Elementos para uma Teoria do Processo em Meio Reticular - eletrônico

17/10/2016

Por José Eduardo de Resende Chaves Júnior - 17/10/2016

Os justos só são eficazes, só conseguem manter a existência de uma comunidade, constituindo uma inteligência coletiva”.

Pierre Lévy

“O meio é a mensagem”

Marshall McLuhan

“O curso da vida se compõe de partes, de vivências que se encontram em conexão interna entre si (Zusammenhang). Toda vivencia singular está referida a um eu, de que é parte; mediante a estrutura se enlaça com outrs partes numa conexão. Em todo o espiritual encontramos conexão; assim, a conexão é uma categoria que surge da vida”

Wilhelm Dilthey

“O rizoma, distintamente das árvores e suas raízes, conecta-se de um ponto qualquer a um outro ponto qualquer, pondo em jogo regimes de signos muito diferentes, inclusive estados de não signos.”

Deleuze e Guattari

1 - Introdução

O processo eletrônico antes que instrumental, é transversal, porquanto aplica-se indistintamente ao processo civil, ao processo penal, ao processo do trabalho e ao juizado especial, como está explicitado no parágrafo 1º do artigo 1º da Lei 11.419/2006.

Essa transversalidade é sua nota distintiva. Pressupõe uma pré-compreensão da sociedade na era das novas tecnologias de comunicação e informação.

O processo tradicional pressupunha o entrecruzamento da democracia e o direito, sintetizados no conceito de Estado Democrático de Direito. O processo virtual pressupõe a compreensão prévia da imbricação entre democracia digital e os direitos da cidadania em rede.

A democracia tradicional contenta-se pragmaticamente com a democracia representativa. A democracia digital vai além e já cogita da democracia direta e participativa, ou seja, pressupõe a intervenção ativa, interativa e virtual do cidadão na política institucionalizada, até mesmo na elaboração e votação das leis.

Desse caldo da sociedade virtual é que eclode o processo eletrônico, não propriamente de sua automação informática, muito embora como decorrência dos meios dela oriundos. Os otimistas miram a automatização dos atos processuais e a sustentabilidade ambiental. Os pessimistas fazem cogitações sobre a perda da dimensão humana do processo.

A automotização é um aspecto muito relevante, mas que nem de longe pode se apresentar como solução para a complexidade de demandas e conflitos que envolvem a sociedade contemporânea. Automatizar mecanicamente decisões, além disso, é uma via rápida para alcançar a completa falta de legitimação social do Judiciário brasileiro.

Por outro lado, não há qualquer incompatibilidade entre a informática e a nossa dimensão humana. O conhecimento em geral e, especificamente, sobre a ciência da computação é uma inerência tão humana quanto a dignidade das pessoas. Não há entre tais instâncias qualquer antinomia, senão uma forte relação de interatividade.

O que nos parece decisivo no processo eletrônico – inclusive para efeitos da construção de uma nova teoria geral para o processo – não é propriamente seu viés tecnológico, mas, sim, sua característica reticular, ou seja, o fato de ser um processo em rede, acessível pela rede mundial de computadores – Internet – e, como tal, beneficiário da «inteligência coletiva» de que nos fala Pierre Lévy, o maior pensador contemporâneo sobre a Internet, que busca no grande filósofo francês Gilles Deleuze os planos de seu pensamento.

O processo virtual é muito mais um «rizoma»[1] do que uma mera estrutura ou um sistema. O processo eletrônico é um fluxo ou um workflow rizomático que nos convida a pensar na potência de um processo pós-estruturalista, aberto e em contato (rectius:  em «conexão») com o ponto de vista externo. É a possibilidade de conexão dos autos com o mundo, possibilidade essa que, a seu turno, altera profundamente a racionalidade, as características e a principiologia da teoria geral do processo, como veremos mais adiante.

Outro viés relevante, que também é pouco explorado pelos juristas, é a própria consideração da alteração da mídia, do papel, para a eletrônica, que é visceralmente transmidiática.

O meio em que se desenvolve o processo não é neutro. Ele afeta e, muitas vezes, condiciona o conteúdo da mensagem. O meio não é um simples canal de comunicação, suas características afetam o conteúdo de maneira muito mais profunda do que supunha nossa racionalidade pré-McLuhan, o grande pensador da teoria da comunicação dos anos 60, que desvendou muitos mistérios da comunicação humana, ao considerar que os meios (de comunicação, de transporte etc) são extensões do ser humano e, como tais, afetam nosso entendimento ou a nossa cognoscibilidade[2].

O processo multimídia eletrônico - rectius: ‘unimídia multimodal’, (LÈVY, 1999)[3] - é muito diferente daquele em que predomina uma única linguagem (escrita) e uma única mídia (impressa no papel).

2 - As Gerações do Processo Eletrônico.

Em termos didáticos é possível dividir os sistemas de processo eletrônico em três fases ou gerações, tomando uma pequena analogia da linguagem em voga na tecnologia da comunicação: primeira geração (1G), a geração do «foto-processo»; a segunda geração (2G) do «e-processo» e a terceira geração (3G) do «i-processo».

A 1G diz respeito aos primeiros sistemas que surgiram, a partir da construção hermenêutica dos juízes federais, que partiram apenas de sua criatividade e ativismo judicial, interpretando extensivamente o parágrafo segundo do artigo 8º da Lei dos Juizados Federais Cíveis e Criminais, Lei 10.259/2001. Tal ativismo acabou inclusive criando as condições favoráveis para a promulgação da excelente e visionária lei do processo eletrônico no Brasil, a Lei 11.419 em finais de 2006.

Não obstante a importância histórica e estratégica dessa primeira geração, tal fase se caracterizou muito mais pela «imaginalização»[4] do que pela automatização. Nessa primeira geração podemos pensar muito mais em processo escaneado, que em processo eletrônico. É a lógica do scanner, da cópia digital. Mas não se escaneia, não se copia apenas a folha de papel, mas sobretudo a lógica do processo de papel, a lógica da escritura.

Nesse sentido tenta-se simplesmente reproduzir em mídia digital a mesma dinâmica dos autos em papel. É como se tentasse transpor um livro para o cinema, simplesmente filmando suas páginas, para depois projetá-las na tela gigante, para comoção geral da plateia.

A mentalidade dos juristas, aferrada em demasia à lógica da escritura, tende a reduzir a importância social, política e econômica do computador ao editor de texto, como se fora uma antiga máquina de escrever com mais recursos. Mas o computador é muito mais que uma ilha de edição textual, é máquina de automação e conexão.

Na geração do «foto-processo» a visualização das peças e do sistema era no formato ‘retrato’, imitando os autos de papel, ao passo que os monitores de computador estão disposto no formato ‘paisagem’. Tal disposição, com menor aproveitamento espacial do monitor, tem efeitos maléficos em termos de ergonomia para o usuário, que é obrigado constantemente a rolar a tela.

Na 2G ou geração do «e-processo», já se pensa em termos de «imaginalização mínima» e de «automatização máxima»[5]. Nessa fase a idéia de «digitalização» é superada pela de «virtualização»[6]. Aqui começa a ter centralidade a noção de sistema e não apenas de peças escaneadas disponíveis para acesso pela Internet.

Nessa etapa cogita-se ainda do trinômio dados-informaçãoconhecimento (RUSCHEL, 2012)[7], no sentido de a última camada – conhecimento - é que efetivamente funciona como suporte e facilitador para o exercício da função do juiz.

Na segunda geração o que está em voga é a automatização de atos ordinatórios e o aperfeiçoamento de ferramentas, com inteligência artificial, para auxiliar a decisão judicial e a atividade de servidores e advogados.

Estamos, portanto, ainda no ambiente interno do sistema informático, da plataforma digital.

Esta etapa tem vários desafios pela frente, pois a maioria dos sistemas, inclusive o PJe, sob a coordenação do CNJ, está ainda muito carente de funcionalidades da camada de «conhecimento» (RUSCHEL, 2012) ou de «virtualização» (PEREIRA, 2012b).

Não obstante a 2G seja uma promessa descumprida em vários aspectos, as outras gerações já se insinuam, inclusive nos autos de papel. Na verdade as quatro fases se imbricam em todos os sistemas existentes, a maioria com predomínio ainda da primeira geração.

A terceira dimensão do processo eletrônico diz respeito à incorporação da inteligência artificial ao processo eletrônico. É ainda muito incipiente, mas já permite pensar em algoritmos argumentativos ou até em algorítimos de aprendizados de máquina, redes neurais de aprendizado jurisprudencial.

Mas esse é um caminho para fazer face aos processos repetitivos, uma mecanização da decidibilidade, um percurso que talvez não seja o mais adequado para lidar com a disseminação dos microconflitos.

A 4G trata da conexão do processo com o mundo virtual de informações. Os fluxos da rede ao se direcionarem ao processo transformam qualitativamente o patamar de participação das partes no processo, bem assim do próprio julgador, que pela acessibilidade do meio, acaba se tornando concretamente mais inquisitivo. O hiperlink facilita de maneira exponencial a conexão autos-mundo, o que acaba por catalisar uma nova forma de atuação de todos os operadores do processo. Nessa concepção caminhamos da ideia de documento eletrônico para a de hiperdocumento.

- Conectividade e Medium

3.1 Redes. Segundo os estudiosos da Escola de Redes[8], especialmente Augusto de Franco[9], “redes são sistemas de nodos (nós) e conexões. No caso das redes sociais, tais nodos são pessoas e as conexões são relações entre essas pessoas. As relações em questão são caracterizadas pela possibilidade de uma pessoa emitir ou receber mensagens de outra pessoa. Quando isso acontece de fato dizemos que se estabeleceu uma conexão”.

Os primeiros passos da chamada teoria das redes foram dados nos trabalhos do Matemático Ëuler, que formulou a ‘teoria dos grafos’. Um grafo é a representação de um conjunto de nodos (nodes) conectados pelas arestas[10]. Erdös e Rényi foram os primeiros a relacionar os grafos a redes sociais. Há vários trabalhos sobre redes complexas, posteriormente aplicados às redes sociais, inclusive às virtuais. Podemos citar os modelos de Barabási, Watts e Strogatz y Erdös y Rényi[11].

O que nos parece importante salientar, sobretudo, é o caráter cumulativo e expansivo da rede, ressaltado por Barry Wellman[12] e Barabási[13]. Na rede tudo tende a crescer em proporções e escalas gigantescas e até fora do controle aparente.

Augusto de Franco observa, ainda, que existem “muitos tipos de redes, dentre os quais os mais conhecidos e citados são as redes biológicas (a rede neural, por exemplo, que conecta os neurônios no cérebro dos animais, ou a teia da vida que assegura a sustentabilidade dos ecossistemas, conectando micro-organismos, plantas e animais e outros elementos naturais) e a rede social (embora existam também redes de máquinas -  como a rede mundial de computadores que chamamos de Internet - que são redes sociais na medida em que conectam pessoas). Há uma homologia entre esses diversos padrões organizativos, de sorte que, estudando-os, pode-se iluminar a compreensão do multiverso das conexões ocultas que configuram o que chamamos de social[14].

Essa racionalidade que decorre da rede não se trata de abstração, há fortes efeitos concretos, inclusive sobre a economia.

Temos hoje uma nova economia cuja produção é baseada nas chamadas externalidades da rede, que institui uma nova forma de produção econômica, descentralizada, colaborativa e que pode escapar dos esquemas de mercados commons-based peer production[15].

Giuseppe Cocco aponta que na produção reticular os termos netwares e wetware[16] “são mobilizados para complementar hardware e software e apreender as novas formas de trabalho e/ou interação produtiva no âmbito das redes de cooperação virtual[17]. Moulier-Boutang acrescenta que os bens hegemônicos no capitalismo dito cognitivo são compostos de 4 fatores simultaneamente: (i) hardware; (ii) software; (iii) wetware e (iv) netware. O economista francês observa que o netware desempenha papel hegemônico entre eles, quer dizer, determinante, mas os quatro fatores são irredutíveis a apenas um deles.  Observa ainda que não é possível um controle completo por parte do capital, de nenhum dos quatro fatores.[18]

A e-democracia, isto é, a possilidade já presente de superar a democracia representativa, a benefício de uma democracia direta, com os cidadãos votando os projetos de lei diretamente pela Internet, com a certificação digital ICP-Brasil por exemplo, ou a primavera árabe no norte da África, em que ditaduras foram caindo uma a uma, com o efeito dominó do Twitter ou Facebook, são demonstrações claras de que a rede tem forte inflexão em relação à política também. Manuel Castells há muitos anos já havia vaticinado que o poder dos fluxos é mais importante que os fluxos do poder.

Se a rede afeta a economia, a política, a sociologia, evidentemente afeta o direito, e por conseqüência o Direito Processual.

3.2 Medium.  O processo eletrônico não é uma simples transposição virtual dos autos, sem qualquer inflexão nas características e na teoria tradicional do processo. O grande pensador da mídia no Século XX, o canadense Marshall McLuhan, sintetizou na célebre idéia de que “o meio é a mensagem[10] - isto é, na idéia de que o meio de comunicação e transmissão da mensagem não é neutro, pois ele condiciona inclusive o seu conteúdo - a importância do meio de comunicação e informação para a própria racionalidade[20]. Os meios são concebidos como extensão dos seres humanos[21].

Cândido Dinamarco, por outro lado, difundiu a tese de que o processo é ‘meio’[22], instrumento da efetivação não só dos direitos materiais, mas também dos valores sociais e políticos, ou seja, ressaltou a importância do processo também para a garantia dos escopos metajurídicos. Para Dinamarco a instrumentalidade do processo é dupla: negativa (a instrumentalidade das formas) e positiva (instrumentalidade para efetivação dos direitos).[23]

Confluindo McLuhan e Dinamarco, temos que, se por uma visão esse ‘meio’ não pode se transformar num fim em si mesmo, para puro deleite de processualistas, por outro lado, esse medium não é isento, muito menos neutro, pois ele acaba por influir e contaminar o próprio desenrolar do processo, a forma de participação das partes litigantes e até o conteúdo da decisão do juiz, que se vêem afetados, dessa forma, pela dinâmica hipertextual e reticular do novo procedimento para a decidibilidade.

Assim, o meio eletrônico, além de condicionar sobremaneira o conteúdo da jurisprudência, vai potencializar a própria instrumentalidade[24] do processo, que passará a ter muito menos amarras e limitações materiais, permitirá o aumento de sua deformalização e alargará suas possibilidades probatórias. Enfim, o meio eletrônico sublinhará que o processo é medium e é instrumento, possibilitando, assim, que se privilegie na demanda os escopos sociais e políticos do processo. A instrumentalidade não será apenas dupla como afirma Dinamarco, será exponencial.

4 - Princípios Específicos do Processo Eletrônico

O presente momento de efetivação da justiça virtual no país e no mundo pode ser um momento privilegiado, em que a doutrina e a jurisprudência poderão canalizar os fluxos de emancipação que as novas tecnologias de informação e comunicação proporcionam, ou poderá significar uma opção conservadora, a opção pela simples ‘informatização da ineficiência’[25] do processo atual.

O que nos parece mais promissor, é explorar, efetivamente, o potencial das novas tecnologias de informação e comunicação, da conexão, das chamadas externalidades positivas da rede e canalizar essas perspectivas para um novo processo, para uma nova racionalidade processual que possa tornar os direitos mais efetivos e as decisões mais justas e adequadas.

É ingênuo imaginar que a folha de papel tenha o mesmo potencial político e social de uma interface eletrônica. A imprensa demoliu uma hegemonia de mil anos, da cultura do manuscrito, do punho de ferro da igreja, dando lugar à galáxia de Gutemberg. As novas tecnologias da mesma forma já estão rearticulando as formas de poder.

O processo é um instrumento para o exercício legítimo do poder, nesse sentido, urge que se desenvolva uma tecnologia jurídica específica, para otimizar a potência que essas novas tecnologias de comunicação e informação podem proporcionar para a resolução dos conflitos judiciais.

O tamanho desse desafio não é obra para uma só pessoa, tampouco cabe nas dimensões desse trabalho. O que se pretende aqui é apenas sugerir os primeiros passos para essa caminhada.

Sugerem-se, nessa ordem de ideias, sete novos princípios, que estão evidentemente conectados com os princípios tradicionais do processo, mas que diante das novas nuances ensejadas pelo novo medium, alçam um salto quântico, ou sofrem uma torção topológica que os diferencia da perspectiva tradicional. Na atual fase de desenvolvimento de nossa pesquisa, podemos apresentar nove características distintivas[26], ou aproximativas (DELEUZE), tratadas pela tradição processualística como princípios, nomeadamente os princípios da imaterialidade; da conectividade; da intermidialidade; da responsabilidade algorítmica (ou automaticidade), da interação, da hiper-realidade, da instantaneidade, da preservação dos dados sensíveis, princípio da desterritorializção e, finalmente, da transparência tecnológica.

Vejamos, com mais vagar, cada um deles.

4.1 . Princípio da Imaterialidade

A primeira característica do processo eletrônico é a própria desmaterialização dos autos.

Nesse sentido autos e atos, que já têm etimologia comum[27], aproximam-se ainda mais, na acepção de puro movimento, impulso, atividade. Os autos e os atos processuais passam a ter uma dualidade mais intensa, no sentido de que ambos não se cristalizam mais, ambos são certificados de forma imaterial, digital. Não obstante, os autos seguem como a pura certificação imaterial dos atos processuais. Nessa linha não se pode mais entender a certificação como mera materialização dos atos.

Em certa medida, o verbo documentar e o substantivo documento recuperam no meio eletrônico o sentido etimológico, que não tem conexão com a idéia de materialização de atos. Documento decorre do latim documentum[28], que significa ensino, lição. O sentido é, pois, muito mais abstrato que material. Ensino é uma atividade não uma coisa material (res).

Na mesma ordem de idéias, as noções de «processo», «procedimento» e «autos» tendem a se aproximar também, já que não se diferenciam, em sede do processo eletrônico, na pura materialização de atos, ou seja, esses três conceitos se aproximam da idéia de fluxo, de impulso e movimento.

Aqui, desmaterializar não significa, evidentemente, a passagem para o mundo místico, espiritual ou coisa que o valha, mas simplesmente a passagem do mundo dos átomos, da matéria, para o mundo dos bits, ou seja, para o mundo lógico ou formal, para o mundo da linguagem – linguagem das máquinas.

É claro que essa passagem não é neutra, pois o mundo analógico da matéria, não é igual ao mundo lógico, formal da linguagem.

O mundo dos bits é o mundo da linguagem, da linguagem binária. E a linguagem tem uma característica muito peculiar que é a dualidade comunicaçãoinformação, ou seja, a linguagem é conteúdo de informação e, ao mesmo tempo, é comunicação, transmissão, conexão[29].

Nesse sentido, o princípio da imaterialidade do processo eletrônico reforça a idéia de que o novo processo é um processo, sobretudo, lingüístico, que liga os sujeitos do processo, juiz, autor e réu, essencialmente através da linguagem, dos homens e das máquinas. Em outras palavras, a estabilização da demanda judicial é feita através da linguagem, da pura forma lógica, e não mais pela forma material (do papel). Aqui escritura e linguagem acabam adquirindo sentidos bem distintos.

Além disso, o caráter dual da imaterialidade do novel processo enfatiza, por outro lado, que o processo é tanto a carga dos conteúdos (informação) dos direitos materiais em litígio, quanto a própria discussão, o debate, o comunicação, a transmissão e o tráfego de atos e dados[30].

Nessa linha, essa nova concepção lingüística e imaterial do processo, equilibra melhor seu viés democrático-formal – processo como pressuposto formal da democracia -  como também seu aspecto material, de efetividade social dos direitos assegurados pela ordem constitucional democrática.

Sob tal perspectiva, a imaterialidade enfatiza a corrente instrumentalista e o ativismo processual ao desmaterializar os formalismos a bem de uma adequação social dos direitos materiais.

O princípio da imaterialidade não se opõe à realidade. O virtual não se opõe ao real, mas ao atual, embora também exista entre o atual e o virtual uma profunda interação; todo atual é rodeado de uma névoa de virtuais, como já notara Gilles Deleuze[31]. O grande filósofo da Internet, o francês Pierre Lévy, discípulo de Deleuze, observa, com propriedade, que é importante entender que a virtualização:

"não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma solução), a entidade passa a encontrar sua consistência essencial num campo problemático.”

E prossegue o filósofo francês:

“Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular."[32]

O virtual privilegia mais a potência do que o ato, e convida, nesse sentido, a uma postura mais transformadora da realidade (atual). O processo eletrônico é o processo que não cristaliza uma atualidade, o statu quo ante, e nessa linha tende a buscar a atualização incessante, a potência do update.

O processo eletrônico tem condições, assim, de atuar mais como sendo expressão da potência, do que do Poder de Estado, resgatando, assim, a noção de direito como limite do poder. Aquí é fundamental a distinção operada por Espinosa, nas preposições 34 e 35 de sua Ética, entre poder (potestas) e potência (potentia)[33]. Para Negri a separação entre potestas e potentia constituía o centro da batalha lógica fundamental da Ética de Espinosa. Potestas era concebida como capacidade de construir coisas, e potentia como a força que a atualiza, ou seja, a força que a torna real.[34]

O processo no meio material tende a reprimir e a conter formas e condutas. O princípio da imaterialidade, ao contrário, tende a ser proativo.

Como se sabe, os princípios não são rígidos como as normas. São mais flexíveis, são indicativos, preceitos de otimização e apontam tendências e novos caminhos; não impõem condutas necessárias, nem oferecem apenas uma única resposta certa. Sob essa perspectiva, o princípio da imaterialidade será um convite permanente à doutrina e à jurisprudência e, principalmente, à prática diária do processo, para encontrar o meio mais pragmático e justo, para a busca de uma solução mais justa para a demanda. Não se trata de processo casuísta, senão de processo customizado.

Por outro lado, se o princípio da imaterialidade aponta no sentido da flexibilidade processual, por outro lado, os workflows dos sistemas processuais eletrônicos tenderão a conter e equilibrar eventuais excessos e discricionariedades do judiciário. Condicionados ao workflow e desafiados pela imaterialidade, os atores do processo irão moldando com o passar do tempo uma concepção mais construtivista e democrática de processo.

4.2 Princípio da Conexão

O processo eletrônico é, sobretudo, um processo em rede, passível de conexão, de conexão do ponto de vista (i) tecnológico, como do ponto de vista (ii) social, ou seja, é um processo de conexão entre sistemas, máquinas e pessoas.

A idéia de conexão em rede faz toda a diferença. O processo conectado é bem diferente do processo desplugado, e sob vários enfoques. Podemos sistematizá-los em duas perspectivas: (i) a conexão das partes e (ii) a conexão do juiz. Mas é preciso ressaltar, como não podia ser diferente, que ambas as perspectivas estão entre si conectadas, sendo ambas beneficiárias do que Pierre Lévy chamou, como já dito, de ‘inteligência coletiva’[35]. Tal dicotomia é apenas didática, já que no processo contemporâneo todos os sujeitos têm uma relação dialógica e complementar entre si. De angular, a relação passa a ser transversal.

É importante ressaltar, contudo, que o princípio da conexão deve estar articulado com o «principio da interação» com as partes, ou em linguagem tradicional, deve ser necessariamente submetido ao crivo do contraditório.

Esse novo contraditório interativo expande - torna imanente e extensiva - a fronteira do diálogo processual. Por outro lado, com a internet, não há mais a delimitação do sistema 'autos' que condiciona a cognição processual, senão a respectiva interação com as partes.

Esse princípio encontra-se dogmatizado, sobretudo, no artigo 13[36] da Lei 11.419, mas também irrompe nos artigos 1º, §2o, II, 8º e 14 da mesma lei e no art. 422, § 1o do CPC de 2015.

4.2.1 Da Conexão das Partes. A conexão das partes é reticular, ou seja, com o adjetivo reticular o que se deseja significar e enfatizar é que não se trata apenas de mera conexão, de uma conexão linear, mas de uma conexão qualificada, em rede.

Uma conexão linear é apenas uma aproximação entre duas adjacências. Já uma conexão reticular pressupõe uma mudança de escala, de patamar, de lógica. De uma conexão linear decorre um fluxo previsível e estável, da conexão em rede, o fluxo é complexo, instável. Não há linearidade rígida na sequência do fluxo processual eletrônico conectado. Não há nos autos virtuais nem mesmo folhas numeradas, mas eventos em fluxo.

O processo eletrônico não se diferencia simplesmente pela desmaterialização, mas, sobretudo, pela possibilidade dessa desmaterialização viabilizar a transmissão incessante, em tempo real, do conteúdo dos atos e das práticas processuais. Em sede de processo eletrônico não há falar nem sequer em pedido de vista do processo, já que o processo está conectado às partes e à sociedade, 24 horas por dias, 365 dias do ano.

A publicidade no processo de papel era uma mera possibilidade, a distância física e material transformava a publicidade em mera presunção; com o processo virtual, contudo, ela muito mais do que uma presunção, é uma realidade, isto é, a publicidade é uma virtualidade, mas não no sentido de possibilidade, senão de uma realidade-virtual e efetiva[37], pois, como já se viu, o virtual não se opõe ao real.

O chamado princípio da escritura - quod non est in actis non est in mundo encerrou no Código Canônico a fase da oralidade em voga desde o processo romano[38] e até no processo germânico medieval[39]. O princípio da escritura, então, visava a dar segurança jurídica e estabilidade aos atos processuais, mas ao mesmo tempo acabava por separar os autos do mundo.

Essa desconexão autos-mundo passou inclusive a modelar toda a estratégia argumentativa e de atuação das partes e do juiz no processo. Nem o posterior resgate da oralidade, cinco séculos depois, a partir da lei processual de Hannover ou do Código austríaco de Franz Klein, teve o condão de alterar a natureza profundamente estruturante do princípio da escritura, porquanto a oralidade na mídia de papel não rompia com a ideia de que o que estava fora dos autos estava fora do processo.

Com advento das novas tecnologias de comunicação e informação e as possibilidades ampliadas de conectividade por elas proporcionadas, rompe-se, finalmente, com a separação rígida entre o mundo do processo e o das relações sociais, porquanto o meio eletrônico transcende as limitações materiais do meio de papel. O hipertexto, o link - a chamada linguagem de marcação no jargão tecnológico - permite a aproximação entre os autos e a verdade (real e virtual) contida na rede, sem que com isso se imprima um grau caótico de desestabilização jurídica na estrutura mediática do processo.

Além disso, o princípio da conexão reticular torna o processo judicial um fenômeno menos segmentado e seqüencial. Torna os atos menos dedutivos, silogísticos e abstratos, ou seja, tornam-se mais indutivos, consistentes – «consistência referencial» e conectados com o caso concreto.

Da preclusão lógica caminha-se para uma indução preclusiva, isto é, enfatiza-se a indução em detrimento da dedução na racionalidade processual. A preclusão reticular não está condicionada a um processo rígido de contradição formal entre atos. A incompatibilidade dos atos não é apenas deduzida logicamente, pois pode também ser induzida de forma muito mais veemente do caso concreto e particular. O saneamento das nulidades formais não está mais condicionado apenas à inércia da parte na primeira oportunidade que tiver de se manifestar nos autos. O princípio da conexão em rede impõe às partes o ônus da vigilância permanente e em tempo real.

A conexão aumenta a responsabilidade das partes no processo, como contrapartida ao próprio alargamento de sua participação. A democracia aumenta direitos, deveres e responsabilidades. O princípio da conexão reticular conduz o processo ao «lugar-comum» - tópos koinós - à ágora virtual, onde os discursos especializados e as tecnicalidades processuais tendem a ceder espaço – em certa medida pode-se pensar em termos de tecnologia da deformalização do processo.

4.2.2. A Conexão do Juiz. O princípio da conexão torna naturalmente, pois, o processo mais indutivo. Em sede da prova, o princípio clássico da escritura - quod non est in actis non est in mundo – sempre foi decisivo. Essa separação entre o que está nos autos e o que está no mundo é também um mecanismo de racionalização e organização da produção das provas. No processo de papel, esse princípio é inclusive intuitivo, já que não há como se exigir que o julgador conheça algo fora da realidade materializada e estabilizada nos autos.

A atividade de decisão democrática de um juiz é muito mais um ato de inteligência (e coletiva), do que um ato de vontade. Não decide ele por saber, mas por conhecer. A cognição processual se amplia ante a possibilidade de acesso e conexão ao mundo virtual da informação. Essa cognição potencializada imanentiza as partes, mas também o juiz.

No processo virtual a separação autos-mundo é literalmente desmaterializada. As fronteiras entre os autos e o mundo já não são tão claras, pois ambos pertencem ao mundo virtual. A virtualidade da conexão - o hipertexto -  altera profundamente os limites da busca da prova, pois, como se sabe, os links permitem uma navegação indefinida pelo mundo virtual das informações, um link sempre conduz a outro e assim por diante... A chamada Web semântica[40] vai inclusive levar essa irradiação da informação a níveis inimagináveis.

A teoria da prova lançou mão do conceito aberto de ‘fato público e notório’ para lidar processualmente com os fatos públicos. No mundo da internet, a escala do que seja fato de conhecimento público aumenta em proporções gigantescas, já que o decisivo não o conhecimento do fato, mas a possibilidade de acesso a ele, da conexão. É certo que a doutrina, jurisprudência e a legislação vão, com o passar do tempo, estabelecer os limites para a navegação virtual, sob pena de se infundir o caos no fluxo processual, mas essa regulação só indica que de fato o processo reticular coloca os atores do processo em outro mundo, em outra lógica probatória.

O que se tem de ter em mente, contudo, é que essa possibilidade abre perspectivas interessantes quanto à busca da tão almejada construção consensual da verdade, caminha-se da verdade real para a verdade virtual.

A inflexão do hipertexto documental, além disso, transforma enormemente o jogo do cálculo processual dos litigantes quanto ao ônus da prova. Essa possibilidade vai, inclusive, confluir no sentido de tornar o processo um instrumento mais ético, pois o aumento da possibilidade de busca da verdade real - virtual e dialógica - será proporcional à redução da alegação e negação de fatos virtualmente verificáveis.

Em sede do processo eletrônico, melhor que se falar em fato ‘público e notório’, será, portanto, operar com a idéia de fato ‘comum e conectável’. Aqui «comum»[41]entendido também como substantivo, fato extra-estatal, não-governamental, com acesso aberto pela rede mundial de computadores. Será a possibilidade de conexão por parte do juiz – conexão inquisitiva – o critério decisivo para a inserção da informação na esfera probatória do processo em rede.

4.3. Princípio da Intermidialidade.

«Intermidialidade» é um conceito em construção formulado pelos teóricos da teoria da informação, comunicação e literatura e significa o processo de conjunção, interação e contaminação recíproca entre várias mídias[42].

Essa é idéia é interessante para marcar a passagem de um processo rigidamente fixado, registrado materialmente no papel, para um processo desmaterializado, fluído, registrado apenas lingüisticamente, como linguagem binária.

À primeira vista, o processo eletrônico resultaria apenas na passagem de um meio de comunicação – papel – a outro, o meio eletrônico. Mas da imaterialidade do processo eletrônico decorre que o meio eletrônico não se estabiliza num meio unívoco, numa forma única de comunicação e informação, já que o milagre científico da informática permite que os registros nos autos virtuais transcendam a linguagem escrita, agregando sons, imagens e até imagens-sons em movimento.

Ler um romance é muito diferente de ver o filme sobre ele, que por sua vez é também distinto da representação da respectiva peça teatral, que é diferente de uma novela. Ainda que o tema seja o mesmo, o meio altera e até condiciona a forma com que se dá a percepção e a intelecção da mensagem transmitida. Nesse sentido o meio transforma o próprio conteúdo da mensagem. Ele não é neutro. Como registrou McLuhan, o meio é a mensagem.

A possibilidade da interação entre essas várias mídias dentro do processo virtual o tornam, sem qualquer dúvida, muito mais complexo que o processo tradicional registrado, quase que completamente, na forma escrita. A dogmática brasileira permite a incorporação aos autos de papel de registros de som e imagem eletrônicos, mas essa incorporação é precária, compartimentalizada, segmentada, pois essas mídias, para serem efetivamente integradas ao processo, desafiam sempre uma transposição para a escrita. A imagem sem movimento, a fotografia, é passível de interação nos autos de papel sem a transposição para a escrita, mas isso se opera no processo de papel apenas de forma extraordinária, não como regra, como exceção, e mesmo assim de forma muito limitada.

Essa maior liberdade em relação à escritura enseja, por outro lado, a potencialização do processo como meio, como instrumento da efetivação dos direitos materiais, pois além de aumentar a possibilidade de se aferir a verdade real, sua intermedialidade, isto é, a maior interação entre várias mídias, acaba por deformalizar o processo, torná-lo inclusive mais pragmático e menos sujeito a regras rígidas de um único meio. Essa deformalização possibilita de uma maneira mais ressaltada a canalização dos meios e das mídias a benefícios dos escopos sociais do processo.

A intermedialidade ressalta, finalmente, o caráter transdisciplinar do processo eletrônico. Ele atravessa as disciplinas, pois se aplica aos processos civil, penal e trabalhista. Não é, pois, um simples procedimento, ao contrário, é muito mais um processo transversal.

4.4  Princípio da Hiper-realidade

Outro aspecto importante do processo eletrônico, tanto do ponto de vista da busca da verdade real, quanto do aspecto da agilidade processual, diz respeito à radicalização da oralidade no processo. O princípio da oralidade foi ressuscitado no início do século XIX, com o Code de Procédure Civile francês, de 1806, em seguida

Nesse âmbito discursivo, por intermidial entendemos o texto que se alimenta, intencionalmente, da conjugação de princípios que norteiam diferentes proposições estéticas e definições de mídia no plano de uma obra, produzindo um contexto múltiplo dentro de uma unidade textual específica.” Cfr. SALDANHA, 2008. No Brasil, especificamente no Programa de Pós-Graduação em Letras da UFMG, "intermidialidade" é o termo adotado pelo grupo de pesquisa em intermídias, coordenado pela prof. Thais Flores Nogueira Diniz. Cfr. http://www.letras.ufmg.br/poslit/13_projetos_pgs/projetos002.html com acesso em 14/06/2009

com o código de processo de Klein, da Áustria (1895), além da entusiasta defesa da oralidade no processo perpetrada por Chiovenda, no início século passado, e finalmente, com o seu mais recente resgate levado a cabo por Cappelletti, nos anos 60.

Mas a oralidade tradicional sempre foi muito mitigada, pois, ao fim e ao cabo, desafiava sempre algum grau de escrituração. Já no processo eletrônico, a oralidade pode ser totalmente preservada – e até radicalizada - pois as audiências podem ser certificadas nos autos em sua pura verbalização sonora, através de arquivos eletrônicos de voz[43].

Mais do que simples oralidade, pode-se pensar inclusive na plena hiperrealização[44] dos atos processuais, hiper-realidade que acaba recriando e simulando no processo não só dados sonoros, mas também imagéticos.

Vale lembrar que a oralidade sempre foi valorada, não só em decorrência de sua capacidade de buscar a verdade real – em contraposição ao velho apotegma de que ‘papel aceita tudo’ – mas também em face do potencial de agilidade que a concentração oral dos atos proporciona. Se o princípio da concentração oral no processo de papel já proporcionava agilidade, imaginem o seu potencial a partir da intermidialidade instantânea do processo eletrônico.

Bem a propósito, colhemos na rede, a seguinte observação do filósofo francês da internet, Pierre Lévy:

“A chegada à escritura acelerou um processo de artificialização e de exteriorização da memória que sem dúvida começou com a hominização. Seu uso massivo transformou o rosto de Mnemósina. Acabamos por conceber a lembrança como um registro.” [45] 

O processo romano era essencialmente oral, mas essa tradição foi mudada, como se viu, partir do Século XIII, com a Decretal de 1.216 do Papa Inocêncio III[46], que consagrou no código canônico o princípio da escritura - quod non est in actis non est in mundo. Na verdade o princípio da escritura no processo, que retratava então o anseio de segurança e estabilidade no processo, significou, com o passar do tempo, muito mais o distanciamento da realidade, a cristalização da dinâmica imanente do mundo, do que outra coisa. Passou-se do sistema “lettres passent témoins”, em contraposição ao até então dominante “temoins passent lettres[47].

A realidade aprisionada na escritura do processo é uma realidade estática, resultante do meio utilizado e condicionada por ele, o papel. No meio eletrônico, podese registrar não a efetiva realidade, mas uma realidade digitalizada, codificada e virtualidazada, ou melhor, «hiper-realizada».

O «hiper-real» não é a representação do real, senão sua apresentação, traduzida em linguagem binária, em bits; melhor seria pensar em termos de transpresentação do real, em simulação do real, porquanto o processo em si já é uma performance, uma encenação. Os autos já são a representação dessa performance, ou seja, uma representação de uma representação, a precessão do simulacro[48].

De certa perspectiva é necessário, pois, chamar os autos à ordem da realidade social, concreta, pois nesse sentido a hiper-realidade, trazida à balha pelas novas tecnologias do processo, pode nos inserir numa cadeia de realismo onírico e virtual. Da mesma forma que a cultura do papel nos incutiu a mentalidade da segurança e do formalismo da escritura, com perda de fenomenalidade bruta, o processo virtual pode também nos afastar da realidade, pois a realidade virtual tende ao simulacro.

A ressurreição do princípio da oralidade no século XIX tinha o objetivo de recobrar a verdade real no processo, distanciada que foi pelo regime da escritura. Além disso, a idéia era a busca celeridade perdida. A oralidade significava, pois, a busca pela verdade real, associada à agilidade processual. A limitação do meio impunha que tal ocorresse por esquemas rígidos de representação.

No processo eletrônico, de forma diferente, é possível amenizar – jamais excluir – a representação. É possível apresentar a representação das testemunhas e até uma performance da realidade nos autos, por meio de imagens e som. Em síntese, o princípio da hiper-realidade, diferente da oralidade, cujo esquema era traduzido no trinômio verdade real-representação-celeridade, busca a verdade real-virtual, por meio de apresentação, tendo como substrato a instantaneidade, em tempo real, on line – rectius: on network.

Por fim, a hiper-realidade reconstruída eletronicamente irá exponencializar a oralidade, não só da audiência, mas, sobretudo, da hermenêutica judicial. O juiz poderá decidir oralmente, junto das partes, de maneira mais direta e interativa, sanando imediatamente quaisquer imperfeições materiais e deslizes. A conexão entre o sentimento e a fala é maior do que com a escrita. A sentença falada será mais concisa e sentida, mais sentença.

Existem inúmeros estudos comprovando que os mecanismos de racionalidade e argumentação da linguagem escrita são bem diferentes da linguagem oral. A linguagem escrita é mais descritiva e a oral é mais performática. Para entender isso melhor, basta pensar no desastre que seria a encenação de um romance escrito sem a transposição para uma linguagem própria para o teatro, para uma linguagem falada.

Vale lembrar que o autor da peça, ao redigi-la, não esgota os recursos argumentativos e dramáticos. Um bom ator, com sua performance, complementa bem e até transcende os limites escritos da peça teatral. Quando o juiz profere uma sentença em audiência, acaba, em face do princípio da escritura, tendo de transcrever para a linguagem escrita a sentença proferida oralmente.

Em outras palavras, ele acaba “ditando” uma sentença, ao invés de “proferi-la”. No dicionário, “proferir” significa “dizer em voz alta”. Sentença, etimologicamente, como se sabe, vem de “sentir” e não de “ditar”. No processo eletrônico, a sentença pode ser captada em sua pura verbalidade oral e gestual. Assim, o processo eletrônico permite que o juiz abandone o costume de apenas ditar, para, efetivamente, passar a proferir sentenças.

E ao proferir uma sentença pode-se lançar mão de outros recursos argumentativos que a linguagem escrita não permite. Por meio da linguagem oral é possível ser mais direto e objetivo, inclusive mais conciso. As provas podem ser exibidas, mostradas e não apenas descritas pelo juiz.

A oralidade permite, pois, encenar uma sentença e não apenas de ditá-la ou escrevê-la. Como o arquivo eletrônico permite não só voz, como também imagem, e não apenas imagem, senão imagem-movimento (Bergson), ou seja, admite um arquivo de vídeo, pode-se lançar mão de todos os recursos de uma performance teatralcinematográfica para proferir, para dizer em voz alta a sentença.

Isso pode parecer irrelevante à primeira vista, mas isso muda tudo. O processo é um jogo argumentativo e de estratégia. Todas as estratégias são traçadas em se considerando o meio; se mudamos o meio, da mídia papel para o meio eletrônico, mudam-se as estratégias evidentemente.

É bom lembrar que o juiz — e não apenas os advogados — traça também suas estratégias argumentativas.

Essa mudança da sentença escrita, para a sentença oral é mais profunda que pensamos. Mudamos, como dizia o papa da comunicação canadense, Marshall McLuhan, para um meio mais quente, o oral-eletrônico. O papel, no sentido utilizado por McLuhan, é um meio mais frio, ou seja, é uma mídia que fornece menos informações ao receptor.

Mas, ao contrário do que pregava McLuhan, o meio mais quente pressupõe maior participação. Pelo menos na hipótese do processo eletrônico, ele permitirá uma maior participação das partes e advogados. O processo eletrônico tende a ser mais participativo e interativo.

Essa maior participação e interatividade acaba tendo reflexos profundos também na fundamentação dos julgados.

Os fundamentos são, sim, condicionados também pelo ‘meio’, pela mídia em que são expressos e veiculados. Se não temos meios de provar ou demonstrar os fundamentos, eles acabam ficando no vazio. Os fundamentos são indissociáveis dos meios. O meio é a mensagem, o meio é uma extensão do ser humano, já dizia McLuhan.

Essa extensão do ser humano não é neutra. Ela acaba condicionando e modificando a forma de estar no mundo e de pensar do ser humano. Os meios de transportes — que também são extensões do homem — mudaram o mundo. O homem que se deslocava apenas com os pés é muito diferente do homem que pode usar o avião.

Os fundamentos não são ideias puras, essências. São conexões, são ligações entre fatos, coisas e pensamentos. Ligações são meios. Os fundamentos da cultura do papel, da escrita, da galáxia de Gutemberg (McLuhan) são diferentes dos fundamentos da era eletrônica, da cultura oral, performática e conectada.

Os juristas perdemos muito tempo com a tentativa de desenvolver um teoria da argumentação jurídica, similar à lógica formal, uma lógica claudicante. Como nos ensinou Perelman, que, além de jurista, era lógico-matemático, com doutorado sobre o matemático Frege, na lógica jurídica o decisivo é a determinação das premissas — o fato e a norma a ser aplicada. O silogismo jurídico, a partir da determinação das premissas é extremamente simples.

Urge que se desenvolva uma nova teoria da argumentação jurídica, mas de outra ordem, hiper-real, levando em consideração, não a abstração da lógica formal, mas a concretude do ‘meio’, da mídia em que a argumentação é apresentada e desenvolvida. Abstrair a argumentação do meio é o primeiro passo para tornar tudo teórico e artificial. O filósofo do pergaminho é muito diferente do filósofo em rede.

4.5 Princípio da Interação.

No processo de papel um dos princípios mais clássicos, elevado inclusive ao patamar constitucional, é o princípio do contraditório. A prática processual, contudo, tem demonstrado que o princípio do contraditório, em seu perfil clássico, tem servido, muito mais, à falta de efetividade dos direitos, à procrastinação processual, do que à garantia da cidadania propriamente dita. Os milhões de processo de papel que tramitam pelo Judiciário falam por si só.

É preciso que o princípio do contraditório seja atualizado, a fim de que não continue sendo usado de forma abusiva. O bordão já mencionado de que ‘papel aceita tudo’, é um indicativo de que o contraditório pode ser desvirtuado de sua nobre finalidade. Como qualquer outro direito, não é absoluto e deve sempre encontrar seus limites.

O meio eletrônico pode oferecer essa oportunidade de procedermos a um espécie de upgrade no princípio do contraditório, exponencializando-o, inclusive, tornando-o mais imediado, instantâneo, em tempo real, ou seja, tornando-o interativo.

O processo virtual nos permite superar o velho contraditório linear, segmentado e estático, em que o prazo transforma-se em cavalo de batalha, transmuta-se de tempo para defesa, em tempo para encontrar uma desculpa e esconder a verdade.

Podemos imaginar um contraditório mais intenso, mais extensível inclusive, um contraditório em tempo real, que torna tudo mais verossímil, autêntico e instantâneo. O contraditório por etapas lineares, seqüenciais, estanques, torna-se um contraditório mecânico, maniqueísta e artificial, pois a essência do contraditório, nem é o contradizer, em si, senão a pura possibilidade de participação no processo[49], com igualdade de oportunidades[50].

Com o mundo virtual nos autos, tudo é mais instantâneo, a possibilidade de prova é mais ampla, a defesa é mais ampla, ou seja, a participação é muito mais ampla e exponencial.

Esse contraditório hipertextual, hiper-real, intermediático, imediato. imediado e participativo acaba se tornando muito mais interação do que mera contradição. A interação significa uma mudança de escala, uma transformação qualitativa em relação à mera contradição linear e segmentada. Interagir é contradizer e participar em tempo real, com sinergia e maior grau de autenticidade.

A contradição se contenta com a participação paritária, e se reduz a um mero procedimentalismo, sem qualquer compromisso material com a realidade ou com a verdade; é pura forma. O princípio da interação é, assim, um plus em relação ao contraditório tradicional, pois incorpora também um aspecto substancial, de compromisso com a verdade e com a realidade-virtual.

Os estudiosos da nova teoria das redes entendem que o conceito de 'participação' é um conceito antigo, linear, de um mundo vertical e menos democrático. Sugerem justamente o conceito de 'interação', que é mais compatível com o mundo conectado e plugado, e-democratizado. 'Participação' pressupõe participar de algo alheio. Interação pressupõe participar/interargir de algo próprio[51].

Enfim, o princípio do contraditório está mais ligado, portanto, à democracia procedimental, competitiva, ao passo que o princípio da interação decorre de uma nova visão política, participativa e colaborativa.

4.6 Princípio da Instantaneidade

O tempo no processo é uma das questões cruciais. O princípio da celeridade consta de todos os manuais. A Emenda Constitucional 45 elevou a duração razoável do processo ao status constitucional, mas a dura realidade forense é diametralmente oposta.

O meio eletrônico torna evidentemente tudo mais rápido. A conexão aproxima[52], a interação, a hiper-realidade e intermidialidade dinamizam, a imaterialidade flexibiliza, ou seja, tudo no processo eletrônico conspira para exponencializar a celeridade[53].

Através do processo virtual a mediação é reduzida drasticamente. O advogado, ou a própria parte, procede à juntada das peças e provas diretamente nos autos. Não há pedido de vista, pois o processo está à vista das partes 24 horas por dia. Não há necessariamente conclusão para o juiz, pois o juiz tem contato imediato e não-mediado com os autos em tempo real com as partes.

Troca-se, assim, a compartimentalização dos atos pela instantaneidade, o tempo lógico, pelo tempo real. O prazo deixa de ser um conceito estanque, para assumir uma perspectiva mais dinâmica, mais concreta e real, que se estende por todas as horas do dia, mas que também se reduz e se amolda à pragmática concreta dos atos.

A agilidade é tanta, que já existe inclusive uma jurisprudência tratando da oposição prematura de embargos de declaração, de cujas decisões são publicadas na internet, mas demoram para sair no papel.

Perícias e providências são simultâneas. A materialidade tornava os atos seqüenciais, mas o processo eletrônico os torna simultâneos.

Outro aspecto interessante é que o processo eletrônico rompe com a linearidade da numeração de páginas. Não há uma seqüência numerada de páginas, mas um fluxo – workflow – do processo, que não é necessariamente linear, mas conduzido a partir de eventos processuais.

Em síntese, o processo virtual é processo em rede, e por isso mesmo um processo on line e on network, que concita à instantaneidade, antes que a mera celeridade. A instantaneidade é mais viva e interativa que o surrado e ineficiente princípio da celeridade do processo de papel.

4.7 Princípio da Desterritorialização

A desmaterialização do processo acaba também por desmaterializar a idéia de foro e de circunscrição judicial. O sistema BACENJUD é uma prova já vigente disso. Antes dele, para se proceder a uma apreensão judicial de conta bancária, fora dos limites territoriais da comarca do juiz, era necessária a expedição de carta precatória. Agora, basta uma tecla, um login e uma senha, para o juiz determinar o bloqueio de contas e aplicações financeiras em todo o país. Os novos convênios INFOJUD e RENAJUD abrem as mesmas possibilidades.

A citação não-penal é também outro exemplo, pois já é possível proceder-se à citação eletrônica de um cidadão e de uma empresa, mesmo que estiverem fora do território nacional, bastando, para isso, que sejam cadastrados e o processo esteja todo acessível pela internet.

Por outro lado, a doutrina já acena com idéia de uma internacionalização do direito material virtual, a exemplo do que ocorre com o espaço sideral ou com o fundo do mar. Há quem sustente inclusive que o direito marítimo seria a dogmática ideal para servir de base ao direito eletrônico, não se pode deixar de registrar que a idéia de navegar na internet reforça o imaginário lingüístico dessa teoria [54].

O princípio da desterritorialização[55] em sede de processo eletrônico[56] significa, pois, bem mais do que a mera transposição física de territórios e circunscrições jurisdicionais e até de jurisdições, significa a fluência da efetividade dos direitos, que não pode mais ser contida simplesmente pelas limitações materiais do espaço físico. A longa manus do juiz, desmaterializada, torna-se mais extensa, conectada.

4.8 Princípio da preservação dos dados sensíveis

No processo tradicional há uma especial preocupação com publicidade dos atos. Muito embora a Constituição imponha apenas a publicidade do julgamento (artigo 93, IX), o Código de Processo Civil impõe que todos os atos processuais sejam públicos ( art. 189), inclusive os atos eletrônicos (art.  194).

Essa preocupação com a transparência jurídica dos atos processuais decorre de uma característica própria dos autos de papel, qual seja, a sua opacidade prática, em outras palavras, da dificuldade de acesso às informações que são próprios da mídia material de papel.

Já em sede do processo eletrônico, os autos digitais potencializam de maneira alucinante o acesso às informações. As informações processuais passar a se tornar acessíveis de qualquer lugar do globo terrestre, 24 horas por dia, todos os dias do ano. Ademais, são passíveis de compartilhamento recursiva pelas redes sociais e pelas mensagens eletrônicas.

Esse excesso de transparência prática é justamente o oposto do que ocorre em relação aos autos encadernados em papel. Diante disso, a preocupação passa, também, a ser oposta, qual seja, da publicidade à preservação da privacidade virtual e dos dados sensíveis contidos no processo.

As informações pessoais contidas no processo são sensíveis à exposição virtual em duplo sentido, seja quanto às informações, seja quanto aos dados, isto é, tanto na perspectiva de expor as informações privadas do cidadão jurisdicionado nas redes sociais, como no aspecto dos excessos autoritários que decorrem do chamado big data, ou seja, a formação de grandes bancos de dados, que permitam análise, pesquisa, compartilhamento, armazenamento, transferência e visualização de dados que venham a ser capturados e colonizados por interesses de toda ordem.

Diante disso, a Lei 11.419/2006 tem por preocupação essa preservação das informações e dados estampada no parágrafo 6º de seu artigo 11[57], restringindo o acesso aos documentos apenas àqueles processualmente implicados.

No mesmo sentido caminhou a Lei do Marco Regulatório civil da Internet no Brasil, especialmente em seus artigos

4.9  Princípio da Responsabilização Algorítmica ou da Automatização

O processo tradicional tem a segurança de seu fluxo estabilizada e garantida jurídicamente pelo princípio da responsabilização pessoal do serventuário da justiça, que responde civil, penal e administrativamente pela fé pública de seus atos. No processo eletrônico há uma transformação radical nesse sistema de fidúcia, que deixa de ser subjetivo, para objetivar-se no algorítimo do sistema.

Essa passagem da subjetividade para a objetivação da confiança no procedimento, tem consequências também na racionalidade do sistema. Há uma aproximação entre o mundo ôntico e o deôntico, a partir da lógica. O dever-ser processual é automatizado pela lógica do sistema informático.

Diante desse cenário, a preocupação em sede da procedimentalidade, desloca-se da sua estabilidade jurídica, para sua flexibilidade. A rigidez da automatização lógica deve ser temperada pela possibilidade de alteração do workflow inicialmente previsto, para assegurar que situações excepcionais, não previstas pelo algoritmo do sistema, possam ser operacionalizadas, a fim de que o mundo da vida não seja colonizado pelo sistema.

O código fonte imprime segurança jurídica ao procedimento, mas não pode se transmutar em código jurídico. Code is law[58] de LESSIG, ou seja, a aproximação da racionalidade entre o código fonte e o direito, deve ser um alerta para o jurista, pois a relação mimética entre code e law tende a se potencializar, principalmente na regulação e na operação do processo eletrônico.

Nesse sentido, tal princípio cobra uma atitude bipolar do intérprete, se por um lado a objetivação da confiança dever ser um comando de otimização a informar a hermenêutica processual, por outro, a rigidez do código fonte é a senha para autorizar que situações não previstas pelo sistema sejam contempladas, a benefício da ideia de um processo democrático, dialógico e republicano.

4.10 Princípio da Transparência Tecnológica

A relação mimética entre o código fonte e o código jurídico impõe a abertura do código fonte do sistema de processo eletrônico para a comunidade. A segurança da informação está muito mais condicionada ao sistema de criptografia e aos modelos de auditagem externa do que em função do algoritmo do sistema.

A passagem radical da responsabilização pessoal para a responsabilização algorítmica só pode ser ungida juridicamente se houver uma possibilidade concreta de auditagem (externa) do sistema pela comunidade. Só assim, haveria uma legitimação politico-jurídica de sua confiabilidade.

Os olhos da comunidade, além de legitimar politicamente o sistema público processual, irão propiciar a antecipação de inconsistências no sistema. A transparência do código é condição inerente à cidadania digital, que é eminentemente participativa.

O princípio da transparência tecnológica está estampado no artigo 14 da Lei 11.419/2006, que dispõe que os “sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto”, prescrição repetida no art. 195 do Código de Processo Civil[59]

Nesse sentido, essa concepção de transparência participativa está repetida no marco regulatório civil da internet no Brasil, Lei 12.965/2014, especialmente nos artigos 2O , IV e  Art. 3o , VII.

5 . Conclusão

O processo judicial passa por um momento de transformação democrática, de diálogo, de cooperação interativa, uma preocupação com a justa efetivação dos direitos do cidadão. O que se espera é que os sujeitos do processo tenham capacidade de aprender com os erros e com a ineficiência do processo tradicional, e não percam a fenomenal oportunidade de catalizar as chamadas externalidades de rede a benefício da efetividade social dos direitos.

0 que se percebe é que o processo eletrônico transita em outra ordem, distinta da tradição da escritura, pois traduz a combinação do imaterial do eletrônico, com o viés reticular e telemático das novas tecnologias de comunicação, informação e combinação – rectius: conexão.

O processo eletrônico tem potencial para ser muito mais do que mera infraestrutura de TI para o processo tradicional. Não se reduz, tampouco, a simples procedimento judiciário digital e, muito menos, concebe-se tão-somente como autos de papel digitalizados. As novas tecnologias de informação e comunicação transformam radicalmente a natureza do processo tradicional, que se caracteriza, primordialmente, pela separação dos autos do mundo. O processo eletrônico é, sobretudo, processo em rede, o que o torna beneficiário, concomitantemente, da inteligência coletiva, da lei da abundância, dos rendimentos crescentes e da sinergia da interação em tempo real.

Não se pode caminhar na linha da mera digitalização dos autos, na lógica do scanner, mas, sim, começar um processo novo, e não apenas um novo procedimento. Digitalizar significa decalcar para o processo eletrônico a lógica viciada do processo de papel, da escritura.

O receio é incidirmos em mera informatização da ineficiência.  Não se pode perder a oportunidade de aproveitar o advento do processo eletrônico para fazer uma revolução no processo, que até o momento não passa senão de promessa não cumprida. Em outra palavras, é importante aproveitar a desmaterialização dos autos, para tentar desmaterializar os vícios arraigados na cultura da escrita no processo.

O velho ditado de que papel aceita tudo trouxe em contrapartida a transformação da segurança jurídica em dogma, perdendo com isso a verdade real e, por conseqüência, a justiça material das decisões. No mundo imaterial, o monitor vai aceitar mais ainda, por isso mesmo é preciso policiar os arroubos paranóicos por segurança virtual.

A preocupação deve se deslocar da segurança, concebida como mera estabilidade, para a ideia de preservação da intimidade e da privacidade no mundo eletrônico, ou seja, é mais importante assegurar tais garantias constitucionais aos cidadãos, que uma excessiva preocupação com segurança tecnológica, já que a possibilidade de redundância é a grande chave da segurança e incolumidade dos arquivos eletrônicos.

Não se pode, por outro lado, desprezar não só as tecnologias já disponíveis, mas também estar atento para aquelas que já se ensejam, sob pena de o processo eletrônico já nascer obsoleto.

Insiste-se: não se pode pensar no processo eletrônico como processo escaneado, o «foto-processo» – que significa em última análise como mera migração (inclusive dos vícios) da escritura para o novo processo virtual. O decisivo é que o processo eletrônico seja um banco de dados relacional, manipulável semanticamente, com «integridade referencial», e não um banco de documentos, segmentados.

É preciso, por outro lado, evitar tanto o triunfalismo tecnológico, quanto seu duplo antagônico, qual seja, uma atitude obscurantista, um apelo piegas à especificidade da dignidade humana. O essencial no processo eletrônico, o potencial de emancipação que ele carrega está, justamente, no fato de ser um processo em rede, mas não uma rede de fios e circuitos, e, sim, uma rede que liga pessoas, gente, seres humanos: juiz, partes e sociedade humana. Não se trata de deslumbre com a tecnologia, mas com o potencial político, cultural, econômico e sociológico da rede.

O processo de papel é a própria encarnação da separação entre os atores do processo e o mundo. O que não está nos autos não está no mundo. É o processo individual, isolado do mundo. É preciso, pois, desenvolver-se uma tecnologia jurídica, propriamente dita, para lidar com um novo processo, que conectará os autos ao mundo. Utilizar os mesmos princípios processuais do processo de papel seria o mesmo que operar o computador com tacape. Se se imaginar que uma folha de papel tem a mesma repercussão política e social de um monitor em rede, de uma interface do computador, estaremos perdendo a oportunidade histórica de fazer a tão diferida revolução no processo judicial.


Notas e Referências:

[1] A idéia de «rizoma» foi pensada por Deleuze & Guattari como uma espécie de modelo das multiplicidades, por oposição ao modelo de árvore chomskyano (DELEUZE & GUATTARI, 1995, p. 8). No pensamento deleuzeano, as multiplicidades - no plural - são a própria realidade (Ibid., p. 8). A filosofia seria, então, a teoria das multiplicidades (DELEUZE,1996, p. 49). A racionalidade pós-estructuralista não é linear, nem dicotômica, mas pivotante, como a estrutura do rizoma da botânica. Para os autores, a lógica binária e as relações biunívocas dominam a psicanálise, a lingüística, o estruturalismo e inclusive a informática, e isso é o que predomina no pensamento da árvore-raiz (DELEUZE & GUATTARRI, 1995, p. 13). A figura do rizoma, tomada da botânica, foi utilizada para marcar uma diferença com a idéia de árvore-raiz:  com uma base, um fundamento e uma estrutura linear de desenvolvimento. Estão contidos nessa estrutura princípio, meio e fim (Ibid. p. 33). Há aí também a idéia de dicotomia - árvore-raiz. Se tivesse sido escrito alguns anos depois, a idéia da rede mundial de computadores - a Internet seria, sem dúvida, um exemplo de rizoma para Deleuze. É interessante observar que no último texto de Deleuze, o tema tratado são justamente as interações entre real e virtual (DELEUZE,1996, p.  49).

[2]é o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e sensações humanas.” Cf.

McLUHAN, Marshall Os meios de comunicação como extensões do ser humano (underestanding media) São Paulo Editora Cultrix – 20 ed, 2011 – p. 23

[3] LÉVY, Pierre Cibercultura, tradução português Carlos Irineu da Costa – São Paulo: Ed. 34, 1999 – p. 65

[4] O termo é proposto por PEREIRA (2012). Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/processo-eletr%C3%B4nico-m%C3%A1xima-automa %C3%A7%C3%A3o-extraoperabilidade-imaginaliza%C3%A7%C3%A3o-m%C3%ADnima-em%C3%A1ximo-apoi  Com acesso em 31 OUT 2012.

[5] Cf. PEREIRA (2012a). Disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/processo-eletr %C3%B4nico-m%C3%A1xima-automa%C3%A7%C3%A3o-extraoperabilidade-imaginaliza %C3%A7%C3%A3o-m%C3%ADnima-e-m%C3%A1ximo-apoi  Com acesso em 31 OUT 2012.

[6] PEREIRA(2012b) distingue (i)digitalização de (ii)virtualização, no sentido de que a primeira é redução da realidade em linguagem binária, ao passo que a segunda consiste em se conferir inteligência ao sistema, in verbis: “A digitalização vai no sentido dos bits, a virtualização, como aqui proposta, é um fenômeno que parte dos bits e, de maneira inteligente, chega a modelos de representação e a processos de tratamento da informação acessíveis e confortáveis para os humanos. O destinatário é o homem, a máquina não trivial do processo (Foerster).” Divergimos da idéia de virtualização sustentada por PEREIRA, pois no parece que se limita ao sistema. O virtual, a partir de DELEUZE, alcança, a nosso sentir, um sentido mais amplo, que atravessa o sistema e conecta os autos ao mundo.

[7] Tese submetida ao Programa de Pós-graduação em Engenharia e Gestão do Conhecimento da Universidade Federal de Santa Catarina em Fevereiro de 2012 como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Engenharia e Gestão do Conhecimento. Orientador: Prof. Dr Aires José Rover. Coorientador: Prof. Dr. José Leomar Todesco. Disponível em http://btd.egc.ufsc.br/wp-content/uploads/2012/08/AirtonJoseRuschel2012_206pg1.pdf , com acesso em 1 NOV 2012

[8] www.escoladeredes.org

[9] Augusto de Franco, em Carta Rede Social n. 171, disponível em http://augustodefranco.locaweb.com.br/cartas_comments.php?id=260_0_2_0_C  com acesso em 13 de junho de 2009

[10] Um grafo com 6 vértices e 7 arestas. Um grafo G é uma tripla ordenada (V(G), E(G), Ψg) que consiste de um conjunto V(G) de vértices, um conjunto E(G) de arestas sem interseção com V(G), e uma função de incidência Ψg que associa a cada aresta de G uma par não-ordenado de vértices (não necessariamente distintos) em G.” BONDY, MURTY, 1976, p. 01.

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[11] A análise das redes sociais parte de dois grandes troncos: (i) das redes inteiras (whole networks) e das (ii) redes personalizadas (personal networks). No primeiro tronco é focado na relação do grupo com a rede; no outro, do indivíduo com a rede. Está envolvido nas redes complexas, o conceito de multiplexidade, que significa o grau de multiplicidade de fluxos de laços sociais que se verifica em determinada rede social. A novidade no estudo das redes está em perceber a estrutura da rede não como determinada e determinante, mas como cambiante no tempo e no espaço. Outro conceito das teorías das redes é cluster, que é um grupo de grupos sociais em coesão (nodos) conectados. Cfr. RECUERO, último acesso em 14 de junho de 2009

[12] Barry Wellman fala da regra ‘quanto mais, mais’, que vigora na interação entre redes na internet; no sentido de que quanto mais se utiliza rede social-física, mais se utiliza internet; quanto mais se utiliza internet, mais se reforça a rede física Cfr. WELLMAN, Barry y GULIA, Mena in Barry Welmman, pp. 331-366 apud CASTELS, 2002, p. 444

Há vários trabalhos disponíveis de Wellman e seu grupo em sua página virtual da Universidade de Toronto, acesso en 05/09/2008

[13] O modelo de ‘redes sem escala’ foi formulado por Barabási. Seu modelo está baseado na regra ou fenômeno ‘rico-mais-rico’ (rich get richer phenomenon), no mesmo sentido de Wellman. Isso significa que quanto mais conexões tem um nodo, mais oportunidades tem de ter outros. Nesse sentido, as redes não são igualitárias, pois há uma vinculação preferencial à mais usada. Cfr.  BARABÁSI, 2002, pp. 79-82. O nome ‘sem escalas’ vem da representação matemática da rede, que segue uma curva denominada power-law, conhecida também como ‘lei de Pareto’ ou regra ‘80/20, que faz referência a uma proporção que ocorre com freqüência em fenômenos de rede. Cfr. BARABÁSI, 2002, pp. 66-71.

[14] Cfr. in www.augustodefranco.com.br – Carta Rede Social n. 171

[15] Cfr. BENKLER, p. 60

[16] Wetware e netware são termos correlatos. O primeiro diz respeito à capacidade individual de operar os sistemas de hardware e software, capacidade essa que é desenvolvida a partir do ponto de vista do usuário ou consumidor, de forma interativa, na produção. A ênfase aqui é no trabalho e na inovação do ponto de vista do consumo. Netware é a perspectiva coletiva dessa mesma interação com o consumo, a partir da rede. Cfr. COCCO, 2003, pp. 9-10.

Cfr. Também MOULIER-BOUTANG, 2004, pp.54-55.

[17] Cfr. Ibid., p. 9

[18] Cfr. MOULIER-BOUTANG, 2004, p. 55 

[19] “Todos os meios agem sobre nós de modo total. Eles são tão penetrantes que suas conseqüências pessoais, políticas, econômicas, estéticas, psicológicas, morais, éticas e sociais não deixam qualquer fração de nós mesmos inatingida, intocada ou inalterada. O meio é a ‘massage’. Toda compreensão das mudanças sociais e culturais é impossível sem o conhecimento do modo de atuaar dos meios como meio ambiente. Todos os meios são prolongamentos de alguma faculdade humana – psíquica ou física.” Cfr. McLUHAN, 1969, p. 54

[20] “Os meios, ao alterar o meio ambiente, fazem germinar em nós percepções sensoriais de agudeza única. O prolongamento de qualquer de nossos sentidos altera nossa maneira de pensar e agir – o modo de perceber o mundo. Quando essas relações se alteram, os homens mudam.”  Cfr. McLUHAN, 1969, p. 69

[21] “Numa cultura como a nossa, há muito acostumada a dividir e estilhaçar tôdas (sic!) as coisas como meio de controlá-las, não deixa, às vezes,k de ser um tanto chocante lembrar que, para efeitos práticos e operacionais, o meio e a mensagem. Isso apenas significa que as conseqüências sociais e pessoais de qualquer meio – ou seja de qualquer uma das extensões de nós mesmos – constituem o resultado do novo (sic!) estalão introduzido em nossas vidas por uma nova tecnologia ou extensão de nós mesmos.” Cfr. McLUHAN, 1979, p. 21

[22] “Todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos fins a que destina. p. 206 (...) Em outras palavras, a perspectiva instrumentalista do processo é por definição teleológica e o método teleológico conduz invariavelmente à visão do processo como instrumento predisposto à realização dos objetivos eleitos.” Cfr. DINAMARCO, 1990, p. 207.

[23]Esta tem em comum com a instrumentalidade das formas o seu endereçamento negativo, ou seja, a função de advertir para as limitações funcionais (das formas lá, aqui, do próprio sistema processual). O lado negativo da instrumentalidade do processo é já uma conquista metodolótica da atualidade, uma tomada de consciência de que ele não é um fim em si mesmo (...). O endereçamento positivo do raciocínio instrumental conduz à idéia de efetividade do processo, entendida no contexto jurídico social e político. Cfr. DINAMARCO, 1990, p. 379.

[24] Cfr. PEREIRA, Sebastião Tavares. O processo eletrônico e o princípio da dupla instrumentalidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1937, 20 out. 2008. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11824>. Acesso em: 08 jun.  2009.

[25] Esse termo foi cunhado pelo Juiz Antônio Gomes de Vasconcelos, por ocasião dos debates ocorridos nas Oficinas Temáticas do I Congresso Mineiro – Justiça Digital e Direito do Trabalho, realizado pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais e sua Escola Judicial, que teve lugar na cidade de Caxambu-MG, em agosto de 2008.

[26] O Desembargador Fernando Neto Botelho, uma das maiores autoridades brasileiras em informática jurídica, caminha também na linha de desenvolver novos e específicos princípios do processo eletrônico. Cfr. BOTELHO, 2009, disponível em http://www.amatra18.org.br/site/Index.do

[27] Etimologia latina: actus,us 'movimento, impulso, direito de passagem, ação, representação de uma peça teatral', substv. do adj. actus,a,um, part.pas. de agère 'pôr em movimento'. Cfr. HOUAISS, 2003

[28] Etimologia latina:. documentum,i 'ensino, lição, aviso, advertência, modelo, exemplo, indício, sinal, indicação, prova, amostra, prova que faz fé, documento', do v.lat. docére 'ensinar'; ver doc(t)- Cfr. HOUAISS, 2003

[29] PIGNATARI (2003) p. 13

[30] Essa dualidade está inclusive bem salientada na própria dogmática do processo eletrônico, como se pode ver, in verbis, pelo inciso I, do § 2o,, do Art. 1º da Lei 11.419/2006: “Para o disposto nesta Lei, considera-se: I - meio eletrônico qualquer forma de armazenamento ou tráfego de documentos e arquivos digitais;”. (grifos nossos).

[31] Cfr. DELEUZE 1996, p. 49

[32] LÉVY, Pierre O que é o virtual? – Trad. Paulo Neves - São Paulo: Editora.34, 1996. (pp. 1520)

[33] “Propositio XXXIV: Dei potentia est ipsa ipsius essentia”. “Propositio XXXV: Quicquid concipimus in Dei potestate esse, id necessario est”.  Cfr. SPINOZA, 1913 (a) p. 66

[34] Cfr. NEGRI, 2000, p.43

[35] “‘É uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências’. Acrescentamos à nossa definição este complemento indispensável: a base e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuos das pessoas, e não o culto de comunidades fetichizadas ou hipostasiadas ” Cfr. LÉVY, 2003, pp. 28-29

[36] Lei 11.419/2006: Art. 13.  O magistrado poderá determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo.

§ 1o Consideram-se cadastros públicos, para os efeitos deste artigo, dentre outros existentes ou que venham a ser criados, ainda que mantidos por concessionárias de serviço público ou empresas privadas, os que contenham informações indispensáveis ao exercício da função judicante.

§ 2o O acesso de que trata este artigo dar-se-á por qualquer meio tecnológico disponível, preferentemente o de menor custo, considerada sua eficiência.

[37] Não é por outra razão que a Lei 11.419/2006 (art. 11, § 6º), cogita permitir o acesso por rede externa dos documentos privados apenas para as partes, procuradores e ministério público.

[38] No período do procedimento das ações da lei o processo romano era totalmente oral. Somente com o processo formular é que passou a ser parcialmente escrito. Cfr. CRUZ E TUCCI & AZEVEDO, 2001, p.78

[39] O processo germânico, bárbaro, na alta idade média, era essencialmente oral, embora na península Ibérica tenha também guardado aspectos do processo romano formular, misto. Cfr.

GUEDES, 2003, PP. 21-23.

[40] Também conhecida como Consórcio World Wide Web (W3C). A Web Semântica é uma web de dados. Existe uma grande quantidade de dados que todos nós utilizamos todos os dias, e não é parte da web. A visão da Web Semântica é alargar princípios da Web a partir de documentos para dados. Ela permite que humanos e máquinas trabalhem em verdadeira interação. Enfim, a idéia é transformar a web de um mar de documentos em um mar de dados. Há um excelente FAQ em http://www.w3.org/2001/sw/SW-FAQ#What1  

[41] O conceito de ‘comum’ tem sido hoje articulado por uma tendência política pós-estruturalista. O conceito é formulado principalmente por Negri e Hardt  e Paolo Virno. A Idoia de ‘comum’, como substantivo, está conectada ao conceito aristotélico de ‘lugar común’. “Cuando hoy hablamos de «lugares comunes», entendemos generalmente locuciones estereotipadas, casi privadas de todo significado, banalidades, metáforas muertas —«tus ojos son dos luceros»—, conversaciones trilladas. Y sin embargo, no era éste el significado originario de la expresión «lugares comunes». Para Aristóteles, los topoi koinoi son las formas lógicas y lingüísticas de valor general, como si dijéramos la estructura ósea de cada uno de nuestros discursos, aquello que permite y ordena toda enunciación particular. Esos «lugares» son comunes porque nadie — ni el orador refinado ni el borracho que murmura palabras sin sentido, ni el comerciante ni el político— puede dejarlos de lado.”. Cfr. VIRNO, 2003, pp. 34-35

[42] O termo "intermidialidade" é um conceito em construção, podendo aparecer como sinônimo de termos como "intermídia", "intermídias", aproximando-se ainda, no escopo dos estudos literários, de noções como "intertextualidade", "transposição intersemiótica", "estudos interartes.

[43] O sistema mais interessante atualmente de gravação de audiências é o sistema Fidelis, desenvolvido pelo Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, sob o comando do Desembargador Sérgio Murilo Lemos.

[44] O conceito de hiper-realidade foi formulado pelo sociólogo francês Jean Baudrillard, formulado a partir da fábula de Borges que trata dos cartógrafos do império que traçam um mapa tão detalhado que cobre exatamente o próprio território mpaeado. “Hoje a abstração já não é a do mapa, do duplo, do espelho ou do conceito. A simulação já é a simulação de território, de um se referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real. (...) O real é produzido a partir de células miniaturizadas, de matrizes e de memórias, de modelos, de comando – e pode ser reproduzido um número indefenido de vezes a partir daí. Já não tem de ser racional, pois já não se compara com nenhuma instância, ideal ou negativa. É apenas operacional. Na verdade, já não é o real, pois já não está envolto em nenhum imaginário. É um hiper-real, produto de síntese irradiando modelos combinatórios num hiperespaço sem atsmofera.” Cfr. BAUDRILLARD, 1991, p. 8

[45] Cfr. LÉVY, 2009:  http://caosmose.net/pierrelevy/nossomos.html

[46] Cfr. GUEDES, 2003, p. 23

[47] SANTOS, 1970, p. 41

[48] Baudrillard formula o conceito de simulacro, que é a simulação que não tem mais como base o real; o real é apenas referencial, uma realidade-virtual. O reality show é uma modelo hiper-real, de simulacro, que se emancipa e desconecta do compromisso com a realidade. A simulação – o simulacro – passa a preceder o real. Cfr. BAUDRILLARD, 2003, p.8

[49] Cfr. FAZZALARI, 2006, p. 119

[50] Cfr. GONÇALVES, 1992, p. 127

[51] Cfr. último acesso em 11 agosto 2011: http://netweaving.ning.com/video/redes-saoambientes-de

[52] Retomemos, novamente, ao mestre da ‘aldeia global’ e a suas reflexões de há mais de 40 anos: “O nosso é o mundo novo do tudoagora. O tempo cessou, o espaço desapareceu. Vivemos hoje numa ‘aldeia global’. Cfr. McLUHAN, 1969, p. 91

[53]O sistema de circuitos elétricos entrelaça os homens uns com os outros. As informações despencam sobre nós, instantaneamente e continuamente. Tão pronto se adquire um novo conhecimento, este é rapidamente substituído por informação ainda mais recente. Nosso mundo, eletricamente configurado, forçou-nos a abandonar o hábito de dados classificados para usar o sistema de identificação de padrões. Não podemos mais construir em série, bloco por bloco, passo a passo, porque a comunicação instantânea garante que todos os fatores ambientais e de experiência coexistem num estado de ativa interação.” Cfr. McLUHAN, 1969, p. 91

[54] Cfr. RORHRMANN, 2005, pp. 27-33

[55] É interessante a respeito o seguinte julgado do STJ, ainda em sede de processo de papel:

PROCESSO: CC 66981 UF: RJ – STJ -  VEICULAÇÃO NA INTERNET DE IMAGENS PORNOGRÁFICAS ENVOLVENDO CRIANÇAS E ADOLESCENTES. COMPETÊNCIA QUE SE FIRMA PELO LOCAL DA PUBLICAÇÃO ILÍCITA. 1. Conforme entendimento desta Corte, o delito previsto no art. 241 da Lei 8.069/90 consuma-se no momento da publicação das imagens, ou seja, aquele em que ocorre o lançamento na Internet das fotografias de conteúdo pornográfico. É irrelevante, para fins de fixação da competência, o local em que se encontra sediado o responsável pelo provedor de acesso ao ambiente virtual.

[56] O Desembargador Fernando Neto Botelho, a propósito, denomina tal princípio de ‘ubiqüidade judiciária’. Cfr. BOTELHO, 2009, disponível em http://www.amatra18.org.br/site/Index.do

[57] Lei 11.419/2006, art. 11, § 6o: “Os documentos digitalizados juntados em processo eletrônico somente estarão disponíveis para acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de segredo de justiça. (grifo nosso)

[58] Versão 2.0, de 2006, revisada, disponível em http://codev2.cc/download+remix/Lessig-Codev2.pdf com acesso em 10 jul 2016.

[59] Art. 195. O registro de ato processual eletrônico deverá ser feito em padrões abertos, que atenderão aos requisitos de autenticidade, integridade, temporalidade, não repúdio, conservação e, nos casos que tramitem em segredo de justiça, confidencialidade, observada a infraestrutura de chaves públicas unificada nacionalmente, nos termos da lei. (grifo nosso).

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jose-eduardo-de-resende-chaves-juniorJosé Eduardo de Resende Chaves Júnior é Professor Adjunto dos Cursos de Pós-graduação do IEC-PUCMINAS. Doutor em Direitos Fundamentais. Desembargador no TRT-MG. Vice-presidente de Justiça e Novas Tecnologia da Rede Latino-americana de Juízes – REDLAJ. Membro do Grupo de Requisitos para o PJe do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Coordenador do GEDEL - Grupo de Estudos Justiça e Direito Eletrônicos da Escola Judicial do TRT-MG. Coordenador da obra “Comentários à Lei do Processo Eletrônico” (Ltr, 2010).


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito. 


 

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