Em alegações finais, o Ministério Público não “pede”, mas simplesmente “opina” sobre o julgamento do pedido formulado na denúncia – Por Afrânio Silva Jardim

31/01/2024

Partindo de uma falsa premissa, alguns autores estão entendendo, depois de mais de 70 anos de vigência da regra do art. 385 do Cod.Proc.Penal, que o juiz está obrigado a absolver o réu se o Ministério Público opinar pela sua absolvição, em alegações finais.

Ora, o legislador, neste particular, foi técnico e usa a palavra "opina" no citado art. 385. Repito: o referido dispositivo legal cuida não da formulação de pedidos, mas sim de mero opinamento sobre o pedido já formulado na denúncia. Este pedido não pode ser retirado.

Cabe aqui, uma primeira crítica: se o opinamento do Ministério público, em alegações finais, tivesse a eficácia de desistir do pedido feito na denúncia, a hipótese não seria de absolvição, mas sim de extinção do processo sem resolução do mérito.

Desta forma, tecnicamente, também a defesa do réu não "pede" a sua absolvição, em alegações finais. A defesa, no processo penal, postula a improcedência do pedido feito na denúncia. Não fosse assim, teríamos o réu exercendo um estranho direito de ação na sua peça final do processo, no primeiro grau de jurisdição ...

Pedido, no Direito Processual, é uma categoria jurídica que tem sentido próprio. O pedido exterioriza a pretensão do autor. Através dele o titular do direito de ação postula ao Poder Judiciário que prevaleça o seu interesse em detrimento do interesse do réu. Sem pedido, não há demanda, o direito de ação não é exercido. Sem pedido não temos denúncia ou queixa, mas uma mera notícia de crime.

No processo penal, o pedido é formulado na denúncia, em se tratando de ação penal de iniciativa pública. Todas as demais manifestações, que venham a ocorrer no desenvolvimento do processo, não têm qualquer eficácia que vincule os demais sujeitos processuais, mormente o juiz. Inclusive, não há sequer vinculação em face dos próprios membros do Ministério Público, tendo em vista a independência funcional prevista expressamente na Constituição Federal.

Parece-me totalmente desarrazoado que o "parecer" de um dos membros do Ministério Público obrigasse o juiz a decidir diferentemente de seu entendimento. Se assim fosse, quem estaria "absolvendo" o réu seria o Ministério Público e não o juiz. Vale dizer, quem estaria decidindo e julgando seria o Ministério Público...

A questão fica mais complicada nos crimes de competência do Tribunal do Júri. Muitas vezes, em plenário, deixei de sustentar a acusação feita na denúncia e no Libelo (na época existia esta peça processual). Opinei no sentido de que os jurados deveriam absolver o réu. Isto ocorre constantemente em nosso país. Em todas estas vezes, o juiz de direito que preside os julgamentos, formula quesitos sobre os pontos da acusação e da defesa e os submete à apreciação do Tribunal Popular, por força da competência constitucional.

Lógico, que na prática, os jurados acabam absolvendo os réus, mas eles poderiam responder os quesitos em desconformidade com o pronunciamento do membro do Ministério Público. Lembro-me de um caso concreto em que não sustentei uma qualificadora e os jurados aceitaram a qualificadora, respondendo “sim”, ao respectivo quesito.

Ora, se o pronunciamento do Ministério Público vinculasse o órgão jurisdicional, obrigando-o a absolver o réu, como resolver tal problema? Deveria ao juiz-presidente exigir que os jurados negassem todos os quesitos da acusação? Absurdo. Deveria o juiz de direito subtrair a competência constitucional do Tribunal Popular e ele mesmo absolver o réu, sem ao menos previsão legal? Absurdo.

Quando o intérprete do sistema jurídico chega a um resultado absurdo, deve rever algumas das premissas sobre as quais alicerçou sua conclusão ...

Vale a pena repetir, o Ministério Público, em alegações finais, não formula pedidos e não desiste do pedido formulado na denúncia, tendo em vista a regra do art. 42 do Cod.Proc.Penal. A ação penal pública é indisponível.

Caso contrário, a prevalecer o entendimento que ora criticamos, os tribunais teriam sempre que absolver os réus se os Procuradores de Justiça tivessem opinado pela absolvição do apelante ou do apelado ... No segundo grau de jurisdição, os procuradores "presentam" o Ministério Público no processo penal, como órgão que são desta instituição.

Por derradeiro, ratifico o que escrevemos alhures sobre o tema:

"Na verdade, o mencionado art. 385 de Processo Penal não poderia dispor de forma diferente e é resultante do princípio da indisponibilidade da ação penal pública (art. 42 do CPP). O pedido de condenação não é retirado, sendo que, nas alegações finais, apenas e dá um “parecer” sobre a pretensão punitiva estatal, que está manifestada na denúncia e nela permanece. De qualquer forma, o legislador não tem saída: a) ou obrigaria o Ministério Público a insistir sempre e sempre na condenação do réu, o que seria um absurdo; b) ou obrigaria o juiz a absolver o réu e, nesse caso, a decisão seria do próprio Ministério Público, que mandaria o juiz prolatar uma decisão meramente formal de absolvição, o que seria um despautério…" (Direito Processual Penal, Estudos e Pareceres, 14.edição, Juspodium, com a coautoria do prof. Pierre Souto Maior Amorim"


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