EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADE: UM OLHAR À LUZ DA PEDAGOGIA SOCIAL E INCLUSIVA

09/04/2020

É preciso educar os educadores
(Edgar Morin, antropólogo, sociólogo e filósofo francês)

Afirma-se que a história da educação se confunde com a própria história da humanidade e, consequentemente, com a própria “afirmação histórica dos direitos humanos”. Neste diapasão, a educação é um assunto complexo, instigante e picante por natureza, uma vez que desde os tempos mais remotos já se discutia sobre o papel e os limites da educação e dos educadores. Afirma-se, ainda, que essas discussões em torno da educação ganham força e destaque nas múltiplas camadas sociais em tempos de crise e transição, assim como ocorreu com a ascensão e queda dos impérios grego e romano; com a ruptura dos movimentos filosóficos e intelectuais (renascentismo, iluminismo, surrealismo etc.); com os choques ideologicos no pós-guerra entre os regimes econômicos de governo (capitalismo e socialismo); e hoje com a crise da globalização. 

Ressalta-se que a educação não deixa de ser um dos alicerces da consciência e do conhecimento humano e seus modelos e formas de aprendizagem podem variar  conforme os costumes e valores culturais, como revelam ser diferentes os processos de aprendizagem do mundo ocidental e oriental. Todavia, a educação pode/deve ser sempre solidária, inclusiva, inovadora e emancipatória, como bem advogou o Prof. Dr. David Rodrigues em seu artigo intitulado “A Educação é uma arma carregada de futuro”.

Desde já faz-se imperioso distinguir educação e pedagogia. Esta última é a ciência que estuda a educação, o processo de ensino e a aprendizagem do ser humano, na qualidade de educando. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, a palavra pedagogia vem do grego antigo paidos - agein que sigifica “conduzir a criança”. Isto porque os escravos que acompanhavam as crianças da Grécia antiga eram chamados de pedagogos e ficavam incumbidos de corrigir as crianças quando necessário. A civiliação grega também é considerada o berço da pedagogia, pois influenciou outras culturas ocidentais na ideia do pedagogo ligado à criança. Porém, atualmente fala-se muito sobre a importância da Pedagogia Social como uma nova ciência indispensavel para compreender as “ciências da educação”, conforme ensina a Profa. Dra. Isabel Baptista.

O educador e filósofo Paulo Freire em sua obra “Pedagogia do Oprimido” (1968) mostra uma nova relação e comunicação entre professores e alunos, uma espécie de pedagogia horizontal, dialógica e emancipatória, como forma de conscientizar o individuo da realidade, de fazê-lo despertar como homem livre da opressão e agente transformador da sua própria história. Na mesma linha, Leonardo Boff promotor da “Teologia da Libertação” (anos 60) aponta para as  injustas condições econômicas, políticas ou sociais causadas pelo poder econômico, que impõe o seu ponto de vista e suas regras. Este ensaio acadêmico inspirado em grandes pensadores –  analogicamente –  fala da real necessidade de um diálogo franco entre educação, direitos humanos e vulnerabilidade. 

 

EDUCAÇÃO, DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADE

O art. 26º da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 prevê: “[...] toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório [...]  a educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais [...]”. Deste modo, a educação é um direito humano universal – um direito de todos, que está previsto na aludida Declaração, mas que também encontra-se  positivado em diversos outros documentos internacionais, como p.ex., no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (arts. 10 e 13); na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (art. 24) e etc.; trata-se de um direitos de todas as pessoas (crianças, adultos e idosos), sem distinção.

O Prof. Dr. David Rodrigues, em suas conferências e aulas magnas, ensina que a educação pode ser compreendida – metaforicamente –  por meio do conceito de utopia, ao citar a celebre frase do escritor uruguaio Eduardo Galeano que diz: “a utopia fazer-nos caminhar; nós damos dois passos e a utopia dá dez...”, e também acrescenta: “as  utopias são reais e são uteis, pois são elas que movem o mundo”. Assim pode ser compreendida a educação no seu mais amplo sentido. Isto porque a educação atual está longe de ser um modelo perfeito e ideal, uma vez que nem todos os seres humanos recebem efetivamente uma educação condigna, por estar mais do que comprovado os resultados práticos negativos em relação as desigualdes sociais. A educação é (e está) intrinsecamente associada ao processo de aprender e ensinar, com ela as sociedades enfretam suas crises e solucionam seus conflitos. Na educação vive o gerne criativo do planeta, pela forma como trabalha e cultiva os valores do futuro (Rodrigues, 2016).

Para uma melhor e dupla compreensão, é imperioso conceituar os Direitos Humanos e relacioná-los com a educação e a vulnerabilidade. Tratar-se-á, portanto, de sintetizar tal conceituação da melhor forma possível. De acordo com o jurista e politólogo italiano Norberto Bobbio (2004, p. 17), os Direitos Humanos “[...] são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização.”. Destarte, pode-se compreender que os Direitos Humanos são todos àqueles direitos inerentes à espécie humana; direitos que protegem as minorias e os grupos vulneráveis (crianças, idosos, sem-abrigos etc.). São direitos indispensáveis para a dignidade do homem e para com o desenvolvimento humano. São direitos que garantem as condições existenciais minimas de vida digna.

A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) conceitua amplamente a educação em três dimensões distintas, a saber: educação formal (proveniente das escolas, universidades e instituições); educação não formal (organizações sociais e democráticas, sem obtenção de títulos); educação informal (convivio social, família, trabalho e relações afetivas); tecnologica e científica.

Edgard Morin, renomado intelectual da Teoria da Complexidade, critica o modelo ensino do mundo ocidental atual por ser arcaico e estar ultrapassado e diz que o papel do professor precisa ser transformado (pela missão social que exerce). Para Morin, não é adequado o modelo de ensino que separa os conhecimentos através de disciplinas, uma vez que os conhecimentos são todos interligados (inter, trans e multidiciplinar). O intelectual explica que as “disciplinas fechadas” impedem a compreensão dos problemas do mundo. São suas propostas: estimular o pensamento crítico dos alunos e jamais ignorar a curiosidade das crianças; estabelecer um jogo dialético entre razão e emoção para que os erros sejam evitados/reduzidos; valorização das artes e literatura no currículo escolar e não como conhecimento secundário.

No mesmo sentido, o psquiatra chileno Claudio Naranjo (indicado ao Prêmio Nobel da Paz) ensina que “a educação é a única forma de mudar o mundo” e que “quando há amor na forma de ensinar, o aluno aprende mais facilmente qualquer conteúdo”. Para este pesquisador e escritor, o sistema de ensino é altamente alienante e pouco libertador, o que dificulta o desenvolvimento das potencialidades intelectuais, amorosas, naturais e espontâneas dos jovens. Isto prejudica o desenvolvimento social.  

Também o professor universitário Nuccio Ordine, autor da obra A Utilidiade do Inútil, ao sustentar que “a escola não pode ser uma empresa porque a lógica da educação não é a do mercado”. O autor defende a necessidade de investimentos em cultura geral de base e critica a visão utililarista da educação atual, tendo em vista que a educação deve estar acima dos ideais de mercado. Nordine discorre que muitos alunos frequentam as escolas e universidades visando unicamente uma posição no mercado de trabalho, o que é prejudicial. Explica que as pessoas devem ser educadas para ter ética e amor, para serem mais humanas. Em entrevista, arremata: “temos médicos que o são porque ganham muito dinheiro e não por razões humanitárias e não pelo que prometem no juramento de Hipócrates. Esta corrupção – a ideia de ganhar muito dinheiro – atravessa a sociedade inteira, chega à política, à economia. Por isso temos corrupção no mundo inteiro”.

 

UM OLHAR À LUZ DA PEDAGÓGIA SOCIAL E INCLUSIVA

Diante dos desafios pedagógicos-educacionais enfrentados pelas sociedades em tempos de crise da globalização contemporânea (como bem tratou o sociólogo Zygmunt Bauman in Modernidade Liqüida e o Mal-Estar da Pós-Modernidade), onde se vê relações humanas vazias e descartáveis (via redes sociais);  a diminuição dos espaços físicos (via infraestrutura e tecnologia, como p.ex., transporte e internet) e o aumento desenfreado das barreiras conservadora (via anomia social, fake news, migração e protecionismo), torna-se urgente e indispensável o reconhecimento de uma disciplina inovadora e autônoma, que tenha e trabalhe com um viés inter, trans e multidisciplinar que falamos anteriormente; ciência geradora de valores humanos: a pegadogia social.

Procurou Isabel Baptista estruturar a Pedadogia Social como uma ciência que tem como objeto de estudo a aprendizagem social; uma disciplina acadêmica; um saber técnico-profissional; e uma filosofia de ação, isto é, uma ciência com áreas e domínios estratégicos de ação ligados à educação social, ao trabalho e ao emprego, à formação de adultos, ao meio ambiente, à cidade e as políticas públicas (Batista, 2008). Ou seja, a Pedagogia Social como solução para os graves problemas relacionados às desigualdade sociais e culturais , vez que procura apresentar propostas maduras de inclusão e objetiva o fortalecimento das instituições democráticas e a defesa de um ambiente ecológico.

Assim sendo, coleciona-se as lições desta professora que nos brinda com o seu amável magistério ao profetizar sobre a importânica da disciplina (PS) nos dias de hoje: “... a inserção da pedagogia social no quadro de prioridades de investigação e acção educacionais constitui hoje um factor crucial para a concretização de política públicas sócio-educativas capazes de dar expressão aos ideais de humanidade e cidadania num tempo cheio de dificuldades, de ameaças e “sombras negras”, mas também muito auspicioso e desafiante. Este esforço pede uma mentalidade académica e cientifica forte, capaz de hospedar diferentes culturas disciplinares e profissionais” (Baptista, 2008).

A educação inclusiva é um dos objetivos da Unesco e também deve ser a missão das escolas, professores e universidades, pela própria natureza do ensino, pesquisa e extensão. Essas entidades devem exalar uma “essênica de liberdade criadora”. Para isto, é indispensável que fomentem o humanismo voltado e preparado para atender as necessidades individuais,  menos preocupados com o mercado e mais preocupados com as diferenças, mais inclusão das minorais e atenção à vulnerabilidade (Tormenta, 2018).     

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação como um direito universal apenas concretiza-se com um processo de aprendizagem verdadeiramente democrático e com respeitos aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais, sobretudo através da inclusão dos grupos vulneráveis, dos cidadãos que sofrem os abusos de uma sociedade desumana e aparentemente legal, pelo simples fato de estarem à margem da sociedade e/ou por serem portadores de necessidades especiais, como p.ex., é o caso dos pobres, dos sem-abrigos, dos idosos, dos  portadores de doenças, dependentes químicos etc.; os excluídos e oprimidos.

Como dissemos alhures:  “o papel dos professores, escolas e universidades não se restringe à apenas transmitir conhecimento, é preciso, pois fazer com que os indivíduos vivenciem na práxis aquilo que é internalizado em sala de aula” (L. Comassetto e A. Maia, 2015). Neste diapasão, a disciplina da Pedagogia Social contribui para com o papel das instituições de ensino e professores, bem como de todos os educadores sociais no geral. Isto porque a pedagogia social (na qualidade de ciência produtora do conhecimento socio-pedagógico) com esta cosmovisão moderna do ensino,  pesquisa e extensão, é capaz de desvendar os mitos e as ficções que foram criadas ao longo dos tempos pelos modelos econômico-políticos para a manutenção de poder e controle social, especialmente das classes mais baixas e desfavorecidas.  

A disciplina da pedagogia social tamém contribui para com o desenvolvimento humano. Expressão conceituada e fomentada pela Organização das Nações Unidas desde o inicio da década de 1990. Segundo essa organização, o desenvolvimento humano só pode ocorrer quando a população tem plena ciência de seus direitos e deveres (ibíden), quando possui uma educação digna, criativa, inovadora e libertadora.

Pois como ensinanam os Professores da Universidade Católica Portuguesa: “os maiores guardiões dos direitos humanos têm sido simples cidadãos. Também as Organizações da Sociedade Civil têm desempenhado um papel importante ao chamar a atenção da comunidade internacional. É assim que se vai garantindo a proteção dos direitos humanos e é por esta razão que a educação para os direitos humanos é crescentemente importante. Não é suficiente existirem atores governamentais sensíveis ao problema dos DH e instrumentos de garantia de proteção, apesar de naturalmente serem os grandes promotores. Para os direitos humanos, para a sua salvaguarda e evolução, cada pessoa é fundamental” (Joana Morais e Castro e Filipe Pinto, 2019).

Portanto, é mais do que chegada a hora de quebra de paradigma e câmbio de postura no sistema de ensino. Não há mais espaço para um modelo arcaico do sec. xix, se atualmente estamos a viver sob a égide do sec xxi: o século da tecnologia e da informação. Aos professores e educadores compete à orientação na pesquisa e estimular o pesamento crítico interdisciplinar dos alunos. Aos Estados soberanos compete implementar uma boa política social-pedagógica à luz dos instrumentos e orientações das Nações Unidas e da Unesco, em prol de uma educação inclusiva, emancipadora e visando a redução das desigualdade econômicas, sociais e cultarais, para que seja de fato estruturada e vivenciada a pedagogia do novo milênio. Um modelo de ensino baseado no amor, na cooperação/colaboração e no pleno desenvolvimento: da dignidade da pessoa humana. Afinal, como bem disse a grande e genuina escritora brasileira: “feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina” (Cora Carolina).

 

NOTAS E REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Joaquim; BAPTISTA, Isabel. Eduadores Sociais: Quem são? O que fazem? Como desejam ser reconhecidos? Disponível in Cardernos de Pedagogia Social, Universidade Católica Editora. Lisboa, 2008.

BAPTISTA, Isabel. Pedagogia Social: Uma ciência, um saber profissional, uma filosofia de acção. Disponível in Cardernos de Pedagogia Social, Universidade Católica Editora. Lisboa, 2008

BOBBIO, Noberto. A era dos direitos, Celso Lafer, 2014.

COMASSETTO, Lucas Vicente; MAIA, André Luis de Lima. A importância de eventos de extensão em direitos humanos. Para a formação cidadã e efetivação do papel da universidade. Uma homenagem à Profa. Dra. Milene Pacheco Kindermann. Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2015.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 10ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

FREIRE, Paulo. Pegagogia do Oprimido. Editora Paz e Terra. São Paulo, 2013.

MORIN, Edgar. É preciso educar os educadores. Entrevista por Andrea Rangel/O Globo - 02.01.2017 Disponivel em: < https://www.fronteiras.com/entrevistas/entrevista-edgar-morin-e-preciso-educar-os-educadores /> Acesso em: 15 fev. 2020.

NARANJO, Claudio. A educação é a única forma de mudar o mundo’ – diz psiquiatra chileno Claudio Naranjo. Entrevista na Revista Época, Maio de 2015. Disponível em: <https://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/05/claudio-naranjo-educacao-atual-produz-zumbis.html/> . Acesso em: 12 fev. 2020.

ORDINE, Nuccio. A escola não pode ser uma empresa porque a lógica da educação não é a do mercado. Entrevista no Público de Portugal. Lisboa, 2017.

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Democracia, Liberdade, Igualdade (Os três caminhos). São Paulo: Bookseller, 2002.

RODRIGUES, David. Direitos Humanos e Inclusão. Coleção a Página. Oeiras, 2016.

TORMENTA, José Rafael. A escola de professores, ou nós por cá todos bem. Coleção a página da educação. Porto, 2018.

WARAT, Luís Alberto. A pedagogia do novo. Disponível em Ética Holística Aplicada ao Direito. Ordem dos Advgados do Brasil de Santa Catarina. Florianópolis, 2002.

CASTRO, Joana; PINTO, Filipe. Qual o papel da educação para os direitos humanos. Disponível em: www.publico.pt, 30 de agosto de 2019. 

 

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