Elogio à humildade científica (e à sua necessidade) nas profissões jurídicas

19/11/2015

Por Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino e Cesar Luiz Pasold - 19/11/2015

O mundo científico e o mundo extra científico giram, sem ter havido até agora um acordo entre eles a respeito, em torno da categoria Verdade, com a qual se busca segurança na produção, interpretação e aplicação dos saberes humanos.

Todos os dias, procura-se o sentido dessa palavra no pensar e agir em relação ao “Eu”, ao “Tu” e ao “Nós”.

Não se trata de uma tarefa fácil, especialmente para os Profissionais Jurídicos que desejem empregar a Verdade como uma certeza pessoal, habitual, imutável. Opção gravemente equivocada porque a busca efetiva da Verdade suscita, de modo perene, a presença de uma cada vez mais esquecida virtude: a Humildade.

Humildade é pressuposto estratégico da busca e desenvolvimento da Verdade. Trata-se do território adequado no qual germinam as novas ideias e esclarecimentos acerca de nossa Humanidade e suas peculiaridades. Essa, apresenta, no tempo, as limitações de nossas atividades mentais, de nossas percepções. É necessário, nesse cenário, reconhecer nossa finitude e buscar sempre outras (novas ou não) respostas para as indagações que nos surgem perenemente.

Não é possível, nem conveniente, acreditar que a Verdade seja certa, eterna e imutável como desejava Platão[1], pois é o ser humano que determina seu conteúdo qualitativo e quantitativo, a sua eficácia, eficiência e efetividade. Por tal motivo, vale a pena realizar a busca da compreensão do que é a Humildade na atividade científica, num primeiro momento e, após, propor, nessa linha de pensamento, um conceito operacional para a categoria Verdade.

A denominada Humildade Científica pode ser percebida no seguinte Conceito Operacional[2]: “[...] é a atitude (tendência interna) de reconhecimento de que nunca se sabe tudo sobre algo, seguida de ação (comportamento efetivo) que busca, pela aprendizagem, a superação de nossas áreas de ignorância, com leitura de Livros, Jornais e Revistas e com o diálogo com outras pessoas”.

Sob igual critério, Verdade “[...] define-se em devir, como revisão, correcção, e ultrapassagem de si mesma, efectuando-se tal operação dialéctica sempre no meio do presente vivo [...]"[3].

Submeter-se à uma perspectiva científica do Direito implica em cultivar quatro preocupações centrais: a) rigor de coerência nos seus argumentos, especialmente quanto às suas fontes; b) estabilidade quanto ao conteúdo, ao processo e estrutura do conhecimento jurídico; c) destinação social de seus resultados; d) sensibilidade quanto às inovações que favorecem e ampliam a Dignidade Humana.

Todos esses itens demonstram como o Direito, interpretado e expresso pelas diferentes profissões que o tem como mote de existência, não é uma criação puramente abstrata, algo “dado” exclusivamente pelas vozes da Lei e da Jurisprudência. Ele emerge das relações humanas e se desenvolve e se clarifica graças ao Conhecimento Científico.

Esta época em que vivemos, com muitas cegueiras epistêmicas, com recusas ao aprendizado por meio da Educação - e de apressado e cômodo contentamento apenas com o ensino - requer exercícios de acurada percepção criticamente responsável quanto às diferentes atividades profissionais jurídicas.

Bachelard[4], a propósito, destacava: “[...] tudo o que está oculto é profundo, tudo o que é profundo é vital, vivo; o espírito formador é subterrâneo”. A produção, interpretação e aplicação do Direito parece não observar – nem se importar com – a necessidade da Humildade Científica para buscar as raízes de nossas mazelas que comprometem a eficácia, a eficiência e a efetividade da Lei, da Jurisprudência, da Doutrina e do Costume, nas suas condições de tradicionais Fontes do Direito.

Essa incapacidade de ouvir, de buscar, de aprender com outros saberes, vale dizer, de praticar a Humildade Científica desenvolvendo a multi e a interdisciplinaridade para se constituir (possivelmente) um saber transdisciplinar, estabelece a fragilidade da autonomia, da luta, da resistência jurídica promovida por seus profissionais a fim de assegurar condições dignas de vida às pessoas, bem como fortalecer e preservar os espaços democráticos.

A Verdade buscada por Magistrados, Advogados, Promotores, Delegados, Professores e Pesquisadores, em grande parte, tem sido apenas um dado fixo de cunho retórico a fim de desestabilizar o argumento contrário ou, ainda, impor as visões pessoais de mundo.

E assim o é nos três diferentes “campos jurídicos” nos quais “ocorrem argumentações”, os quais, na lição de ATIENZA são: (1) “o da produção ou estabelecimento de normas jurídicas”, (2) “o da aplicação  das normas jurídicas à solução de casos”, e (3) o da “dogmática jurídica “ na condição de “atividade complexa”[5].

Nessa linha de pensamento, é pouco provável que os Profissionais Jurídicos consigam, em Leis, Doutrinas, Jurisprudências, determinar qual é a sua Função Social, porque tem dificuldades em visualizar outros horizontes, outras respostas possíveis às suas perguntas. Não conseguem sair de suas certezas habituais, certamente não promovidas pela Humildade Científica, porque essa atitude/comportamento implica no reconhecimento de nossas limitações como seres humanos e, por consequência, como profissionais de qualquer área, inclusive- vejam só! - a jurídica.

Esse cenário se torna mais intenso quando se observa o esmaecimento da Consciência Jurídica[6] geral em Consciência Jurídica corporativa.

Essa última, ao contrário da primeira, define-se como produto cultural compartilhado entre pessoas de uma mesma classe profissional, cujas ações profissionais não se alteram, nem se inovam a partir da Humildade Científica, mas persistem como sectárias, especialmente devido aos seus vícios, entre os quais, incluam-se facilidades institucionais.  

Reitera-se: diante de decisão de não se Educar no tempo, e da recusa em sair das certezas aparentes sempre promovidas pelo (tedioso) monólogo do “Eu”, nenhuma das profissões– especialmente as jurídicas – consegue promover e determinar razões para a Paz, o Desenvolvimento e o reconhecimento da Dignidade Humana para todos.

Os matizes de qualquer profissão jurídica que formam o belo mosaico na preservação dessa obra de arte chamada Democracia, se tornam, mais e mais, silentes a partir de nossas indiferenças, e de uma acomodação que torna seletivas as nossas sensações diante das angústias e súplicas do Outro.

Esse, clama, em som forte, por auxílio para que ninguém – seja Cidadão ou Estado – lhe arranque da chance de uma vida digna, respeitável e em abundância como consequência do exercício da Função Social que deve ser cumprida pelos Advogados, Magistrados, Promotores, Delegados, Professores e Pesquisadores da Área Jurídica. A persistente ausência da Humildade Científica acarreta a perda da eficácia, eficiência e efetividade de qualquer resposta que tente viabilizar, historicamente, formas de convívio mais tolerante, sadio, fraterno e cooperativo.

Enfim, quando ausentes da Humildade Científica, os Profissionais Jurídicos se deixam, por opção, tomar pela cegueira.

Todos os cenários humanos, quando desprovidos dessa atitude/comportamento, não estimulam a concretização das utopias carregadas de esperança, na qual tanto insistia o Professor Osvaldo Ferreira de Melo[7].

Percebe-se, a partir dessa postura, a carência de uma meditação mais profunda acerca das palavras de Adso de Melk, interessante personagem da obra de Umberto Eco intitulada O nome da rosa, sobre a temporalidade do conhecimento e a sua necessidade de perene revisão, que se aplica bem à pratica dos Profissionais Jurídicos.

Eis a lição:  “El saber no es como la moneda, que se mantiene físicamente intacta incluso a través de los intercambios más infames; se parece más bien a un traje de gran hermosura, que el uso y la ostentación van desgastando[8].


Notas e Referências:

[1] “[...] a virtude do pensar, porém, ao que parece, por ser própria de algo mais divino, jamais perde a sua força”. PLATÃO. A república: ou sobre a justiça, diálogo político. Tradução de Anna Lia Amaral de Almeida Prado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, par. 518e. Título original: Politéia

[2] PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 19/20.

[3] LYOTARD, Jean-François. A fenomenologia. Tradução de Armindo Rodrigues. Lisboa: Edições 70, 2008, p. 48. Título original: La phénoménologie.

[4] BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. 7. tir.  Rio de Janeiro: Contraponto, 2007, p. 220.  Título original: La Formarion de Pesprit scientifique: contribution à une psychanalyse de Ia connaissance.

[5] ATIENZA, Manuel. As razões do Direito- Perelman, Toulmin, MacCormick, Alexy e outros. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. 2 ed. São Paulo: Landy, 2002, especialmente p. 18,19 e 20. Título original: Las Razones del Derecho: Teorias de la Argumentación Jurídica.

[6] “Aspecto da Consciência Coletiva [...] que se apresenta como produto cultural de um amplo processo de experiências sociais e de influência de discursos éticos, religiosos, etc., assimilados e compartilhados. Manifesta-se através de Representações Jurídicas e de Juízos de Valor”. MELO, Osvaldo Ferreira de. Dicionário de Política Jurídica. Florianópolis: Editora da OAB/SC, 2000, p. 22. Grifos no original .

[7] MELO, Osvaldo Ferreira de. Fundamentos da Política Jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1994, p. 19.

[8] ECO, Umberto. El nombre de la rosa. 13. ed. Buenos Aires: Delbolsillo, 2010, p. 262. Título original: Il nome della Rosa. Tradução livre da citação pelos autores deste texto: “O saber não é como o dinheiro que se mantém intacto mesmo nas transações mais infames; ele se parece mais com um traje de grande beleza que, com o uso e a ostentação, se desgasta no tempo”.


Sérgio Ricardo Fernandes de Aquino é Mestre e Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) – Mestrado – do Complexo de Ensino Superior Meridional – IMED.

E-mail: sergiorfaquino@gmail.com

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Sem título-1

Cesar Luiz Pasold é Doutor em Direito do Estado pela USP; Pós Doutor em Direito das Relações Sociais pela UFPR; Professor  e Orientador de Dissertações e Teses nos Cursos de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica na UNIVALI. Advogado – OAB/SC 943. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/6851573982650146

E-mail: cesarpasold@gmail.com 


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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