E se todos os homens e mulheres perdessem seus braços? (A importância do trabalho físico para a existência da nossa sociedade) - Por Afrânio Silva Jardim

06/12/2016

A hipótese absurda que apresento como título desta reflexão tem como escopo tornar claro que toda a nossa sociedade está alicerçada na atividade laboral daqueles que, com sua força de trabalho, transformam a natureza em bens necessários à sobrevivência humana. Sem a sua mão, a espécie humana dificilmente teria condições de sobreviver.

No plano econômico, pode-se afirmar que é a “mão” do trabalhador que produz toda a riqueza que passa a circular na sociedade, através de artifícios jurídicos, e acaba se acumulando no patrimônio de uns poucos. Esta classe que acumulou o capital, detendo os chamados meios de produção, volta a se utilizar do trabalho da classe assalariada, acumulando ainda mais riqueza.

O “trabalho” do empresário é administrar o trabalho de seus empregados em seu proveito. Os trabalhadores passaram a ser verdadeiras mercadorias, pois são obrigados a venderem a sua “força laborativa”, pelo preço estabelecido pelo mercado. O desemprego é importante para o sistema capitalista, pois faz baixar os salários, pela “lei da oferta e da procura”.

Alguns poderiam objetar: com a nossa tecnologia avançada, a “mão do trabalhador” está sendo substituída pelas máquinas. Respondo: mas como fabricar as máquinas sem a “mão” do trabalhador? Sem a “mão” do trabalhador, quem vai fabricar a máquina que fabrica a máquina?

Na verdade, tudo o que nos serve é fruto do trabalho físico de alguém que, socialmente, quase não aparece. Quem efetivamente produz a riqueza é quem menos dela se beneficia em uma sociedade capitalista. A injustiça é patente.

Abaixo, vamos fazer um raciocínio meio simplista, mas que demonstra a verdade que está oculta em nossa sociedade.

Quem paga o alto salário de um renomado artista de uma grande emissora de televisão?  Dizem as pessoas: você não tem nada a ver com isso. Quem paga este salário não é o Estado e, sim, uma empresa privada. O problema é do empresário privado, dos acionistas desta pessoa jurídica empresarial. Verdade? Não. Quem acaba pagando este salário é o operário no “final da corrente econômica”.

Vejamos o que ocorre na situação acima aventada:  a) quem remunera a tal emissora de televisão para ela pagar o alto salário daquele artista são as empresas que anunciam seus produtos ao grande público;  b) por seu turno, as empresas que pagam os anúncios, “descarregam” seus custos nos produtos que vendem, onerando-os ainda mais;  c) desta forma, o consumidor, a população, ao comprar tais produtos, é quem acaba efetivamente pagando o salário do artista daquela televisão.

Caberia, ainda, progredir nesta “cadeia econômica”, indagando como o consumidor adquiriu valores para comprar os produtos anunciados? No final de tudo, vamos constatar que quem fabricou os produtos consumidos foi a “mão do trabalhador” e o dinheiro pago pelo consumidor para comprar tais produtos representa uma “riqueza”, produzida pelo trabalho físico assalariado, e que está circulando em forma de papéis (dinheiro ou outros títulos).

De certa forma, o grande engodo ocorre com a divisão social do trabalho, pela qual se estabeleceu que o trabalho intelectual é mais importante que o braçal e, por conseguinte, deve ser melhor remunerado. Aí se escalona economicamente a sociedade, que fica dividida em classes econômicas com interesses antagônicos.

Em uma sociedade dividida em classe sociais, não é possível que todos sejam intelectuais formados em excelentes universidades. Em uma sociedade de classe, não é possível que todos ganhem muito bem, ainda que exista riqueza para todos. Quem vai ser meu empregado? Quem vai me servir?

A injustiça social é inerente ao próprio sistema capitalista. Ele não sobrevive se não houver ricos e pobres, motivo pelo qual cria mecanismos protetores para a classe economicamente dominante, impondo a todos um verdadeiro determinismo econômico. O filho do rico nasce patrão e o filho do pobre nasce empregado. A ascensão social pode até existir, mas sob certo controle e como exceção.

Desta forma, cabe à humanidade continuar na eterna busca de uma forma mais justa de organização econômica da nossa sociedade, onde quem efetivamente produz a riqueza possa dela também se beneficiar. Marx e Engels deram algumas receitas que devem ser adaptadas às realidades modernas, sem sectarismo e dogmatismos.

O ser humano é capaz de ter excelentes ideias, mas não é capaz de implementá-las corretamente, pois aí se fazem sentir todos os aspectos negativos inerentes à pessoa humana.

Como não mais acredito no ser humano, não mais abro mão de mecanismos que eficazmente controlem o poder, ainda que se consiga uma sociedade igualitária.

O meu anseio é no sentido de que se consiga construir uma sociedade economicamente justa, com a desejada liberdade, para que os seus membros possam concretamente desenvolver suas individualidades.

 A “liberdade burguesa” é uma liberdade abstrata, vista apenas em face do Estado. Mesmo assim é gozada, efetivamente, apenas pelos poucos socialmente privilegiados.

No sistema capitalista, o trabalhador não é livre, pois depende do salário a ser pago por seu patrão para sobreviver com a sua família. O patrão manda no empregado que, por não ter condição econômica favorável, não pode verdadeiramente usufruir das “liberdades” falsa e abstratamente prometidas.

Felizmente, o homem é um inconformado e, queiram ou não os individualistas e egoístas, as sociedades do futuro serão melhores, como a atual é melhor do que a sociedade escravocrata ou medieval. Nesta perspectiva, sou até otimista.

 

Primavera de 2016


Imagem Ilustrativa do Post: Workers constructing a building // Foto de: Eduardo Duarte // Sem alterações

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