Edison, Tesla, a Geração Distribuída e a revanche

05/01/2016

Por Charles M. Machado - 05/01/2016

Em abril de 2012, quando entrou em vigor a Resolução Normativa ANEEL nº 482/2012, o consumidor brasileiro passou a poder gerar sua própria energia elétrica, a partir de fontes renováveis e inclusive fornecer o excedente para a rede de distribuição de sua localidade. Como convencionou a ANEEL, trata-se da micro e da mini geração distribuídas de energia elétrica, inovações que podem aliar economia financeira, consciência socioambiental e auto sustentabilidade, que farão parte do sistema através de micro e mini geradores. A Magna Carta em seu artigo 21 assim prevê:

Art. 21. Compete à União:

I - ...............

XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

Ao mesmo tempo a Magna Carta na distribuição das competências legislativas assim tratou a Energia:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I - .........

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

Logo, a ANEEL que tem competência delegada, pela Lei 9.247/96, para tanto regulamenta a matéria, e assim o fez regrando a Geração Distribuída.

Com isso, e entendendo a necessidade por razões de segurança energética, diversificou a matriz em meios, canais e locais de distribuição, por isso já são diversos os estímulos à geração distribuída e os mesmos se justificam pelos potenciais benefícios que tal modalidade pode proporcionar ao sistema elétrico. Tais benefícios são destacados pela ANEEL:

a) O adiamento de investimentos em expansão dos sistemas de transmissão e distribuição;

b) O Baixo impacto ambiental;

c) A redução no carregamento das redes;

d) A minimização das perdas;

e) A diversificação da matriz energética.

Isso para ficar em algumas das vantagens, que apenas vão se sustentar se o consumidor final obtiver alguma redução no preço final da energia. O Direito de Energia, evolui em uma velocidade muito maior do que diversos outros ramos do Direito, o que é absolutamente normal quando se trata do regramento de um segmento tão importante para economia, o que se nota também no Direito Tributário e no Direito do Mercado de Capitais.

Lembremo-nos que a evolução normativa, através da produção dos seus diversos instrumentos (leis, Decretos, Instruções e Portarias, etc) ocorre por força da economia, ao contrário de muitas outras áreas didáticas do Direito.

Mas antes de destacarmos a importância disso, é fundamental fazermos uma abordagem histórica. A energia que conhecemos hoje, na tomada de nossas casas, deve-se muito a um episódio que ficou conhecido na história como a Guerra das Correntes. Um embate que tinha de um lado o empresário e cientista Thomas Edison e do outro George Westinghouse aliado ao Sérvio, Nikola Tesla. Edison defendia seu sistema de corrente contínua para distribuição de energia nas cidades e o gênio, Tesla, o seu sistema de corrente alternada.

Tesla, antigo funcionário de Edison, fora ludibriado pelo mesmo e usava toda sua genialidade para vencer o antigo patrão. Foi uma guerra duríssima, onde Edison não poupou esforços financeiros para tentar derrotar Tesla, usando de inúmeras ações publicitárias, a maioria delas nada éticas, chegando a eletrocutar um elefante em praça pública, para mostrar os riscos da corrente alternada, tudo com intuito único de confundir a opinião pública e fazer valer o seu sistema, afinal estava em jogo uma das maiores guerras econômicas.

O tempo mostrou as inúmeras vantagens do sistema de Tesla e a corrente alternada saiu vencedora, levando hoje energia para todas as casas. A produção e condução da energia pela solução de Tesla eram muito mais eficientes e bem menos oneroso, permitindo levar energia a distância bem maiores. A Energia Elétrica só existe da maneira que hoje se encontra graças a essa guerra.

O curioso, é que a maior das vantagens do modelo de Tesla, era poder trazer energia de locais distantes até a ponta consumidora, ao contrário do modelo de Edison, que exigia um gerador muito próximo de quem consumia.

Nos dois modelos, o que pesou mais do que a tecnologia, foi a entrega de energia no modelo mais barato.

A nova regulamentação, que trata de Geração Distribuída, subverte esse modelo, pois leva os geradores de volta para casas, condomínios e empresas. Sendo que novamente a economia, serve de estímulo a esse novo capítulo da história do Direito de Energia, pois ela só irá prevalecer se entregar ao consumidor final uma energia mais barata do que a sua tradicional distribuidora de energia (Concessionária).

Ainda sobre a GD (Geração Distribuída), a conceituação é dada pela Resolução Normativa nº 482/2012, os micro geradores são aqueles com potência instalada menor ou igual a 100 quilowatts (kW), e os mini geradores, aqueles cujas centrais geradoras possuem de 101 kW a 1 megawatt (MW). As fontes de geração precisam ser renováveis ou com elevada eficiência energética, isto é, com base em energia hidráulica, solar, eólica, biomassa ou cogeração qualificada.

A grande novidade dessa norma foi simplificar a conexão das pequenas centrais à rede das distribuidoras de energia elétrica e, permitir que a energia excedente produzida possa ser repassada para a rede, gerando um “crédito de energia” que será posteriormente utilizado para abater seu consumo. Um exemplo é o da micro geração por fonte solar fotovoltaica: de dia, a “sobra” da energia gerada pela central é passada para a rede; à noite, a rede devolve a energia para a unidade consumidora e supre necessidades adicionais. Portanto, a rede funciona como uma bateria, armazenando o excedente até o momento em que a unidade consumidora necessite de energia proveniente da distribuidora.

Isso é bastante interessante, pois se antes os vilões do sistema de energia eram os chuveiros elétricos, durante o horário do banho, nesse momento, por conta do avanço da renda obtida nas duas últimas décadas, os aparelhos de ar condicionado passaram a ser os novos vilões e, isso amplia a importância da energia alternativa gerada, por placas fotovoltaicas e pela energia eólica.

É de se destacar, que com a regulamentação da GD, o saldo positivo desse crédito de energia não pode ser revertido em dinheiro, mas pode ser utilizado para abater o consumo em outro posto tarifário (ponta/fora ponta), quando aplicável, em outra unidade consumidora (desde que as duas unidades estejam na mesma área de concessão e sejam do mesmo titular) ou na fatura do mês subsequente, isso ocorre quando perfeitamente em redes de lojas que criam seus sistemas alternativos de geração e podem em determinadas horas do dia ter geração maior do que o consumo, logo podem transferir ou mantê-los em conta gráfica pois os créditos de energia gerados continuam válidos por 36 meses.

A simplificação e a desburocratização desse sistema, serão a maior razão de sucesso, aliada aos recentes aumentos do preço da energia, afinal compete ao consumidor a iniciativa de instalação de micro ou mini geração distribuída, a ANEEL não estabelece o custo dos geradores e tampouco eventuais condições de financiamento. Portanto, o consumidor deve analisar a relação custo/benefício para instalação dos geradores, com base em diversas variáveis: tipo da fonte de energia (painéis solares, turbinas eólicas, geradores a biomassa, etc), tecnologia dos equipamentos, porte da unidade consumidora e da central geradora, localização (rural ou urbana), valor da tarifa à qual a unidade consumidora está submetida, condições de pagamento/financiamento do projeto e existência de outras unidades consumidoras que possam usufruir dos créditos do sistema de compensação de energia elétrica.

A GD, aliada ao aumento da tarifa, promovido no último ano vai ao encontro da obrigatoriedade de os Municípios assumirem o serviço de iluminação pública das cidades. E isso representa um desafio, que pode ser uma grande oportunidade, para modelagem jurídica desse serviço, seja pela produção própria integrada a distribuição, ou seja pela concessão e ou PPP desse sistema. A iluminação pública enfrenta, hoje, um novo desafio, afinal, após a publicação das portarias 414 e 587 da ANEEL, que estabeleceu que a operação e manutenção da iluminação pública (IP), até então, uma responsabilidade das concessionárias de distribuição de energia elétrica, deverá ser transferida para a responsabilidade dos Municípios, dando a estes uma nova e desafiadora incumbência.

A execução desses serviços, que compreende a iluminação de ruas, praças e túneis, exige um esforço de inúmeras cidades, afinal a maioria delas não possui em seus quadros, servidores qualificados para a nova responsabilidade. O quadro de servidores é sempre previsto por lei e, se tal responsabilidade não pertencia a municipalidade nada mais natural que não possua engenheiros eletricista e ou técnicos em eletrotécnica. Exigindo, por isso, a criação de lei com o discrimen dos novos quadros de servidores.

Evidentemente que existe uma outra inviabilidade, que é a de sistema, onde pelo tamanho da cidade, ter uma estrutura própria depõe contra o Princípio Constitucional da Eficiência, que rege a Municipalidade.

Com esses dois nexos de casualidade, nada mais comum que a administração pública realize o processo de licitação para contratação de terceiro, ou com maior acuidade, realize a sua primeira PPP, para melhor realização do serviço.

A crise financeira atual deve acelerar esse processo, afinal a queda de arrecadação dos Municípios afeta a todos em menor ou maior grau, e logo, as cidades precisarão de novas e maiores receitas para substituir as decorrentes de impostos, próprios ou de transferência.

A terceirização, direta ou por meio de convênios municipais regionais, é um caminho natural para suprir esse essencial serviço, cujas cidades não possuem vocação em seu DNA para prestar diretamente. Independentemente do instituto jurídico adotado, seja contratação de serviço ou PPP, as cidades terão de fazê-lo urgentemente, para dessa maneira contingenciar o risco segurança.

Curiosamente, o modelo tributário que rege o Sistema Elétrico Nacional, impulsiona uma nova forma de distribuição de Energia, que tem na nova regulamentação da Geração Distribuída, e da Iluminação Pública um estímulo para novos modelos jurídicos.

Como sempre o Direito vai a reboque da economia, que exige dos operadores, uma atualização permanente para que todos participem desse novo marco regulatório.

A Energia Elétrica no Brasil, foi regulamentada dividindo-se o modelo em Geração, Transmissão e Distribuição, logo a tributação nesse modelo faz com que cerca de 40 a 50% do preço da energia final seja tributo. Dessa forma, quando a geração vai direto ao consumidor, sem passar por nenhum outro operador, o modelo financeiro fica imbatível, ainda que em menor escala.

Dessa maneira, a tributação subverte a lógica da ciência, porque nem sempre tem a inteligência dos cientistas.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


Imagem Ilustrativa do Post: Electricity pylons at sunset // Foto de: Nayu Kim // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/nayukim/5704133786

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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