EDUCAÇÃO INCLUSIVA PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA, TRANSTORNOS GLOBAIS DO DESENVOLVIMENTO E ALTAS HABILIDADES OU SUPERDOTAÇÃO NA REDE REGULAR DE ENSINO BRASILEIRA: Uma construção internacional para além do assistencialismo

30/08/2022

Coluna Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenadores Assis da Costa Oliveira, Hellen Moreno, Ilana Paiva, Tabita Moreira e Josiane Petry Veronese

INTRODUÇÃO 

Este texto aborda a política de inclusão de crianças com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação no sistema regular de ensino, sob a ótica da influência nas leis brasileiras que exercem as convenções internacionais. Nesse sentido, apresenta a trajetória legislativa da educação especial, desde uma das primeiras normas nacionais, até o desenvolvimento de protocolos internacionais e alcançando hoje até mesmo um código específico para pessoas com deficiência.

Trata-se de um estudo documental e bibliográfico que pretende sinalizar avanços, limites e desafios que se impõem na construção e implementação da proposta de inclusão de crianças com deficiência em escolas comuns.

Finalmente, conclui que a inclusão na Educação é um direito social e fundamental, ressaltando a necessidade de políticas pública efetivas para que o Atendimento Educacional Especializado não se reduza ao assistencialismo e à instrumentalização da Educação Especial, de modo que a educação inclusiva não fique limitada apenas às instituições especializadas e somente em termos de acessibilidade e adaptações de recursos e materiais pedagógicos; e sim seja plenamente de qualidade, igualitária e para todos.

1. A relevância dos marcos jurídicos internacionais para a evolução da educação especial brasileira 

No mundo todo a diversidade é, de certa forma, estigmatizada desde que se tem registro. Mesmo com padrões definidos em cada cultura, etnia e territórios específicos, as diferenças dificilmente são aceitas pela comunidade, especialmente se tratando de pessoas com deficiências, síndromes e/ou transtornos, sejam físicos ou intelectuais. No caso de crianças e adolescentes, essa realidade é ainda mais evidente, devido à grande interação social e aos contextos educacionais que muitos vivem.

Levando estes e outros aspectos em consideração, a Organização das Nações Unidas (ONU) define pessoa com deficiência como aquela que tem impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. No Brasil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146, de 6 de julho de 2015) vai além, pois considera também requisitos e determina a criação de políticas públicas por parte do Executivo para uma eventual avaliação biopsicossocial da deficiência (BRASIL, 2015).

O próprio EPD surgiu através de uma série de bases legais internacionais, em especial aquelas produzidas desde o início da década de 90, que fornecem um escopo à elaboração de políticas públicas com o objetivo da inclusão de pessoas com necessidades educativas espe­ciais no ensino. Pode-se citar, por exemplo, a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Declaração Mundial de Educação para todos da UNESCO (1990), a Declaração de Salamanca (1994), a Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência, ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 3956/2001 e a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência (2007) (CRISPIM; VERONESE, 2019).

Todos esses tratados internacionais de direitos humanos, assim como a Constituição Federal de 1988 e outras legislações infraconstitucionais, proíbem qualquer tipo de exclusão de indivíduos com deficiência, além de priorizarem a inclusão em todos aspectos da educação, desde na educação infantil até a superior. Destaca-se aqui a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007), na qual o princípio de não-discriminação foi reafirmado e representou um marco na proteção e garantia de direitos (CRISPIM; VERONESE, 2019).

Essa Convenção recebeu o status de emenda constitucional, de modo que os direitos, deveres e obrigações contidos nela possuem aplicação imediata. E ainda, tais direitos, deveres e obrigações são superiores às leis e outras normas, as quais são automaticamente revogadas ou devem ser interpretadas de forma a fazer cumprir o documento internacional se forem contrárias à Convenção, nos termos do artigo 5º, parágrafo 3º, da Constituição de 1988.

Tal pressuposto só reforçou o dever de as legislações brasileiras se adequarem ao princípio da igualdade e da não-discriminação, sobretudo no âmbito educacional. Nesse sentido, mesmo o país dispondo de legislação versando sobre a educação para pessoas com deficiência desde a década de 60, percebe-se claramente a segregação e o estigma como “problema de saúde” nos antigos fundamentos (OLIVEIRA, 2018), assim como o tratamento dos “excepcionais” exclusivamente em escolas especiais (CRISPIM; VERONESE, 2021).

Portanto, a educação inclusiva é uma responsabilidade não só do Estado, mas também das escolas particulares, e deve incluir o Atendimento Educacional Especializada (AEE). Tal disposição só adquiriu supedâneo legal devido à alteração da Lei n. 9.394/1996 (LDB), promovida pela Lei n. 12.796/2013, que entrou em vigor em razão dos Decretos n. 7.611/2011 e n. 3.956/2001 - este último validando a Convenção Interamericana assinada pela República Federativa do Brasil, que prevê a eliminação de todas as formas de discriminação contra pessoas com necessidades especiais.

Assim, os pactos internacionais sempre tiveram grande notoriedade na construção de normas internas brasileiras e influenciaram o crescimento de uma educação mais inclusiva no Brasil. Esta verdadeira inclusão se baseia no princípio da igualdade de direitos, incluindo, portanto, o estudante no sistema, em classes regulares com outras crianças ou adolescentes, com ou sem deficiências.

2. A democratização do acesso de crianças e adolescentes à educação especial no Brasil

Todo o desenvolvimento e evolução da sociedade dependem da educação, tal é a sua importância, que foi elencada como um direito. Por sua vez, ela faz parte de um conjunto de direitos conhecidos como direitos sociais, os quais têm como premissa a igualdade, ou seja, todos nós temos os mesmos direitos assegurados.

Nesse sentido, a educação especial – que se insere na proposta de educação inclusiva – representou um avanço na educação brasileira, porque elevou o desenvolvimento de crianças e adolescentes para além de uma atmosfera assistencialista, reforçando seu direito a um bom ensino, não segregador ou capacitista. Assim entendem Carlos Alberto Crispim e Josiane Petry Veronese (2021): 

Pela inclusão escolar, todos os alunos, sem exceção, devem frequentar as aulas do ensino regular, em ambiente escolar não segregado e de qualidade, considerando as necessidades de cada um, numa busca de uma melhor qualidade de ensino, de um ensino que busca cidadania real e livre de preconceitos objetivando a construção de uma sociedade igualitária, livre e justa, por isso que a inclusão não se reporta apenas à pessoa com deficiência, mas a todos que integram e constituem a sociedade. 

E dessa mesma forma reforça o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estabelecido pela Lei nº 8.069/1990, que proporcionou uma oportunidade para a inclusão de crianças com deficiência no cenário educacional brasileiro, apresentando o princípio da proteção integral e garantindo condições iguais de acesso e permanência em escolas públicas e gratuitas próximas à residência do aluno. Além disso, a LDB corrobora esse cenário garantindo a abrangência educacional a todos, respeitando seus aspectos físicos, intelectuais, psicológicos e sociais, em conformidade com o dever do Estado, da sociedade e da família especificado no artigo 205 e 227 da Constituição (BRASIL, 1996).

Apesar dessa proteção legal, as Diretrizes Nacionais para uma Educação Especial na Educação Básica apresentaram um desafio aos sistemas educacionais e às comunidades escolares, no sentido de construir uma educação que satisfizesse a diversidade e as exigências educacionais especiais de todos os estudantes. Isso porque esse texto não entra em detalhes sobre questões políticas, organizacionais, de planejamento ou sobre desenvolvimento de programas pedagógicos inclusivos. A título de exemplo, enquanto direcionou a matrícula de alunos do Público-alvo da Educação Especial (PAEE) em escolas comuns, deixou em aberto a perspectiva de a AEE substituir a escolaridade em instituições e cursos especiais (BRUNO; NOZU, 2019).

Neste contexto, a publicação da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, em 2008, representou um progresso em relação a conceitos significativos na educação brasileira, estabelecendo a Educação Especial como uma modalidade não-substitutiva de escolarização, trazendo o conceito de AEE complementar ou suplementar ao ensino regular e a determinação de PAEE - alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 2008).

Essas diretrizes de 2008, buscaram orientar os sistemas de ensino de escolas regulares a garantir ao PAEE o acesso, a aprendizagem, a participação e a continuidade até os níveis mais elevados da educação; a transversalidade da Educação Especial; a oferta de Atendimento Educacional Especializado (AEE); a formação de professores para essa modalidade e dos demais professores para a inclusão; a participação da família e da comunidade; a acessibilidade em todas as suas formas; e a articulação intersetorial das políticas públicas (BRASIL, 2008).

Em 2020, foi assinado o Decreto n. 10.502, que institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da vida, reforçando o texto de 2008 e adicionando conceitos, dados e instruções atualizadas sobre o tema, em conformidade com as convenções internacionais mais recentes (BRASIL, 2020).

Consequentemente, a educação especial não implica uma escola distinta ou uma sala específica, mas sim "atendimentos especializados", além da escolarização regular, como determina a Constituição. Portanto, desenvolver o potencial nessas crianças e adolescentes especificamente, requer, além de trabalho e habilidade por parte do educador, compromisso ético e político. Para ensinar efetivamente, é vital compreender as exigências particulares de cada aluno, e quando se trata de alunos com deficiência, o educador deve ir além de si mesmo, buscando caminhos e processos que se adaptem ao perfil de cada necessidade de forma também humanizada e democrática. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS           

No presente estudo, observou-se que as diferenças são inerentes a todo e qualquer indivíduo e, em atenção ao contexto social onde crianças e adolescentes se desenvolvem, a repressão contra a segregação a essa pluralidade deve ensejar políticas públicas, sobretudo no contexto educacional. Assim, na luta pela igualdade de direitos, tanto a ONU quanto o Brasil empreendem esforços constantemente para criar diretrizes que auxiliem os sistemas de ensino, o Executivo, os educadores e toda a sociedade a promoverem a inclusão educacional de pessoas com deficiência.

Sob a análise dos principais pactos internacionais, depreende-se que as normas mais relevantes sobre educação especial e inclusiva foram criadas no final da década de 80 e início da década de 90, como a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989. No entanto, considera-se como as propostas mais significativas acerca do tema aquelas trazidas pela Convenção Interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a pessoa com deficiência, e a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência (2007), que, no Brasil, originaram as alterações na LDB e a criação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, respectivamente.

Esses preceitos, entre outros funções, configuram a necessidade de combater a exclusão de crianças e adolescentes com deficiência, direcionam a aplicação do Atendimento Educacional Especializado, preconizam a não-discriminação em quaisquer aspectos e prezam pela convivência dessas em conjunto com outras crianças e adolescentes, com ou sem deficiência.

É nessa perspectiva que a legislação nacional e internacional rompe com o cenário assistencialista e com uma concepção de “problema de saúde pública”, para se transformar em uma política de inclusão social. As crianças e adolescentes com certas deficiências que antes se desenvolviam no período educacional apenas em instituições específicas – como a APAE –, sem grandes interações com outras crianças, hoje podem crescer, brincar, aprender e progredir ainda mais, em meio a uma classe de ensino regular, de uma escola comum.

Todavia, longe de se consistir em uma conjuntura ideal, apesar da existência de várias legislações que tratam da acessibilidade e da inclusão no Brasil, pode-se observar que, na prática, existe um abismo entre o sistema jurídico e a realidade, causando sérios distúrbios físicos e psicológicos às crianças com deficiências físicas e sensoriais, impedindo sua inclusão social e educacional, tal qual a própria permanência desta no sistema de ensino.

As fragilidades, vão desde a insuficiência de diretrizes políticas, regulamentares, setoriais, de acessibilidade material e de planejamentos pedagógicos condizentes com a realidade de escola públicas, até a própria inaptidão ou escassez de profissionais habilitados para lidar com especificidades dessas crianças e adolescentes. Assim, a inclusão e a acessibilidade são mais do que uma simples instalação física ou um complexo arquitetônico, são também organizações sociais responsáveis por uma educação qualificada, não capacitista, que desenvolva competências, explore valores e forme seres humanos com dignidade.

Sendo assim, uma deficiência em si não poder justificar a desigualdade e a exclusão que ainda se verifica em relação às pessoas com deficiência, da mesma maneira que a educação inclusiva vai muito além de um caráter assistencialista. Cada vez mais pessoas com deficiências, síndromes ou transtornos globais, com suas características físicas, intelectuais e sociais variadas, estão entrando em cena, tomando sua vez e voz, adentrando em todos os níveis educacionais e impondo novas atitudes de governos, gestores, professores, colegas e do próprio aluno deficiente. É preciso que se construa métodos e técnicas na política educacional, que levem em conta a diversidade humana e concebam a educação como um direito fundamental.

 

Notas e Referências 

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 06 jun. 2022. 

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 20 dez. 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 12 jun. 2022.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, 06 jul. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 06 jun. 2022. 

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Modalidades Especializadas de Educação. PNEE: Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Brasília: MEC. SEMESP. 2020. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/assuntos/noticias/mec-lanca-documento-sobre-implementacao-da-pnee-1/pnee-2020.pdf. Acesso em: 13 jun. 2020. 

BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF: MEC/SEESP, 2008. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 12 jun. 2022. 

BRUNO, M. M. G.; NOZU, W. C. S. Política de inclusão na educação infantil: avanços, limites e desafios. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 14, n. esp.1, p. 687–701, 2019. DOI: 10.21723/riaee.v14iesp.1.12199. Disponível em: https://periodicos.fclar.unesp.br/iberoamericana/article/view/12199. Acesso em: 14 jun. 2022. 

CRISPIM, Carlos Alberto; VERONESE, Josiane Rose Petry. A inclusão escolar e social de crianças com deficiência física. In: VERONESE, Josiane Rose Petry; SILVA, Rosane Leal da (organizadoras). A criança e seus direitos: entre violações e desafios [recurso eletrônico]. Porto Alegre: Editora Fi, 2019. Disponível em: https://crbnacional.org.br/wp-content/uploads/2021/01/A-Crianca-e-seus-Direitos-entre-violacoes-e-desafios.pdf. Acesso em: 06 jun. 2022. 

CRISPIM, Carlos Alberto; VERONESE, Josiane Rose Petry. Crianças com deficiência: a inclusão como direito. Erechim: Deviant, 2021. 

OLIVEIRA, Andréia Soares de. O direito à diversidade na educação inclusiva: um olhar jurídico. Revista Com Censo: Estudos Educacionais do Distrito Federal, [S.l.], v. 5, n. 1, p. 255-259, mar. 2018. ISSN 2359-2494. Disponível em: http://www.periodicos.se.df.gov.br/index.php/comcenso/article/view/157. Acesso em: 04 jun. 2022.

 

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