Por Antonio Marcos Gavazzoni – 02/03/2015
Foram anos para superar e estabelecer conceitos, generalizações teóricas e leis ecológicas, afinando os entendimentos que, em contra partida, foram progressivamente se diferenciando nas linhas de investigação e originando as muitas disciplinas do âmbito ecológico (ALMAÇA, 2001). Estas, relacionadas entre si e com outras ciências, biológicas ou não, são as bases da sustentabilidade e constituem o amplo horizonte em que hoje se persegue a resolução dos graves problemas mundiais.
Leff (2006, p.77-78) mostra que o “ecologismo” busca um desenvolvimento sustentável aliado à sobrevivência da humanidade, acabando por dar um novo valor às relações econômicas, éticas e estéticas do homem com o meio e modificando também as concepções de democracia, justiça e convivência de um modo geral. Não se trata apenas de defender a natureza, trata-se de uma hodierna cosmovisão que considera o planeta um sistema de inter-relações da humanidade entre si e com o meio.
O paradigma mecanicista, reducionista ou atomística até então dominante na sociedade, com ideias e conceitos isolados e inflexíveis, está sendo revisto, ainda que tais críticas não sejam novas, basta pensar que no século XVI, Thomas More (2004), já vaticinava que: “Naturalmente, todo homem pensa que a sua própria opinião é a mais acertada”. Depois de inúmeros eventos colocarem em xeque a concepção manejada pelo senso comum que, entre outros exemplos, promove a segregação racial e de gênero, pensa que o corpo humano é como uma máquina e acredita no enriquecimento ilimitado e à qualquer custo; um novo paradigma baseado numa mudança radical de percepção, pensamento e valores, surgiu e está propondo soluções para os graves problemas mundiais (CAPRA, 2006, p.23-25). Sobretudo na restauração dos valores substanciais da dignidade da pessoa humana e no direito a ter direitos (novos direitos decorrentes das inovações tecnológicas e da manipulação genética) (RODOTA, 2012).
Capra (2006) definiu esse novo paradigma como “uma visão de mundo holística, que percebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas”, mas reconhecendo a interdependência fundamental de todos os fenômenos e o fato de que os indivíduos e as sociedades estão encaixados nos processos cíclicos da natureza, preferiu utilizar o termo “visão ecológica”.
A ênfase no todo é cientificamente conhecida como holística organísmica ou ecológica, sendo a perspectiva holística também chamada de sistêmica, em rápida aproximação com o pensamento de Bookchin (2007). Importante salientar que essa mudança de paradigma não é uniforme, ela já vem ocorrendo ao longo do último século de diferentes maneiras e intensidades nos vários campos científicos, iniciando pela Biologia com os organismos, depois a Psicologia com a percepção, a Ecologia com as comunidades animais e vegetais e a Física Quântica com os fenômenos atômicos.
Essa nova visão exige principalmente, uma ampliação da percepção, pensamento e dos valores que são o cerne da ecologia profunda deixando para trás a antiga visão antropocentrista de mundo e abarcando a nova visão eco centrista que respeita todos os seres, sendo esses membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependência. Daí surge uma mudança ética e moral radical, ao ponto de se rotular tal movimento como anarquista, elevando-se na condição de corifeu Murray Bookchin (CAPRA, 2006, p. 46).
Não por acaso se advogue em favor de um paradigma centrado em algo que fosse realmente comum e global, de fácil compreensão e realmente viável. Boff (2000), parte da hipótese de que essa base deve ser ética, de uma ética mínima, a partir da qual se abririam possibilidades de solução e de salvação da Terra, da humanidade e dos desempregados estruturais. De modo que dotados desta condição ética-material a sustentabilidade será um modelo de relações intersubjetivas de melhor concretização.
Satisfazer nossas necessidades mantendo as perspectivas de futuro das outras gerações se traduz em construir, nutrir e educar comunidades sustentáveis, aprendendo com o estudo dos ecossistemas através dos princípios básicos da ecologia. Urge a necessidade de um novo modelo civilizatório, educacional, comercial e político também, que se paute nos princípios sustentáveis transformando-os em princípios educacionais, administrativos e políticos (CAPRA, 2006, p.231).
Percebe-se, de igual sorte a mudança comportamental que norteia a existência humana nos últimos quatro mil anos como mola propulsora do cenário de crise e do advento de anseios sustentáveis. No início (por favor, não se objetiva aqui fazer apologia às teorias criacionistas), o homem orientava-se pelo perfil homem-coletor; com o abandono da condição nômade e com a carestia dos primeiros recursos expropriáveis cambia-se para o modelo de homem-produtor, extrator dos recursos naturais e especificador em bens e serviços definidos; contudo, ao se instalar um sistema fordista de produção restou ao homem a alocação no status predominante de homem-consumidor, no qual a importância do sujeito está em consumir para viver e/ou viver para poder consumir (BAUMAN, 1999, p.88).
Com isso, segundo Melman (2003) o homem perde gravidade e a qualquer custo procura obter o gozo, mesmo que de forma efêmera e fugaz, via consumo; alimentando cada vez mais esta espiral que se mostra infinita na subjetividade. Ao passo em que os recursos são finitos e os desejos ilimitados, o sentimento de castração acaba por promover novas facetas à condição homem-consumidor. Entra em cena o perfil homo juridicus, o qual diante da impossibilidade do gozo sobre suas necessidades passa a demandar judicialmente meios de satisfação dos anseios (SUPIOT, 2007).
Para Bodnar (2011), nesta toada, a sustentabilidade passa a suplantar a ideia de valor para inserir-se como princípio jurídico, apto, portanto, a ser exigido judicialmente, em um cenário no qual o Judiciário se apresenta como guardião das promessas democráticas, lembrando Garapon (2004).
De não se olvidar, que não há como se extrair dos ecossistemas valores humanos. Contudo, fato é que durante mais de três bilhões de anos de evolução os ecossistemas têm se organizado de forma sutil e complexa, traduzindo seus métodos e modelos para a realidade humana. Ao enxergar os ecossistemas como redes autopoiéticas e estruturas dissipativas, pode-se chegar a um arcabouço de princípios e organização que levam a valores basilares da ecologia e por eles, construir sociedades sustentáveis (CAPRA, 2006, p. 231).
Em complemento, conforme defende Boff (2000, p. 26-27), demanda-se agora é por um ethos que seja adequado ao novo patamar da existência, que é global e planetário. Esse ethos globalizatório não pode ser a implantação impositiva de uma moral regional, embora dominante. Para Boff “Importa projetarmos um ethos que seja realmente, expressão da globalização e planetização da experiência humana, assentado sobre uma nova sensibilidade, o phatos, estruturador de uma nova plataforma civilizatória”.
Antonio Marcos Gavazzoni é mestre e doutor em Direito Público. Foi professor na UNOESC, na Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina e na Universidade Paranaense. Em janeiro de 2013 assumiu pela segunda vez a Secretaria de Estado da Fazenda do Estado de Santa Catarina, cargo que ocupa até o momento. Email: contatogavazzoni@gmail.com
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