocupar com os interesses particulares e exclusivos de determinados grupos, interesses esses muitas vezes incompatíveis com a salubridade e com o equilíbrio social.

Daí o destaque para a atividade messiânica de Jesus, o Cristo, que exerceu exatamente essa função, dando o exemplo, sendo o Caminho para a melhor e mais perfeita realização da causa comum humana. Por isso o Reino de Deus é dependente dos Cristãos, daqueles que seguem o exemplo de Cristo, o pleno homem espiritual, porque “é só do homem realmente espiritual que o mundo pode esperar melhores dias” (p. 21), e qualquer um que pense com um pouco de honestidade intelectual não hesitará em concordar plenamente com isso.

O Reino de Deus, contudo, não é algo que seja de fácil conquista, não basta a recitação formal da Lei, é preciso esforço para seu cumprimento integral na atividade diária, para alcançar a gloriosa liberdade dos filhos de Deus: “A Lei e os Profetas até João! Daí em diante, é anunciada a Boa Nova do Reino de Deus, e todos se esforçam para entrar nele, com violência” (Lc 16, 16).

Como disse Huberto Rohden:

Essa gloriosa liberdade, porém, não é um presente de berço que o homem receba gratuitamente, mas é uma esplêndida conquista, o triunfo máximo de uma vida consagrada à verdade redentora.

‘Conhecereis a verdade – e a verdade vos libertará’ (Jesus, o Cristo).

Ora, sendo Deus a verdade eterna e a suprema liberdade, é só pela íntima união com ele que o homem consegue essa verdade libertadora, que é a quintessência da vida espiritual e dinâmica” (p. 21).

E isso é só o Prefácio, que se inicia com a primeira citação acima, de página 17, e se encerra com as últimas palavras transcritas.

 

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