E se Lula cumprisse pena no Estado do Rio de Janeiro, como seria?

05/10/2019

Da Forma de cumprimento da pena privativa de liberdade

Recentemente iniciou-se um debate sobre a suposta progressão de regime do ex-presidente “Lula”, uma vez que teria alcançado o lapso temporal necessário a progressão – 1/6 da pena em regime anterior – tendo o Ministério Público Federal se manifestado pelo deferimento, apontando a necessidade de aferição dos demais requisitos.

Como todos bem sabem, a lei 7.210/84, lei de execuções penais, aponta que o apenado poderá progredir de regime prisional desde que cumprido 1/6 da pena (em crimes comuns) e ostentar (o apenado) bom comportamento carcerário, atestado pelo diretor da unidade prisional.

Contudo, para os condenados por crimes praticados contra a administração pública, a reparação do dano que causou ou devolução do produto do ilícito praticado é medida que se impõe a progressão de regime, na forma do artigo 33, §4 do código penal.

Dessa forma, para que o ex-presidente faça jus à progressão de regime surgem três requisitos a serem cumpridos, o objetivo (tempo), subjetivo (comportamento) e ressarcimento. Admite-se ainda a mitigação do terceiro requisito quando o apenado demonstra de forma clara que não possui capacidade financeira de reparar o dano, devendo ser analisado pelo Juiz da execução da pena.

O ex-presidente foi condenado pelo juízo de primeiro grau a pena total de 09 anos e 06 meses de reclusão em regime inicialmente fechado pelos crimes de corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Em sede de recurso de apelação, tanto da defesa quando da acusação, foi dado parcial provimento ao pleito acusatório apenas para majorar o total da reprimenda imposta, passando então para um total de 12 anos e 01 mês, pelos mesmos delitos, situação que foi modificada em sede de agravo regimental em recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça, para então, até a presente data, reacomodar a quantum de pena aplicada num total de 08 anos, 10 meses e 20 dias. Pena essa que se encontra em execução provisória atualmente.

Por sua vez, a carta magna apresenta em seu artigo 5º, inciso XLVI o princípio da individualização da pena, tendo ainda a lei de execuções penais e o código penal (art. 112 e art. 33, §2, respectivamente) apontado que a pena deverá ser cumprida na forma progressiva, de modo que o apenado possa ser reinserido de forma paulatina ao convívio social.

Feitas essas breves considerações, saindo do campo abstrato e trazendo para o plano concreto, a progressão de regime é direito do apenado, garantido em lei, não podendo ser mitigado, violado ou até mesmo dispensado pelo próprio apenado, uma vez que tem natureza jurídica de direito indisponível, logo, não poderia, em hipótese alguma, qualquer pessoa “abrir mão” de tal aplicação.

Logo, ao contrário do que tem sido ventilado pela mídia a respeito do ex-presidente ter se pronunciado no sentido de não ter interesse a progressão de regime, não cabe ao próprio apenado dispor ao seu bel prazer da progressão de regime, uma vez que a própria lei determina que a pena deverá ser cumprida de forma progressiva, devendo ser interpretada como um direito/dever.

Com isso, o Ministério Público Federal se manifestou de forma favorável a progressão de regime, sem nem mesmo a defesa ter pleiteado tal benefício. cabe analisar que o Ministério púbico tem como função Constitucional a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF.), agindo assim então como um fiscal da lei.

Por seu turno, cabe ainda destacar que o Ministério Público foi incluído no rol taxativo de órgãos de execução penal (art. 61, inc. III da lei 7.210/84), cabendo então atuar e fiscalizar o cumprimento da lei em sede de execução penal.

Dessa forma, por mais que a manifestação ministerial favorável a progressão de regime sem qualquer pleito defensivo nesse sentido possa ter intrinsecamente cunho político desconhecido, não há qualquer ilegalidade no Ministério Público em “pleitear” a progressão de regime de qualquer pessoa, de forma a dar efetividade à aquilo que manda lei, conforme narra também o art. 68, inc. II, alínea “e” da lei 7.210/84, vejamos:

Art. 68. Incumbe, ainda, ao Ministério Público:

I - fiscalizar a regularidade formal das guias de recolhimento e de internamento;

II - requerer:

...

e) a conversão de penas, a progressão ou regressão nos regimes e a revogação da suspensão condicional da pena e do livramento condicional; (grifo nosso)

Já quantos os aspectos prisionais no Estado Fluminense, se aqui o apenado cumprisse pena, após deferimento da progressão pelo juízo de execução, o apenado deveria ser transferido de unidade prisional de regime fechado para unidade prisional de regime semiaberto.

Quanto ao “novo” regime, semiaberto, o mesmo não possibilita qualquer saída extramuros de plano. Contudo, como benefícios inerentes ao próprio regime (Semilibertos), o apenado poderia apresentar diversos pleitos defensivos que possibilitariam a saída da unidade prisional sem vigilância direta para exercer atividade laborativa, visita periódica a família e atividades relacionadas à educação, podendo participar de cursos de diversas naturezas, mediante, sempre, autorização judicial, os chamados de “TEM/VPF/CEM, diferente do que acontece na República Federativa de Curitiba (Como gostam de chamar), onde o regime prisional semiaberto vem sendo cumprido em prisão domiciliar com monitoramento eletrônico, por ausência de unidades prisionais compatíveis com as regras do regime semiaberto.

Com relação ao convívio social intramuros, ou seja, aquele dentro da unidade prisional, o próprio regime impõe uma “liberdade” dentro do cárcere, com celas sendo abertas durante o dia, possibilitando o contato com outros internos por maior período, diferentemente do que acontece no regime fechado, onde cada apenado goza apenas do direito ao banho de sol por duas horas diárias, com exceção dos dias de visitação.

Em carta aberta, o ex-presidente declarou “que não trocará sua dignidade por sua liberdade”, apontando ainda que “aguardará o pronunciamento da Suprema Corte sobre sua inocência”.

 

 

Conclusão.

Diante de todo contexto acima mencionado, ressalvado posição divergente, conclui-se que não há, ao menos ao nosso sentir, qualquer ilegalidade no Ministério Público pleitear progressão de regime a qualquer apenado sem que a própria defesa constituída tenha feito, tendo, inclusive, texto expresso de lei na forma do art. 68, inc. II, alínea “e” da lei 7.210/84.

Ora, não se pode negar que possa existe qualquer outro interesse político partidário ministerial travestido de legalidade, qualquer eleição de inimigo penal, retaliação a manifestação do réu de desinteresse na progressão. Contudo, a apresentação do pedido de progressão por si só não é capaz de elucidar tal assertiva, mas, a bem da verdade, num mundo ideal, onde todos as leis deveriam ser cumpridas e todos os “fiscais” deveriam atuar de forma isonômica e eficiente, bom mesmo seria se o Ministério Público agisse de igual forma com os aproximadamente 812.000 presos em nosso País (dados do CNJ).

Conclui-se ainda que inexiste possibilidade do réu renunciar o direito a progressão de regime, uma vez que constitui mandamento constitucional de modo que a pena deverá ser cumprida na forma progressiva, devendo o apenado ser reinserido de forma grau ao convívio social e que, se cumprisse pena no Estado Fluminense, nada mais seria do que a transferência de uma unidade prisional para outro, sem que isso importasse qualquer forma de liberdade desvigiada. Mas, no Estado em que cumpre pena, poderá ser beneficiado pela prisão domiciliar com monitoramento eletrônico.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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